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Cérebro e adolescência: urgência de escuta acolhedora, suporte e orientação

Cérebro e adolescência: urgência de escuta acolhedora, suporte e orientação

Segundo a convenção elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), seguida pelo Ministério da Saúde brasileiro, a ‘adolescência vai dos 10 aos 19 anos, 11 meses e 29 dias, e a juventude acontece entre 15 e 24 anos. Isso significa que os últimos anos da adolescência se misturam com os primeiros anos da juventude’[1].

O período da adolescência é marcado por diversas transições: sociais, comportamentais, corporais e cerebrais. Este texto pretende abordar de forma breve as relacionadas ao cérebro adolescente, por ser considerado um período crítico para o desenvolvimento das chamadas Funções Executivas cerebrais, responsáveis por algumas habilidades mentais fundamentais para o bom funcionamento cognitivo e comportamental humano.

O termo “Funções Executivas” tem sua origem nos estudos desenvolvidos pela Neuropsicologia, que se caracteriza “[…] por um conjunto de processos cognitivos que envolvem o controle consciente do pensamento, do comportamento e da afetividade, como a memória operacional, o controle atencional, o controle inibitório e a tomada de decisões” (STELZER; CERVIGNI; MARTINO, 2010). Trata-se de uma área de interface entre a Neurociência e as ciências do comportamento, relacionada a um conjunto de habilidades essenciais para a aprendizagem e para a vida em sociedade. Contudo, para falar um pouco sobre esse tema, é preciso, antes de tudo, escrever algo sobre o ambiente que o acolhe: o cérebro humano.

O Sistema Nervoso Central é um dos principais responsáveis pela vida humana. É ele que controla as funções do corpo e dá significado ao próprio viver. Entre as partes que compõem esse Sistema está o cérebro. Segundo Tieppo (2019), o cérebro controla todos os aspectos da vida humana.

De acordo com pesquisas e estudos recentes, fica cada vez mais evidente que tudo o que vemos, ouvimos, cheiramos, digerimos, falamos, sentimos e pensamos depende da atuação do cérebro. Inclusive como agimos e nos comportamos, nossas crenças, memórias e desejos, nossa motivação e até nossa própria identidade. (TIEPPO, 2019, p. 1).

Foto ilustrativa: Sistema Nervoso Central Humano

O cérebro é organizado em regiões e funções que se comunicam em uma bela sinfonia. “Essas regiões são formadas durante a gestação, mas há uma região específica do cérebro que continua seu desenvolvimento até o início da vida adulta, chamada de córtex pré-frontal cerebral”. (COSTA et al., 2016, p. 8).

Considerando os estudos científicos desenvolvidos sobre o desenvolvimento do córtex pré-frontal cerebral ao longo da infância e da adolescência, combinados com a faixa etária de nossas crianças matriculadas na Educação Básica brasileira, temos concentrado, na fase de idade escolar básica, a maior parte desse tão importante desenvolvimento. Nesse sentido, é importante salientar que essa região cerebral depende de estimulação externa para se fortalecer e é acionada quando precisamos dar respostas mais elaboradas a situações diárias que não podem ser respondidas automaticamente.

Tomando como base o modelo conceitual das funções executivas proposto por Diamond (2013), é possível dividir as funções executivas em básicas e complexas:

  • Funções Executivas básicas:
    • Memória de trabalho: memória de curto prazo, a qual utilizamos para significar a linguagem e informações rápidas, de uso momentâneo.
    • Controle inibitório: aquisição do autocontrole, foco, atenção.
    • Flexibilidade cognitiva: capacidade de modificar um planejamento, um pensamento diante de novos estímulos ambientais. Está relacionada à criatividade.
  • Funções Executivas complexas:
    • Planejamento: capacidade de organização das ações e dos pensamentos do momento e do futuro, organização da própria vida.
    • Resolução de problemas: envolve as funções anteriores e se lança ao pensar organizado, impulsionando novas conexões neurais e evocação da memória.
    • Raciocínio.

