“A história nunca se repete, mas frequentemente rima.”
— Mark Twain
A humanidade vive assombrada pelos fantasmas do seu passado. À medida que entramos na terceira década do século XXI, o mundo parece reviver padrões antigos — pandemias globais, ascensão de conflitos armados, colapsos institucionais e crises de valores. A sensação de déjà vu não é acidental: diversos estudiosos da história e da filosofia política têm defendido a existência de ciclos civilizacionais que se repetem ao longo do tempo, marcados por momentos de expansão e retração, inovação e declínio, estabilidade e caos. Esta visão cíclica da história permite-nos interpretar o presente não como um evento isolado, mas como parte de uma narrativa maior.
A pandemia de COVID-19 (2019–2023), o ressurgimento de conflitos armados como a guerra na Ucrânia (desde 2022) e a escalada de tensões geopolíticas entre grandes potências (EUA, China, Rússia) ecoam padrões históricos observados noutros momentos de transição entre séculos. Segundo Linkov et al. (2024), a análise de colapsos civilizacionais como os do Mediterrâneo da Idade do Bronze revela que pandemias, guerras e perturbações económicas frequentemente ocorrem em conjunto, alimentando-se mutuamente. Esta combinação de fatores não apenas abala a estrutura das sociedades, mas redefine também os seus valores, prioridades e narrativas coletivas.
Ziauddin Sardar (2023) observa que as civilizações raramente desaparecem subitamente; em vez disso, entram em fases de “descontinuidade complexa”, onde elementos do antigo sistema ainda persistem, mesmo quando novas ordens emergem. Este conceito é relevante para interpretar o nosso presente: vivemos numa era em que os sistemas políticos, económicos e ambientais se debatem entre preservar o que foi e adaptar-se ao que vem. A resistência ao novo e a nostalgia do passado geram tensões que, quando não geridas, contribuem para crises profundas.
A história europeia fornece exemplos abundantes desta ciclicidade. O final do século XIX foi marcado por um surto de industrialização, colonialismo e avanço científico, mas terminou em desastre com a Primeira Guerra Mundial e a gripe espanhola (1918). De forma semelhante, o século XX conheceu, após a Segunda Guerra Mundial, um período de crescimento económico e estabilidade relativa — até ao seu final, quando se iniciaram crises ambientais, económicas e geopolíticas que hoje se intensificam. O padrão repete-se: auge, colapso, reconstrução.
Patomäki (2025) defende que os séculos não são apenas unidades cronológicas, mas também “unidades epistémicas”, com início e fim simbólico marcados por transformações paradigmáticas. O início de um novo século não é uma simples mudança de número, mas o nascimento de uma nova mentalidade coletiva. O século XXI nasce, assim, em dor — marcado por ataques terroristas (11 de setembro), crises financeiras (2008), pandemia (2020), guerras (Ucrânia, Gaza, África) e crise climática iminente. Cada evento atua como sintoma de um sistema que tenta adaptar-se.
A filosofia da história cíclica remonta a Políbio, Ibn Khaldun e Giambattista Vico. Todos reconheceram que as sociedades passam por fases de crescimento, corrupção, declínio e renovação. Mais recentemente, historiadores como Peter Turchin (2020) propõem modelos matemáticos para prever instabilidade política com base em ciclos seculares. Turchin chamou a atenção para o fenómeno de “sobressaturação de elites” — quando há demasiadas pessoas a disputar poucos lugares de poder, gerando conflitos internos —, uma teoria útil para analisar as tensões atuais entre tecnocracias, populismos e autoritarismos emergentes.
No plano psicológico e social, as pandemias e guerras não afetam apenas sistemas materiais, mas também a forma como nos vemos enquanto humanidade. Mordechai e Haldon (2024) analisam o impacto da peste bizantina (séc. VI) e da peste negra (séc. XIV) para mostrar como estes eventos transformaram valores, instituições e crenças espirituais. De forma semelhante, a pandemia de COVID-19 não apenas matou milhões, mas revelou fragilidades sistémicas — desde a desigualdade no acesso à saúde até a fragilidade das cadeias logísticas globais. E mais: provocou uma crise de sentido, levando muitos a questionar o rumo da civilização moderna.
