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Ser ou não ser… feliz: Sobre a ciência da felicidade e do bem-estar

Ser ou não ser… feliz: Sobre a ciência da felicidade e do bem-estar

Os temas do bem-estar e da felicidade tornaram-se nos últimos anos motivo de pesquisa séria em várias ciências, como a psicologia, a gestão, e a economia. A Felicidade Interna Bruta (Gross National Happiness) é um termo introduzido pelo Rei do Butão, Jigme S. Wangchuck, durante uma entrevista em 1972, na qual afirmou que o GNH é mais importante do que o GDP (Gross Domestic Product). Vinte e cinco anos depois, as Nações Unidas assistiriam a uma apresentação formal do conceito por um enviado do pequeno reino dos Himalaias, e a partir de então o mundo deixou-se embevecer pela ideia: i) o World Happiness Report é produzido pela ONU desde 2012; ii) o Dia Mundial da Felicidade celebra-se a 20 de Março, desde 2013; e iii) o World Happiness Summit (WOHASU) teve a sua estreia em 2017, e, para além da reunião anual, também patrocina o H-20, um encontro semelhante ao G-20, mas destinado a analisar a economia do bem-estar; em 2019 o H-20 ocorreu em Lisboa.

Na ciência, a psicologia positiva há uma década que tem um espaço próprio, e os temas do equilíbrio trabalho-família, e sentido da vida e do trabalho, são ainda mais antigos. As universidades mais conceituadas ministram cursos sobre estes temas, o site www.authentichappinness.org ensina sobre felicidade, e o Happy Research Institute, de Copenhaga, procura entender porque é que certas sociedades são mais felizes do que outras.

O entusiasmo é tão grande que podem passar despercebidos alguns dados interessantes:

1) Em 2018 o Butão ficou em 95º lugar no relatório mundial sobre felicidade, com a Finlândia em 1º e Portugal na 66ª posição;

2) Em 2018, a Finlândia ficou em 15º lugar no Human Development Index (Portugal em 42º e Butão em 134º), um indicador da ONU que combina a expetativa de vida ao nascer, educação, e PIB per capita;

3) Segundo a World Health Organization, em 2016 a Finlândia registou a 32ª taxa de suicídio mais elevada no mundo, com o Butão em 53º lugar, e Portugal em 97º.

Os conceitos e a sua operacionalização são diferentes, o que justifica as dissemelhanças nos resultados, mas ainda assim causa estranheza não haver uma maior proximidade entre algumas estatísticas. De facto, tal deve-se à complexidade e multidimensionalidade dos constructos envolvidos.

Tome-se o caso da felicidade. A felicidade aparenta ter múltiplas dimensões: biológica, cognitiva, afetiva, comportamental, espiritual, e social. Sendo limitado o espaço para maiores desenvolvimentos, considere-se apenas a componente biológica. A nível biológico, a ciência tem identificado e compreendido os mecanismos químicos subjacentes às emoções positivas, mormente os efeitos das hormonas, como as endorfinas (controladores da dor), a serotonina (felicidade), a dopamina (prazer), a adrenalina (sobrevivência), e a oxitocina (amor).