Quanto mais estimulação e desenvolvimento das funções executivas, melhor será o desenvolvimento das crianças e adolescentes nos mais diversos contextos. Logo, o trabalho familiar e educacional apropriado dessas funções, com estimulação adequada e constante, pode ter impacto direto no desenvolvimento de nossos futuros adultos. Currículos escolares que considerem esse desenvolvimento acompanhados de adultos plenamente conscientes da temática são providências urgentes a serem tomadas.

A adolescência

O período da adolescência é considerado crítico para o desenvolvimento das funções executivas, por ser um momento de transição entre a infância e a idade adulta. Questões relacionadas com as características genéticas, cognitivas e sociais exercem grande influência nessa fase da vida humana, além das hormonais e o próprio amadurecimento cerebral. Entender como a exposição a traumas, estresse crônico, uso de drogas e vulnerabilidade social podem causar danos profundos no cérebro do adolescente e influenciar negativamente seu desenvolvimento cognitivo e emocional, é fundamental para a garantia mínima de boas condições de desenvolvimento mental.

A adolescência é identificada como um período em que o comportamento humano se torna essencialmente social, onde o pertencimento ao grupo passa a ser fator de sobrevivência. É também identificado pelo desejo intenso por novidades e uma busca por atenção, seguida de tendência a correr riscos e certa instabilidade emocional impulsiva. Todo esse turbilhão emocional ocorre enquanto o cérebro amadurece. Receita perfeita para possíveis conflitos entre momentos inexplicáveis de tédio seguidos de grandes euforias.

A idade adulta tem início, em média, aos 25 anos de idade e é marcada por um córtex pré-frontal amadurecido e mais hábil para processar os pensamentos, as tomadas de decisões e o comportamento adulto, porém para chegar a esse ponto, é fundamental uma atenção cuidadosa ao período que o antecede. É preciso deixar evidente que os adolescentes não podem ser vistos como miniadultos, tratados por alguns como “preguiçosos” ou “desinteressados”, na verdade, eles estão vivendo um momento profundo de transição, que resultará no adulto do futuro.

Atenção e sabedoria

Durante a adolescência, por questões hormonais e cerebrais, o adolescente precisa dormir mais tempo e tende a ir dormir mais tarde que os adultos. Esse comportamento, com certa frequência, provoca discussões no âmbito familiar e escolar, desencadeando ações por vezes inadequadas, como se o menino ou a menina estivessem apenas sendo “folgados”, algo que na maior parte do tempo não procede, pois, a melatonina, um hormônio produzido pela glândula pineal localizada no cérebro, passa a ter seu pico de estimulação bem mais tarde no cérebro adolescente, atrasando com isso a sensação de sono. Já ao amanhecer, o cortisol, um hormônio responsável, entre outras funções, por nos manter em alerta, apresenta secreção tardia, fato que contribui para o excesso de sono nos adolescentes no período da manhã. Escolas e famílias que, respeitando esta dinâmica, adotem rotinas diárias diferenciadas para esses meninos e meninas, podem auxiliar de forma robusta o processo adequado de amadurecimento cerebral.

Sobre a questão escolar e o respeito ao tempo do aluno adolescente, no ano de 2016 escrevi em parceria com o Professor Dr. Antônio Chizzotti, um artigo publicado na Revista Educação em Questão, abordando a dificuldade de adequação dos tempos escolares ao processo de amadurecimento cognitivo do aluno. Na ocasião, percebemos, entre outras questões, que a otimização do tempo escolar está, na verdade, na confluência de afrontamentos entre interesses sociais divergentes, que envolvem as demandas dos professores, as necessidades dos alunos, a realidade social e as aspirações das famílias; além de atores econômicos, empresariais, comerciais e turísticos, em muitas ocasiões, conflitantes com o ritmo da vida escolar.

Analisar as possibilidades de qualificar o tempo vivido no ambiente escolar seja dos alunos, seja dos professores e gestores, é uma urgência indeclinável.

