Resumo: A proliferação dos discursos xenófobos e racistas, disseminados por partidos neo-totalitários, um pouco por toda a Europa, obrigam à veemência de uma resposta por parte dos Estados de Direito Democrático. A defesa intransigente da Igualdade, como construção histórica, deverá estar no centro da ação humana, por isso, além do combate à discriminação, requere-se a prevenção e a formação das próximas gerações, tendo por horizonte a erradicação de todas a formas de discriminação. Este artigo agrega breves resenhas dos artigos “A Iconoclastia Contemporânea: O Antirracismo Entre a Descolonização da Arte e a (Re)Sacralização do Espaço Público” (2022) e “Compliance na Gestão Escolar: a Educação como Instrumento de Desenvolvimento e Emancipação Social” (2022), publicados na revista Comunicação e Sociedade e nos Anais do 2º Congresso Luso-brasileiro de Gestão e Conformidade, respetivamente.
Do ponto de vista teórico-metodológico procedeu-se a uma breve revisão da literatura sobre as matérias em estudo – a Educação Inclusiva e a Prevenção da Discriminação nas Escolas – no espaço ibero-americano. Relacionou-se as matérias em estudo realizando uma revisão comentada aos principais instrumentos legislativos do espaço ibero-americano nestes domínios. Tendo em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, a promoção de uma Educação de qualidade para todos (OBS 4) e garantia da Igualdade de género (OBS 5), este artigo tem por objetivo contribuir para a reflexão sobre a importância da Educação na erradicação de todas as formas de discriminação e na dotação de competências para a emancipação social. Destacou-se para o efeito a importância da implementação do plano de ação para a Década Internacional de Afrodescendentes.
- Introdução:
A proliferação dos discursos xenófobos e racistas, disseminados por partidos neo-totalitários, um pouco por toda a Europa, obrigam à veemência de uma resposta por parte dos Estados de Direito Democrático. Perante modelos educativos neoliberais, que entronizam a falácia meritocrática, urge a defesa intransigente da Igualdade Universal. Como construção histórica, a Igualdade deverá estar no centro de toda a ação humana, por isso, além do combate à discriminação, requere-se a prevenção e a formação das próximas gerações, tendo por horizonte a erradicação de todas a formas de discriminação, racial, étnica, nacionalidade, classe social religião ou credo, ideologia, género, identidade ou orientação sexual, idioma, literacia, faixa etária, entre outras.
Parafraseando Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem ou ainda pela sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”
Karl Popper enfatiza no seu livro The Open Society and Its Enemies (1945), o “paradoxo da tolerância”, a par do seu “paradoxo da liberdade” e do “paradoxo da democracia”. Para Popper, a “tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância” e por isso, em nome da tolerância, devemos, então, “reservar o direito de não tolerar o intolerante” (Popper, 1945). O autor conclui que devemos enfrentar a intolerância com argumentos válidos.
Para Rawls, na sua obra A Theory of Justice (1971), ao invés, o autor propõe que uma sociedade que seja intolerante perante a intolerância estará a incorrer no mesmo erro. Este debate ético (e político) persiste até aos nossos dias. Infelizmente, hoje torna a fazer sentido a reativação desta discussão. Perante a disseminação das narrativas de ódio, a escolha, resiliente, deverá ser sempre a Educação.
Este artigo agrega duas breves resenhas dos artigos “A Iconoclastia Contemporânea: O Antirracismo Entre a Descolonização da Arte e a (Re)Sacralização do Espaço Público” (Goes, 2022a) e “Compliance na Gestão Escolar: a Educação como Instrumento de Desenvolvimento e Emancipação Social”. (Goes, 2022b), publicados na revista Comunicação e Sociedade e nos Anais do 2º Congresso Luso-brasileiro de Gestão e Conformidade, respetivamente.
Tendo em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas (2022), a promoção de uma Educação de qualidade para todos (OBS 4) e garantia da Igualdade de género (OBS 5), este artigo tem por objetivo contribuir para a reflexão sobre a importância da Educação na erradicação de todas as formas de discriminação e na dotação de competências para a emancipação social.
Destaca-se a importância da implementação do plano de ação para a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), Resolução 68/237 adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (2014), que incentiva o reforço dos quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais, em consonância com a Declaração e Programa de Ação de Durban e com a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tendo em vista assegurar a plena e efetiva implementação desse plano.
Por isso, torna-se essencial mensurar os impactos e a aplicabilidade dos instrumentos legais existentes, no quadro educativo e social, tendo em vista a adequação do sistema educativo às diversas especificidades individuais da aprendizagem, dando as respostas emergenciais necessárias e mais adequadas às crianças e jovens vítimas de discriminação, com necessidades educativas especiais e pertencentes a grupos de risco ou socialmente mais desprotegidas.
