Você sabia que nosso cérebro, de certa forma, sempre foi instagramável?
Quem nunca se viu perdido entre as imagens das redes sociais por um tempo maior do que o imaginado de início? Quem nunca checou por várias vezes no dia o número de curtidas que recebeu em alguma postagem?
Se você respondeu não para uma destas questões, talvez você precise nos contar seu segredo, mas se sua resposta foi sim, fique em paz, você faz parte da maioria dos humanos presentes nesse planeta.
É fato que a imagem sempre fez parte da nossa vida mental. Muito antes do surgimento da fotografia, as famílias e autoridades mais ricas e influentes nas diversas culturas pelo mundo, se preocupavam em reter o tempo e eternizar a própria imagem através de pinturas que retratavam batalhas, cerimônias e situações cotidianas, conforme a percepção do pintor ou do retratado por ele. As imagens eram quase sempre fruto de um desejo em contar a história e não como realmente aconteciam.
O retrato acima, um óleo sobre tela de 1786, pintado pelo holandês Adriaen de Lelie, retrata a família de Jan Van Loon, um aristocrata que por conta de sua posição social se preocupava mais em parecer ser do que realmente ser. Tranquilamente, considerando os dias atuais, esta obra figuraria com sucesso nas redes sociais, representando uma família linda, nobre e poderosa.
Com a chegada da fotografia, o registro da imagem ficou rápido e mais difícil de ocultar a realidade, porém não impossível. Fotografias artísticas produzidas em detalhes, em estúdios mesmo que domésticos, ainda tentavam passar uma imagem focada na percepção dos envolvidos e não na realidade. A fotografia enquanto registro da realidade, também chamada de fotografia documental, que se preocupa em capturar o fato em sua forma mais crua e autêntica é algo mais recente, surgiu do fotojornalismo do século XX, se consolidando como um canal de denúncia social. Mesmo se tratando da fotografia documental, separar o envolvimento do fotógrafo da cena fotografada de modo que não influencie a obra final, ainda é um dos grandes desafios dessa forma de expressão.
Com o fenômeno das redes sociais, tanto a fotografia artística como a documental passou de certa forma a se preocupar com o engajamento do usuário, que ocorre quando o usuário das redes sociais interage com o conteúdo publicado, de forma a aumentar a popularidade da imagem e do que ela representa. Dentro desse fenômeno, não fica evidente se as imagens publicadas são produzidas pensando no engajamento, mas fica evidente que o engajamento exalta o fotógrafo, os fotografados, a causa defendida ou apenas a ocasião registrada. Produzir engajamento nas redes sociais passou a ser um business, mesmo que o produto seja “apenas” a pessoa fotografada. O alcance da postagem passou a ser metrificado em relação ao número de seguidores e surgiu uma taxa de engajamento indicativa da natureza das próximas postagens.
É fato científico que o cérebro humano se organiza através de imagens, sejam elas internas, externas, reais ou imaginárias. Dessa forma, o que aqui chamamos de instagramável, ou seja, aquilo que se caracteriza como uma imagem atrativa aos olhos humanos e que gera engajamento, há muito tempo habita o cérebro humano.
Um cérebro que se guia por imagens
No ano de 2018, o Professor e Neurocientista Antonio Damásio, em seu livro intitulado “A estranha ordem das coisas: as origens biológicas dos sentimentos e da cultura” escreveu:
A unidade básica para as mentes é a imagem, que pode ser de uma coisa, do que uma coisa faz, do que a coisa faz você sentir, do que você pensa sobre a coisa, ou das palavras que traduzem qualquer um desses itens ou todos eles. (DAMÁSIO, 2018, p. 109)
Os mecanismos neurais do cérebro humano produzem imagens de tipos variados, das mais simples até as mais complexas, que interagem entre si tecendo combinações diversas, que resultam em representações mentais do mundo externo e interno ao corpo humano. Os pensamentos humanos existem em forma de imagens mentais, que a partir de estímulos dos órgãos da visão, audição, tato, paladar e olfato, se organizam em novas imagens, que, conectadas a imagens da memória, ampliam o conhecimento sobre determinado fato, situação ou comportamento.
