TUDO TEM SEU OPOSTO.
Ultrapassadas as fronteiras da realidade, que só assim, como se apresenta, é, por ter ocorrido desta e não de outra maneira, e as muitas outras possibilidades de ocorrências que se configurariam em outra realidade não se materializaram. E temos ainda as impossibilidades, que são muitas vezes convocadas para conformarem o universo das paralelas, e às vezes até se verificam, por mais absurdas e imprevistas que sejam, tornando-se possibilidades, ou seja, convertendo-se na própria realidade. Como os universos alternativos podem ser múltiplos, suas evidências também o são – e em evidência. E o sonho? Em que lado estará? Qual é o oposto do sonho?
JOGAR COM OS OPOSTOS.
A lembrança do que não aconteceu pode ser de tal forma forte e impositora que forma então uma possibilidade única e absoluta. Do mesmo modo que a lembrança, uma antiga presença, de algo que já teve sua existência, e que mantem-se, mesmo esmorecida, ou já esvanecida sua presença, ou se já for mesmo inexistente (*) em razão de sua lembrança, pois guarda sua presença ausente, e o nome do que foi. Assim quando uma flor murcha e morre, e vira pó a seguir, em todos os estágios continua sendo flor, e guarda seu nome, ainda que já não seja mais flor, flor se lhe chamam. Desde a concretude à imaterialidade, as coisas guardam o rótulo daquilo que são ou foram, sua essência designativa, ainda que já desmaterializada (**), e seu desígnio determinante seja já inatingível. Temos então que o oposto de existir não é inexistir, uma vez que por oposição à matéria temos sempre o espírito, quando menos, e este ainda é parte da realidade que se foi. E, logo, ainda que só parcialmente, entramos então num outro contexto, intangível, mas ainda fazendo parte da realidade, essa a que podemos já chamar paralela, ou ainda não?
(*) Falar da inexistência/existente cria embaraços, mas da presença/ausente é sempre pertinente, e sói ser muitas vezes evocada, e há tantas destas presenças.
(**) O que há de mais próximo dessa essência, estou em crer, será a arte japonesa, que combina com absoluta destreza arte e filosofia, como num codicilo, fugindo àquelas seis implicações que analisamos no texto anterior (À Busca da Realidade Paralela I).
Entropia negativa.
Sendo outra coisa a realidade que se gerou com a ausência, é ainda a mesma, porque vive e se alimenta daquilo que já não é. Se já não é mais, então é o quê? Certamente a falta ou a ausência do que foi, que guarda uma entropia negativa, que sustenta o sistema, em sua existência já inexistente, posto que a falta terá igual força que a da presença, mantendo o sistema em equilíbrio. Com a realidade, único sistema que efetivamente conhecemos presencialmente, já será uma realidade diversa, é verdade, não será mais a mesma, mas é ainda realidade, que em sendo outra, guarda a mesma origem e tem as mesmas qualidades e virtudes que lhe reconhecemos. Já não existe, existindo porém em sua ausência, restabelecendo a ordem, na manutenção de seu perfume, aroma existencial que permanece, criando algo que conhecemos e desconhecemos, ou talvez mesmo não o reconheçamos, tudo a um só tempo, porque é, continua sendo, mas já não existe, e perdura, e está, e é, mas em outra realidade. Paralela como não poderá deixar de ser, ou ainda não é bem assim?
A quarta dimensão.
Como sabemos todos, a matéria tem três dimensões, comprimento, largura e espessura. A outra dimensão que se apresenta é o tempo, essa grandeza física que resulta duma comparação, a de movimentos entre corpos que os apresente, o que conjura a relatividade. E o tempo, agregado nesse caso ao espaço, circunstância muito particular da existência de tudo que há, entretanto deforma, com a presença dos ‘seus’ corpos, o próprio espaço-tempo onde se insere. E em razão da movimentação, soí ocorrer tanto a dilatação do tempo quanto o encurtamento do espaço, noções quânticas que revelam a inconstância de tudo, e que evidenciam que o que percebemos como realidade é uma pequena, muito pequena parte de todos os elementos envolvidos, não permitindo concluir qual parte será a nossa. O que faz admitir imensas outras possíveis realidades, que, não sendo nossas, como que é normalmente admitido, as denominamos como paralelas. Sem a quarta dimensão, num mundo sem tempo, vale dizer, tudo é apenas e unicamente real, portanto não haveria outra realidade para chamarmos de paralela. Tudo que há a mais existe em razão do tempo. E, nesse caso, temos que as pretendidas dimensões serão onze.