Esta crise de sentido é amplificada pela dissonância entre o progresso tecnológico e a regressão moral. Enquanto avançamos com inteligência artificial, medicina genética e conquistas espaciais, enfrentamos um retrocesso nos direitos humanos, na democracia e na ecologia. O colapso, como demonstram Linkov et al. (2024), não é apenas técnico ou económico — é também narrativo. Quando a sociedade deixa de acreditar nas suas próprias promessas, entra em decadência cultural.
Contudo, a história também mostra que períodos de crise geram oportunidades de transformação. Após a Segunda Guerra Mundial, nasceram as Nações Unidas, a União Europeia e o Estado Social. Após a pandemia de COVID-19, assistimos a uma nova valorização do trabalho remoto, da saúde mental e da sustentabilidade ambiental. Tais sinais, embora incipientes, mostram que a humanidade possui resiliência adaptativa.
O conceito de resiliência, amplamente explorado por Galaitsi, Linkov e Trump (2024), implica mais do que voltar ao estado anterior após uma crise. Trata-se de evoluir para um novo estado mais robusto, com maior capacidade de antecipar, absorver e transformar choques futuros. Em termos históricos, civilizações que sobreviveram a colapsos — como a China pós-dinástica, o Japão após Hiroshima ou a Europa pós-guerra — fizeram-no reinventando-se cultural e institucionalmente.
Assim, que tipo de “civilização” estamos a criar agora, em 2025? O fim de um ciclo parece inevitável: crise ambiental, colapso da ordem internacional liberal, crise da democracia representativa e da ética coletiva. Mas o novo ainda não nasceu. Vivemos o “entre”, o interregno. Gramsci (1929) escreveu: “O velho está a morrer e o novo ainda não pode nascer; neste interregno surgem os monstros.” E de facto, os monstros — guerras híbridas, extremismos, tecnodistopias — já andam à solta.
A responsabilidade recai agora sobre a geração atual — académicos, líderes, cidadãos — de entender os sinais dos tempos. Aprender com os ciclos históricos não significa aceitar o destino, mas antecipar possibilidades. Como defendem Tahir e Nori (2025), a filosofia da história pode ser uma ferramenta de previsão, não apenas de contemplação. Através dela, podemos discernir padrões, identificar ruturas e orientar a ação coletiva para evitar os erros do passado.
Concluindo, a história não nos prende; ela orienta. E embora os ciclos existam, eles não são fatalidades. São advertências. Reconhecer que vivemos o fim de um ciclo — com todas as suas guerras, epidemias, crises económicas e sociais — permite-nos preparar o nascimento de um novo. Cabe-nos decidir se este novo será mais justo, resiliente e humano, ou apenas uma repetição disfarçada do passado. Se a história rima, que ao menos a próxima estrofe seja melhor do que a anterior.
Referências Bibliográficas
Galaitsi, S. E., Linkov, I., Trump, B. D., & Pinigina, E. (2024). Are civilizations destined to collapse? Lessons from the Mediterranean Bronze Age. Global Environmental Change. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0959378023001589
Mordechai, L., & Haldon, J. (2024). Resilience in Environmental History Discourse: Past, Present, and Future? The American Historical Review, 129(4), 1420–1445. https://academic.oup.com/ahr/article-abstract/129/4/1420/7915338
Patomäki, H. (2025). World history and the political economy of crises: Ten theses on the dialectics of power and learning. In Globalizations. https://www.taylorfrancis.com/chapters/edit/10.4324/9781003536918-9
Sardar, Z. (2023). Postnormal Times Revisited: Navigating Uncertainty, Complexity and Chaos. Futures, 150, 102934. https://doi.org/10.1016/j.futures.2023.102934
Tahir, Z., & Nori, A. W. J. (2025). The Predictive Power of the Philosophy of History: Understanding How Historical Theories Inform the Future. Journal of Global Perspectives on Social and Cultural Development, 1(1), 1–8. http://irep.iium.edu.my/120673/
Turchin, P. (2020). A Quantitative Theory of Elite Overproduction and Societal Instability. Cliodynamics, 11(1), 1–24.
Twain, M. (n.d.). [Citação atribuída]. Embora amplam