Quando ouvimos uma história, pensamos em algo, planejamos alguma ação de curto, médio ou longo prazo, ou ainda simplesmente enquanto sonhamos, o fazemos a partir de imagens. Portanto, quanto mais vivência de mundo, maior o repertório de imagens mentais e mais conexões neurais são possíveis. As imagens mentais são armazenadas em forma de mapas mentais, passíveis de manipulação a cada nova informação, interna ou externa, resultando no que conhecemos como raciocínio.
Para exemplificar, podemos pensar no aprendizado das palavras, sejam elas escritas, faladas ou percebidas pelo tato, são construídas mentalmente através de imagens. Cada pessoa, a partir dessa construção, fará ao longo da vida novas imagens, acrescidas de vivências infinitas com cada palavra de início aprendida. Logo, a imagem é fator de grande importância para a saúde mental humana, sustentando a tomada de consciência da existência do ser, no que tange seu pertencimento, estadia e convivência social.
Mas como nada é tão simples quando escrevemos sobre os mecanismos cerebrais, é preciso acrescentar a esta escrita os fatores emocionais que incidem na organização mental das imagens. As imagens externas diárias são processadas lado a lado com as respectivas respostas afetivas de cada pessoa, que irá variar de acordo com o histórico de vida de cada indivíduo. O resultado dessa combinação mental irá agir em diversas partes do cérebro e resultará no que chamamos de sentimentos.
Não é à toa que atualmente as imagens trabalhadas pelos diversos meios de comunicação exerçam tamanha importância na vida dos humanos.
As imagens que viciam mentes
Algumas pesquisas científicas desenvolvidas após o fenômeno das redes sociais, apontam para uma relação estreita entre o fascínio das postagens e a liberação de dopamina no cérebro.
Isso ocorre porque as ações humanas estão condicionadas ao arranjo cerebral de cada indivíduo e obedece em grande parte a um circuito neural poderoso chamado “sistema de recompensa do cérebro”, responsável por emoções entendidas como positivas e pela antecipação de possíveis recompensas. Seu desencadeador químico é um neurotransmissor conhecido como dopamina.
A dopamina é liberada no interior do cérebro e age diretamente nas regiões reguladoras das emoções e no córtex pré-frontal cerebral. Quando liberada em altas dosagens pelo cérebro, impulsiona comportamentos que vão desde ações inconscientes de busca imediata do prazer, até a instalação de comportamentos viciantes. A possibilidade de haver alguma recompensa ao final de um comportamento ajuda na formação de hábitos.
A Dra. Susan Weinschenk, psicóloga comportamental, consultora de grandes corporações, startups, instituições de educação, ONGs e agências do governo dos Estados Unidos, após desenvolver algumas pesquisas sobre os usuários de redes sociais, listou alguns desencadeadores da liberação de dopamina:
- Gratificações instantâneas — as respostas e os cliques são rápidos e dão a impressão ao usuário de ter sido percebido em segundos;
- Excitação antecipada — estudos demonstram que há maior estimulação cerebral quando antecipamos uma recompensa do que quando recebemos;
- Fragmentos de informação — a informação que chega é pequena e estimula o cérebro a ficar atento a mais detalhes;
- Imprevisibilidade — o usuário nunca sabe quem irá interagir com a postagem nem o que virá de reação;
- Liberação de pequenas doses de dopamina — com a checagem constante das possíveis interações, há uma liberação de pequenas doses de dopamina, o que pode incentivar um comportamento compulsivo para novas postagens, checagens e interações diversas.
Por fim, é preciso educar nossos jovens quanto ao uso das novas tecnologias, incluindo a produção e publicação de imagens. Proibições, controles reacionários ou discursos apocalípticos não terão espaço em cérebros instagramáveis, é preciso mais. A inclusão da Neurociência de forma interdisciplinar nas escolas, desvendando os mecanismos mentais e possibilitando seu entendimento humano, é um dos muitos itens urgentes a serem adotados pela comunidade educacional.
Outro cuidado constante é com a identificação precoce de sintomas indicativos do vício, estando atento a possíveis alterações comportamentais, isolamento social frequente, dificuldades para controlar o impulso de checagem das redes sociais e incapacidade de reconhecer o problema. Quando a rotina compulsiva passa a causar prejuízo para a convivência humana, é preciso procurar ajuda médica.
Fique atento, mesmo que a tecnologia avance cada vez mais, o humano continuará sendo humano e seu cérebro, construído por milhões de anos na terra, continuará funcionando no mesmo modus operandi.