Infelizmente, não podemos ver o invisível, pois violaria as leis da física e da natureza. Ou então não. Por definição, coisas que são invisíveis são aquelas que não podem ser vistas ou não se veem (Priberam, 2024). São assim porque não refletem luz suficiente para serem detetadas pelos nossos olhos ou instrumentos de medição.
No entanto, existem algumas formas de nós detetarmos certos tipos de radiação ou partículas que são invisíveis ao olho como o raio-X, ondas rádio, infravermelhos, etc. Inventou-se câmaras térmicas, detetores de radiação, camaras de ionização, detetores de cintilação, entre outros (Safetyrad, 2018).
Será que as coisas que são invisíveis aos nossos olhos têm um propósito de o serem? Ou apenas porque não se consiga ver algo não significa que não tenha valor?
Dou por mim a observar as partículas de sol que teimam em atravessar as cortinas, fazendo a poeira dançar à minha frente. Agora sim, vejo. Mas o que vejo realmente? O ar? O que é o ar que respiramos?
O ar que respiramos é constituído por várias moléculas invisíveis aos nossos olhos, mas essenciais à vida. A atmosfera terrestre é composta por cerca de 78% de azoto, 21% de oxigénio e 1% de outros gases como o árgon, o vapor de água e o dióxido de carbono. Se quisermos medir a qualidade do ar — ou melhor, a sua monitorização —, recorremos a instrumentos precisos que medem a quantidade de dióxido de carbono e outros gases presentes (Agência Portuguesa do Ambiente, 2021). Não obstante, não conseguimos ver diretamente as moléculas suspensas no ar, mas sentimos o seu efeito: uma leve brisa fresca, as folhas das árvores a mexerem-se.
Como podemos nós ver isto? É isto que quero ver; deve haver alguma forma de o fazer. Algo mais sensível que o olho humano, mas que depois o próprio olho humano consiga ver. Por exemplo, um balão cheio de ar. Quando o liberto, consigo prever o comportamento dele com grande probabilidade: vai deslocar-se por todo o lado, mas não consigo predizer a 100% como se vai comportar. São diversas as variáveis que tenho de considerar, sem contar com as moléculas presentes no ar, dentro e fora do balão, a sua percentagem e como irão reagir. As moléculas que estão dentro, sei que estão lá, mas não sei a percentagem de cada uma, nem a temperatura, nem a pressão, e não as consigo ver. Mas gostaria que fosse possível vê-las.
Porventura, pensei nalgo semelhante ao Apple Vision Pro, mas com a capacidade de visualizar os gases mais abundantes em tempo real, como o nitrogénio e o oxigénio. Subjacente estaria a integração de um sensor Near-infrared spectroscopy (NIRS) ou o recorrer à espectroscopia de Raman, utilizando realidade aumentada e um software avançado, suportado por algoritmos de processamento de imagens e inteligência artificial, para contabilizar as moléculas de nitrogénio e dióxido de carbono suspensas no ar. Poderíamos, ainda, adicionar um sensor de oxigénio para medir a concentração deste gás em tempo real, proporcionando uma visão detalhada e precisa da composição do ar ao nosso redor.
Os primeiros passos já estão a ser dados e o futuro está cada vez mais próximo. Por exemplo, um grupo de investigadores da Unicamp, em colaboração com a Universidade da Califórnia em San Diego, desenvolveu um Fourier-transform spectrometer (FTS), o qual é possível colocar num chip, através da tecnologia de silício. Isto permite a miniaturização de um dos instrumentos mais utilizados para identificar e analisar substâncias químicas, integrando-o em drones, smartphones e outros dispositivos para monitorização remota de gases de efeito de estufa (Souza et al., 2018). Genner et al. (2020) apresentaram um sensor baseado em laser de cascata quântica (laser semicondutor que emite luz no espectro infravermelho médio e distante) para monitorização do ar. Este foi capaz de quantificar cinco gases: monóxido de carbono (CO), óxido nítrico (NO), dióxido de nitrogénio (NO₂), óxido nitroso (N₂O) e dióxido de enxofre (SO₂), com limites de deteção na faixa de 1 ppbv, e a sua aplicabilidade foi demonstrada numa campanha de medição de cinco semanas em Viena, Áustria. Singh et al. (2024) apresentam um conjunto de sensores de óxidos metálicos que, com recurso a machine learning, podem identificar e prever concentrações de quatro compostos orgânicos voláteis distintos na respiração para diagnóstico de doenças e monitorização dos tratamentos.