Um exemplo fascinante é o que acontece à mulher durante um parto natural, ou seja, um nascimento sem assistência instrumental ou médica. Como qualquer leitora que tenha passado pela experiência pode recordar, um parto natural é um acontecimento que leva o organismo aos seus limites mais extremos. A biologia evolutiva revela quão preparado o corpo da mulher está preparado para o acontecimento. Assim, enquanto a adrenalina acelera ou retarda o nascimento, consoante a mulher se sentir mais ou menos ameaçada e confortada para o momento, a elevada produção de oxitocina estimula a mãe a sentir amor imediato pelo recém-nascido. Igualmente prodigioso é o papel das beta-endorfinas, que não apenas controlam o estresse e a dor, mas também estão associadas a estados alterados de consciência como o “sentir-se noutro planeta”, frequentemente reportado pelas grávidas. Este estado de consciência assemelha-se a um outro, designado por Csikszentmihalyi (1997) como flow, e descrito como uma vivência sublime de prazer e felicidade, sentida pelo ser humano durante a execução de uma tarefa. Em momentos de flow a pessoa encontra-se completamente absorta pela atividade que desempenha e intensamente envolvida em todas as suas fases. É um estado de hiper-focalização, de quase-transe, que tem sido observado em profissionais sujeitos a momentos de concentração intensa, como cirurgiões, programadores, desportistas de alta competição, e bailarinos, e também em estados meditativos profundos. Interessante como já nos anos 50 Maslow (1987) havia descrito os “picos de experiência”, momentos raros de felicidade extrema, ainda mais visíveis em pessoas que disfrutam regularmente da vida.

Sobre como ser feliz, sobejam os livros de auto-ajuda e os sites na Internet, mas para o presente texto relatam-se aqui os resultados de um exercício académico realizado com estudantes de doutoramento iranianos, com quem o autor deste texto teve oportunidade de se relacionar em 2019. Ao grupo, variando entre 25 e 50 anos de idade, homens e mulheres, com experiências académicas e de vida diversas, foi proposto chegarem a um acordo sobre o que pode ser uma vida de bem-estar. Mais baseado nas experiências de vida do que em leituras científicas e académicas, largamente vedadas em resultado das barreiras linguísticas e sanções políticas, o coletivo produziu um rol de elementos dos quais aqui se reproduzem alguns mais genéricos, e que foram posteriormente reconstruídos pelo autor deste texto.

Assim, o bem-estar e a felicidade relacionam-se com a saúde do corpo, da mente e do espírito. Para o corpo, contribuem duas práticas: a nutrição e o exercício (exercício físico propriamente dito e vida ativa). Para a mente, destacam-se o descanso (sono, relaxamento, saber perder tempo) e o pensamento (crescimento, aprendizagem, reflexão). E para o espírito salientam-se dois ingredientes, ambos essenciais para viver uma vida com sentido: o social (amigos, família, romance), e o comunitário (trabalho, comunidade e sociedade). O bem-estar depende destas dimensões em simultâneo; ou seja, deve cuidar-se de todas elas ao mesmo tempo, para se viver venturosamente.

Comparem-se estes resultados, por exemplo, com o modelo de bem-estar do think-tank inglês The New Economics Foundation, assente em cinco componentes: conectar (família, amigos, etc.), manter a atividade (caminhar, correr, etc.), estar atento (ser curioso, reparar nas coisas, etc.), dar (agradecer, contribuir, etc.), e continuar a aprender (desenvolver-se, aprender novas atividades, etc.). As semelhanças são inúmeras, tal como serão se a comparação for feita com o modelo da Quality of Life Research Unit, da Universidade de Toronto, ou outro do género.

O que finalmente importa realçar aqui é a parecença entre, por um lado, o modelo de felicidade e bem-estar, produzido por estudantes relativamente alheados dos avanços científicos ocidentais, e, por outro lado, os modelos dos especialistas e das instituições referidos. Se as pessoas, a partir da própria experiência, conseguem perceber a complexidade inerente a viver uma vida feliz, é caso para perguntar porque é que as sociedades atuais teimam em sustentar sistemas e paradigmas culturais exclusivamente centrados em uma ou duas dimensões apenas, como a produção e consumo de bens materiais, ou o enaltecimento do hedonismo exacerbado? O GNH e o HDI podem ser medidas incompletas, mas parecem captar melhor a complexidade da felicidade do que o GDP.

Referências:

  • Csikszentmihalyi, M. (1997). Finding flow. The psychology of engagement with everyday life. New York, NY: BasicBooks.
  • Maslow, A. (1987). Motivation and personality (3rd Ed.), New York, NY: Harper & Row.

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