Vivemos um rio de conhecimentos e práticas de promoção digital da saúde. Não há dúvida que as nossas mentes já consideram a alternativa do digital em muitos campos da saúde, quer estejamos de acordo ou não com este progresso ultrarrápido que sentimos nos últimos dois anos (2020-2022). Apesar da perda do corpo físico, a proximidade e as aprendizagens da saúde através do digital estão cada vez mais apuradas.
Para avaliar os seus potenciais benefícios e desafios, devemos ter em conta (Figura 1):
A prontidão digital no mundo pressupõe aprendizagens dos vários públicos para retirar o melhor desses instrumentos de literacia em saúde. Quando pensamos na saúde da população é inevitável o campo potenciador da saúde digital.
Mas será que todos a sabem utilizar?
As populações com maiores dificuldades digitais, como os muito mais velhos (acima dos 85 anos por exemplo) têm um acesso naturalmente dificultado, o que pode levar a desigualdades em saúde. Também as populações que não falam a língua do sistema de saúde onde se encontram. Apesar de poderem ter um bom nível de literacia em saúde nos seus países, onde dominam a língua e a compreensão associada às instruções em saúde, num país onde é difícil compreender cada palavra, mais difícil será compreender o conjunto e depois fazer as necessárias inferências.
A literacia em saude digital é um veículo que permite moldar e incentivar a implementação da promoção da saude em diversos públicos, para além dos mais jovens.
Que benefícios incluem estas novas abordagens digitais, que por si, devem atender às necessidades dos seus destinatários? (quadro 1)
1. Uma expansão do acesso à informação de saúde e serviços de promoção da saúde por parte das pessoas 2. Uma redução dos custos, nem que seja da deslocação que não se torna necessária ou dos tempos de espera (porque previamente agendado) 3. A personalização de conselhos de saúde porque pode abrir campo para uma contínua informação ao cidadão nas suas várias patologias, na prevenção da doença e na promoção da saúde, campos essenciais da literacia em saúde 4. A possibilidade de fazer pontes com outros serviços também digitais e que de forma cruzada, beneficiam a pessoa e a abordam num todo, incluindo as prescrições sociais (disseminadas pelo médico Cristiano Figueiredo em Portugal na USF da Baixa, Lisboa) 5. A possibilidade de se listarem e permanecerem disponíveis opções saudáveis e credíveis de saúde (guias, listas, questionamento para consultas, etc) 6. A partilha de informação em rede digital por vários parceiros e stakeholders 7. A adaptação de linguagem a cada segmento de população no ciclo de vida 8. A integração de vários cuidados no sistema digital que façam a abordagem holística da pessoa nas suas várias dimensões de saude, social, cultural, espiritual (as várias religiões e hábitos) 9. Uma visão atualizada e sempre possível de melhorar conteúdos por que facilmente mudados para versões mais recentes 10. Uma plataforma internacional que pode atingir milhões de pessoas que falam a mesma língua, como é o caso da língua portuguesa no mundo |
Enquanto que as vantagens são muito evidentes, existem algumas preocupações e desafios que por vezes são difíceis de assegurar de forma transparente e são elas (quadro 2):
1. Garantir o controlo da privacidade das pessoas 2. Saber qual a utilização adequada de dados transmissíveis. Perceber até onde o utilizador quer ir na sua capacidade de aprendizagem (muito é demais, menos e arriscado para a sua saúde) 3. Cumprir o direito de livre escolha do cidadão pela sua saúde 4. Garantir uma acessibilidade a todos, combatendo as desigualdades de acesso 5. Controlar os grupos de pressão negativos que disseminam de forma viral outras informações contraditórias, mas que têm peso sobre o cidadão com baixa literacia em saúde. 6. Garantir que as pessoas efetivamente usam as recomendações para melhorar a sua saúde e implementar mais estilos de vida saudável 7. Garantir uma monitorização do processo ao longo do tempo e não apenas num só momento. A saúde é dinâmica, as ações também e é preciso analisar e medir resultados de forma constante e progressiva. |
Os fatores favoráveis a uma implementação bem-sucedida na promoção da saúde digital, sugerem medidas que devem ser tomadas a nível individual, das organizações e do sistema.
Assim, é preciso ter uma visão crítica, analítica e sistemática sobre os diversos patamares onde a promoção da saude a nível digital pode entrar e estabelecer-se. Que questionamento a fazer? (quadro 3):
A nível individual | A nível das organizações | A nível do sistema |
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Atendem-se aos fatores necessários ao acesso, compreensão e uso dos recursos? | Prepararam-se ou visamos preparar os profissionais para ser também para eles “user-friendly” o uso do digital na saúde? | A necessária infraestrutura é facilitadora para proporcionar um amplo acesso? |
Que perfis devem ser segmentados e começar por onde?Que prioridades na prestação de serviço de saúde e social? | Permitiu-se uma sustentabilidade das mudanças comportamentais através de uma monitorização efetiva dando a voz aos trabalhadores? | Contribuiu-se com estratégias de médio e longo prazo para uma saúde no digital? Há recursos suficientes para fazer face á mudança humana, material e financeira? |
Fez-se participar o cidadão da solução de saúde digital? O que é que ele tem a dizer? | Contribuiu-se para estabelecer uma maior confiança entre os utilizadores internos e externos e avaliaram-se as dificuldades na relação á distância mediada por computador, telemóvel ou outro equipamento digital? | Consegue-se unir a academia com as organizações e as associações científicas e de doentes para melhores reflexões e troca de conhecimento (Transferência de conhecimento)? |
Recolheram-se os feedbacks numa correta retroalimentação depois da implementação? Corrigiram-se as falhas? | Promoveu-se ou está pensada uma formação plena a alargada das equipas sobre os caminhos do digital e da saúde, sobretudo as questões relacionais através da plataforma digital, seja computador, telefone, vídeo, etc.? | Criou-se legislação onde possam ser ancorados os programas de saúde digital? Há aceleradores de processo sinérgicos dentro do sistema que sirva de ativação a rede? |
Conclusão
A OMS (2022) é clara quanto ao caminho, sublinhando que a adoção mais ampla de ferramentas digitais para a saúde tem um potencial real para ajudar os governos e as pessoas na Europa, sendo que a saúde digital ajuda também a expandir o conceito de saúde eletrónica (eHealth) para abranger áreas como:
- Telemedicina – garantindo que as pessoas acedam aos serviços de saúde independentemente de onde morem;
- Dados de saúde e sistemas de informação de saúde – garantindo que as autoridades tenham as informações de que precisam para desenvolver políticas de saúde;
- Inteligência artificial e big data – apoiando profissionais, legisladores no planeamento ou implementação de intervenções; e
- combater a infodemia online – ajudando as pessoas a confiar em informações de saúde de alta qualidade.
O caminho do digital exige mais debate, maior reflexão com os vários stakeholders e não haver medo de falhar. A tentativa de melhoria comporta riscos calculados que devem ser amplamente debatidos para não se cair no risco da automatização ultrapassar a humanização. Dar voz aos intervenientes é urgente para traçar melhores caminhos. É um princípio básico da literacia em saúde.
Referências
Forrester (2022). Predictions 2022. Forrester.
Mckinsey (2022). Emerging consumer trends in a post COVID 19 world
WHO. (2022). Countries in the European Region adopt first-ever digital health action plan. https://www.who.int/europe/news/item/13-09-2022-countries-in-the-european-region-adopt-first-ever-digital-health-action-plan
(Imagem de capa editada por A Pátria, a partir de Gerd Altmann e de hillside7 por Pixabay)