Optou-se por relacionar e aprofundar as matérias da educação inclusiva e da prevenção e combate à discriminação social, étnico-racial e de género no seio do contexto escolar, realizando uma revisão comentada à legislação existente no espaço ibero-americano, nomeadamente sobre a Educação Inclusiva, a Violência de Género, a Proteção de Menores contra a Violência, a Orientação Educacional e a Educação para a Cidadania.
2. Instrumentos legislativos no espaço ibero-americano:
O Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, na sua redação atual “visa responder à diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um (…), através do aumento da participação nos processos de aprendizagem e na vida da comunidade educativa”. Este Decreto-Lei identifica as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão, os recursos humanos e organizacionais específicos, bem como os recursos existentes na comunidade passíveis de serem mobilizados para responder às necessidades educativas de crianças e alunos ao longo do seu percurso escolar (DGEEC, 2022).
As conclusões do “Questionário à Educação Inclusiva 2020/2021” (DGEEC, 2022) reforçam a importância da efetivação universal de medidas de apoio à aprendizagem inclusiva (no contexto de educação formal e não-formal); a necessidade do contínuo acompanhamento dos percursos escolares (desde a educação pré-escolar ao ensino secundário); o envolvimento da comunidade local no desenho e realização do projeto educativo da escola e o estabelecimento de parcerias entre as escolas e instituições da sociedade civil. Para tal torna-se necessário, inevitavelmente, a afetação de recursos financeiros e humanos e maior autonomia na gestão escolar.
Conclui-se que a implementação do Regime Jurídico da Educação Inclusiva (Decreto-Lei n.º 54/2018) depende da composição de equipas multidisciplinares de apoio à Educação Inclusiva (EMAEI), que constituem um importante recurso organizacional das escolas (DGEEC, 2022), nomeadamente, na mediação escolar. Prevê-se que estas equipas sejam compostas por técnicos psicopedagógicos, de apoio especializado (psicólogos, educadores sociais, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, entre outros) e coordenadores pedagógicos de cada ciclo de ensino (DGEEC, 2022).
O sucesso do trabalho realizado por estas equipas deverá ser mensurado pelos efetivos impactos desta ferramenta educativa na comunidade escolar. Além do cumprimento universal de metas de aprendizagens, dever-se-á ter em conta os diferentes níveis de aprendizagem individual, face a cada uma das especificidades requeridas para as aprendizagens dos/das discentes e às suas eventuais necessidades educativas especiais. A definição e acompanhamento da execução de programas educativos individuais deverá ter em vista a capacitação para a emancipação social de educandos/discentes e a sua inserção na comunidade.
No contexto ibero-americano podemos encontrar alguns exemplos de legislação que destacam a importância da Educação Inclusiva para a prevenção da violência, bullying, assédio e mitigação das desigualdades nas aprendizagens. O sucesso da prevenção e da formação ética poderá revelar-se na coesão social e na diminuição das taxas de retenção e desistência e de abandono escolar precoce.
No contexto educativo espanhol, a Lei Orgânica 1/2004, de 28 de dezembro, sobre as Medidas de Proteção integral contra a violência de género, incumbe às instituições educativas (do ensino pré-escolar, básico, secundário, profissional e superior) a formação e o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais (Artigo 4º, nº1), nomeadamente a efetivação da igualdade de género (Artigo 6º) e exercício da tolerância e dos princípios de convivência democrática. No disposto, consagra-se a necessidade da “eliminação dos obstáculos que dificultam a plena igualdade (de género)” e a “formação para a prevenção de conflitos e para a resolução pacífica dos mesmos” (Artigo 4º, nº1), desde o ensino pré-escolar ao ensino superior (nº2, 3, 4, 5, 6 e 7).
Também em Espanha, a recente Lei Orgânica 8/2021, de 4 de junho, de Proteção integral de crianças e adolescentes contra a violência, considerada pioneira a nível internacional e merecedora de amplo consenso político (Azagra Malo & Adell Troncho, 2021; Díez-Gutiérrez & Muñiz-Cortijo, 2022), incumbe os setores públicos das tarefas da prevenção da violência e assédio, decorrentes de delitos sexuais contra menores e da violência física, psicológica, verbal e institucional (Azagra Malo & Adell Troncho, 2021; Díez-Gutiérrez & Muñiz-Cortijo, 2022). Para tal, assistiu-se à criação da figura jurídica do coordenador de assistência e proteção – coordinador de bienestar y protección (Artigo 35º) – nos centros educacionais (Azagra Malo & Adell Troncho, 2021; Díez-Gutiérrez & Muñiz-Cortijo, 2022).