Outra questão por vezes “incompreendida” durante a adolescência é o aparecimento do comportamento negativo, seguido da sensação de tédio, que por sua vez, impulsiona uma busca constante por novidades com tendência ao risco. Nessa fase da vida, há uma produção exacerbada do neurotransmissor dopamina, responsável por levar informações do cérebro para as várias partes do corpo, combinado com um aumento na produção do hormônio ocitocina, que aumenta a sensação de bem-estar. Esta condição pode ser um fator de estimulação daquele comportamento “típico” da adolescência.

Uma escuta adulta acolhedora e o conhecimento dos fatores hormonais, físicos e sociais envolvidos no período da adolescência, pode fazer toda a diferença no processo de amadurecimento cerebral dos meninos e meninas nessa fase de desenvolvimento. O suporte e a orientação adequada dos adultos podem conduzir de forma inteligente todo o processo e evitar possíveis exposições a traumas, estresse crônico, ou uso de drogas, que poderão marcar de forma negativa o comportamento de futuros adultos.

Por fim, um dos mais cruéis fatores de prejuízo para as funções executivas, a vulnerabilidade social, tão presente em países em desenvolvimento, abre espaço para que crianças e adolescentes expostos a ambientes pobres em estímulos cognitivos e inseridos em condições de abandono intelectual e nutricional, apresentem desenvolvimento mental abaixo da média esperada para sua faixa etária. A desigualdade social mata, embrutece o humano e não permite que ele enxergue além de seu limite, que infelizmente cada vez se mostra mais estreito.

Um estudo realizado com base em dados da população brasileira e publicado pela Universidade de Luxemburgo em 2015 intitulado “A pobreza e a Mente[2]”, indica uma relação estreita e prejudicial entre a condição de pobreza infantil e os resultados educacionais dos jovens estudantes das escolas públicas brasileiras. Na pesquisa os autores afirmam que o nível socioeconômico foi fortemente associado às habilidades cognitivas das crianças e adolescentes, sendo responsável por mais de 30% da variabilidade nas funções executivas e mais de 50% da variabilidade na linguagem. Essas relações permaneceram estatisticamente significantes mesmo após terem sido controlados o status nutricional e emocional, bem como a saúde geral das crianças.

O enfrentamento das questões que envolvem a vulnerabilidade social de nossas crianças e adolescentes é urgente, pois há um impacto negativo direto sobre as Funções Executivas cerebrais. Romper esse ciclo vicioso de desigualdade é crucial para uma sociedade saudável e uma economia em níveis de crescimento sonhados por todos.

REFERÊNCIAS

CHIZZOTTI, A. e BOCCHI, R.M.B. O tempo da escola: organização, ampliação e qualificação do tempo do ensino escolar. Revista Educação em Questão. Natal: v. 54, n. 42, p. 65–89, set./dez. 2016.

COSTA J.S.M. Funções executivas e desenvolvimento infantil: habilidades necessárias para a autonomia: estudo III. Organização Comitê Científico do Núcleo de Ciência pela infância — 1. ed. — São Paulo: Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal — FMCSV, 2016. — (Série Estudos do Comitê Científico — NCPI; 3) — Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/Treinamento_Multiplicadores_Coordenadores/Wp_FuncoesExecutivas.pdf

DIAMOND, A. Executive functions. Annual Review of Psychology, [S.l.], v. 64, p. 135–168, jan. 2013.

STELZER, F., CERVIGNI, M. A., & MARTINO, P. (2010). Bases neurales del desarrollo de las funciones ejecutivas durante la infancia y adolescencia. Una revisión. Revista Chilena de Neuropsicología, 5(54), 176–184.

TIEPPO, C. Uma viagem pelo cérebro. A via rápida para entender neurociência. São Paulo: Conectomus, 2019.


[1] Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-do-adolescente — Acesso em 07/07/2024.

[2] Disponível em: http://cpnsp.com.br/sms/files/A_pobreza_e_a_mente_perspectiva_da_ciencia_cognitiva_DEVPOLUX_2015.pdf — Acesso em 29/07/2024.

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