Seria necessária a constituição de uma equipa pluridisciplinar composta por cientistas e engenheiros com conhecimentos em ótica, física, química, engenharia de materiais e ciências da computação, entre outras. Os esforços confluiriam em novas abordagens para a deteção molecular em tempo real e utilização de nanopartículas, possíveis de reagir com as moléculas no ar e mudar de cor ou fluorescer quando expostas a essas moléculas.
A inovação patente neste equipamento apresentaria contributos tanto para o campo da medicina como da ciência, indústria e segurança, entre outros. Na medicina, por exemplo, poderíamos ter monitorização em tempo real dos ambientes hospitalares, permitindo uma gestão precisa da qualidade do ar em unidades de terapia ou blocos operatórios. Contribuiria para investigações sobre doenças respiratórias e transmissão de vírus. Conseguiríamos estudar a transmissão e interação biológica prontamente. Na ciência, um contributo inestimável para a climatologia, poluição ambiental, gases de estufa, etc. Veríamos, por exemplo, fenómenos químicos e interações intermoleculares em tempo real. Na indústria, apresentaria contributos para os setores alimentares, como o das bebidas ou mesmo para setores da indústria farmacêutica, detetando contaminações em tempo útil, assegurando padrões de qualidade elevados. Na área da segurança, detetar rapidamente ambientes tóxicos ou perigosos, protegendo trabalhadores de minas, ou plataformas de exploração de petróleo. Em incêndios, permitiria aos bombeiros ter um suporte adicional de segurança, visualizando o vazamento de químicos e gases.
Um equipamento altamente versátil e relevante, que contribuiria para um futuro mais sustentável, seguro e tecnologicamente avançado… mas acima de tudo, permitir-me-ia ver o invisível.
Ver o invisível não só expande os limites do conhecimento do ser humano, mas também apresenta soluções práticas para desafios urgentes.
Será, então, possível ver o invisível? Talvez a resposta não resida só na ciência, mas na curiosidade do ser humano. Se o invisível é aquilo que os olhos não veem, mas a nossa imaginação alcança, talvez seja mais o impulso para criar e inovar o que antes parecia inalcançável. Pergunto-me o que mais está à nossa volta, invisível aos sentidos?
Por agora, limito-me a observar as partículas de pó a dançar enquanto lá fora ainda faz sol.
Referências
Agência Portuguesa do Ambiente. (2021). Qualidade do ar | Agência Portuguesa do Ambiente. https://apambiente.pt/ar-e-ruido/qualidade-do-ar
Genner, A., Martín-Mateos, P., Moser, H., & Lendl, B. (2020). A quantum cascade laser-based multi-gas sensor for ambient air monitoring. Sensors (Switzerland), 20(7). https://doi.org/10.3390/s20071850
Priberam. (2024). Invisível — Dicionário Online Priberam de Português. https://dicionario.priberam.org/invis%C3%ADvel
Safetyrad. (2018, 6 de maio). Detetores de radiação usados na medicina. https://safetyrad.com/2018/05/06/quais-detectores-radiacao-sao-usados-na-medicina/
Singh, S., S, S., Varma, P., Sreelekha, G., Adak, C., Shukla, R. P., & Kamble, V. B. (2024). Metal oxide-based gas sensor array for VOCs determination in complex mixtures using machine learning. Microchimica Acta, 191(4). https://doi.org/10.1007/s00604-024-06258-8
Souza, M. C. M. M., Grieco, A., Frateschi, N. C., & Fainman, Y. (2018). Fourier transform spectrometer on silicon with thermo-optic non-linearity and dispersion correction. Nature Communications, 9(1). https://doi.org/10.1038/s41467-018-03004-6