Concomitância.
Como sabemos ao mesmo tempo que você me lê, bilhões de outras pessoas no planeta não; e ocupam seu ‘tempo’ em outras atividades, que são realidades distintas da sua que me lê, e que como ocorrem concomitantemente, teremos de se lhes atribuir nesse caso algum paralelismo. A simultaneidade é um paralelismo espacial num mesmo tempo, se é que o é (?), sendo advertido por um observador que o verifique. São realidades distintas, e absolutamente paralelas, às quais não damos fé pela separação espacial, e serão outra realidade, paralela portanto. A que aqui buscamos, exige uma concomitância espacial (e temporal), creio que será melhor classificá-la de concomitância energética, de algo que aconteça convosco que me lê ao mesmo tempo que me lê, o que poderia ser uma coceira na orelha, o que não é o caso, posto que para se enquadrar na realidade que buscamos, teria de se passar dentro da sua cabeça, como a leitura, e ao mesmo tempo que ela, e em princípio com ela relacionada sincronicamente, o que ocorre muitas vezes também, quando, por exemplo, um assunto nos faz lembrar outro, mas nesse caso teria de ocorrer para além de nossa imaginação, vontade, ou memória. Então onde está essa realidade paralela? Não há? Há a narrativa paralela, concomitante ou não, bem o sabemos, e que em geral é uma mentira ou efabulação. Sendo, nesse caso da narrativa, tudo mentira, só será realidade se houver essa característica de ultrapassar nossa vontade. O que entendemos aqui que ocorra concomitante, é uma presença inesperada para além da que se estiver vivenciando. Como não falo de fantasmas, será uma presença mental que ocorra ao mesmo tempo que sua leitura, e em paralelo com esta. Ainda que se aparecesse um fantasma, e esse fosse visto, seria uma realidade um pouco estranha e invulgar, mas não paralela, pois faria parte da realidade vivida, num plano metafísico é verdade, no entanto sempre realidade. Do que percebemos como interferência, o que há de mais parecido com a realidade paralela é a saudade, quando presente e invocada como lembrança e presença para além de nossa vontade. O que nos confirma que a realidade paralela mais se evidencia pela sua falta que pela sua presença. Nunca esquecendo que uma falta costuma ser muito presente (Fique sem comer alguns dias e entenderá bem o que eu digo).
Alucinações e mais alucinações.
Alucinação, para além da Medicina, significa ver o que não é, ou não existe. Não voltemos aos fantasmas, que até poderão existir, mas sim à saudade, que muito presente ali está, mas não é presença, é ausência, é falta, a tal existência-inexistente. Se transpusermos, por algum mecanismo ignoto, a correlação com a realidade, ingressamos em algum universo mágico, ou inexistente – mentalmente estou em crer – então teremos uma experiência xamânica, mediúnica, de transfiguração ou ‘transpasse’, passando a uma outra percepção, ou mesmo outra realidade, paralela enfim. Essa travessia pode se dar dentro dos parâmetros da consciência, e será apenas um ‘transpasse’, uma incorporação, ou, se ultrapassa isso, será uma alucinação. Se incorporação for, como prevenimos, nesse caso teremos então apenas concomitância energética, uma vez que a pessoa está ali onde se encontrava, e saída do transe ali permanece, podendo ter estado noutro lugar, ou noutro tempo, dentro de uma vivência absolutamente paralela. E será isto realidade? Será difícil saber. Mas paralelo terá sido de certeza.
Uma vez que vivemos sempre com projeções simétricas, como se vistas em espelhos, ou filmes, ou imagens, opostas ou não, e podem sempre ocorrer superposição destas, mas enquadradas e perceptíveis. Já as projeções quirais nos apresentam distorções confusas, gerando o que chamo de assimetria assimptótica, posto que nunca se conjugam, nunca se conciliam, nunca coincidem, e quanto mais fugirem, serão ainda mais próximas.
Àquilo a que também chamamos engano, é uma vivência assimétrica, posto que apesar de perdidas suas correlações, as vivenciamos como possíveis, como acontece em certos sonhos, onde as distorções possam ser menosprezadas. Esse o efeito da realidade paralela, uma vivência autônoma, entretanto conjunta, dentro de nosso espaço de entendimento. Para configurar/vivenciar essa realidade não será necessário escolhê-la, entretanto.
Imagem de fundo: Domínio público, por Pixabay.