Na letra da Lei inscrevem-se as seguintes medidas: estabelecer planos e programas de prevenção para a erradicação da violência sobre a infância e adolescência (Artigo 23º); criar um coordenador de bienestar y protección em todos os centros educativos, que irá garantir a aprendizagem responsável e respeitosa dos meios digitais (Artigo 35º); promover a formação, docência e investigação – nos centros de educação superior – sobre os direitos das crianças e adolescentes (Artigo 36º) (Azagra Malo & Adell Troncho, 2021; Díez-Gutiérrez & Muñiz-Cortijo, 2022).
Díez-Gutiérrez & Muñiz-Cortijo (2022) considera necessário integrar as funções dos profissionais psicossociais em todo o universo escolar por intermédio dessa figura, fazendo corresponder a formação interdisciplinar necessária. Na letra destas leis, incentiva-se a contínua formação ética dos docentes dos vários níveis de ensino e a investigação científica sobre a prevenção e combate a todas as formas de discriminação.
No caso brasileiro, a partir da Lei de Diretrizes e Base de 1961 – Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, instituiu-se a figura do “Orientador Educacional” que cumpre a função de formação integral dos educandos, desempenhando também tarefa de mediador entre estudante/organização/comunidade.
Tendo em conta os altos índices de pobreza, exclusão e desigualdades sociais registados no Brasil, associados às fenomenologias da violência e discriminação, verifica-se que a ação do orientador contribui para a qualidade da educação, da aprendizagem e na melhoria do clima na organização (Rosito et al., 2021).
A investigação apresentada na palestra de abertura do 2º Congresso Luso-brasileiro de Gestão e Conformidade, intitulada “Compliance na Gestão Escolar: a Educação como Instrumento de Desenvolvimento e Emancipação Social” (Goes, 2022b) confirma que esta figura jurídica – comum aos sistemas educativos francês e norte-americano – embora historicamente relacionada com a orientação profissional (Silva, 2015, citado por Rosito et al., 2021), colhe impactos positivos na prevenção e resolução de conflitos e por conseguinte na melhoria do clima organizacional, potenciando a qualidade das aprendizagens e a receptividade à lecionação.
Em concordância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da “Agenda 2030” das Nações Unidas (2022), nos casos espanhol e brasileiro, como também no português, corrobora-se a importância do combate a todas as formas de discriminação no contexto escolar para o sucesso das aprendizagens.
A literatura publicada destaca a importância da adoção de planos de convivência social, desenhados por toda a comunidade escolar, de modo a que todos se sintam intervenientes e participantes na execução do projeto educativo. Tal feito poderá ser preponderante na prevenção, antecipação ou resolução de conflitos de uma maneira participada, de modo a encontrarem soluções conjuntas compromissórias e colaborativas (Montañés Serrano e Ramos Muslera, 2021).
A literatura publicada no espaço ibero-americano confirma que a otimização da governança, a gestão de recursos humanos, a qualidade da lecionação e o sucesso das aprendizagens dependem da qualidade do ambiente escolar, nomeadamente do bem-estar e do bom relacionamento entre docentes/discentes/família (Goes, 2022b). Concluiu-se o seguinte:
“A implementação de práticas de compliance, programas de conformidade no contexto escolar, subjacentes às práticas psicopedagógicas inclusivas e à gestão democrática participada, favorecem o desempenho dos docentes e discentes e potenciam as aprendizagens, perante a melhoria do clima organizacional e ambiente escolar.” (Goes, 2022b)
Subjacente à eliminação das barreiras e desigualdades raciais e de género na educação, está a correção das respostas (inadequadas) à violência. A garantia da igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação estará relacionada com a envolvência das comunidades locais no processo de decisão educativa e de desenvolvimento ético.
A investigação sobre a educação inclusiva, sobre a educação para a ética e para a cidadania deverá ser consequente, materializando na formação contínua dos profissionais psicopedagógicos e/ou psicossociais, docentes, discentes e agregados familiares. A avaliação preventiva dos riscos de exclusão, insucesso e abandono escolar e mensuração dos impactos da implementação de planos ou da efetiva execução dos instrumentos legislativos.
“A adoção de práticas pedagógicas inclusivas e de governança participada está subjacente à necessidade de maior autonomia na gestão escolar. Identificou-se que, as crianças de minorias etno-raciais, oriundas de grupos sociais desfavorecidos, são mais vulneráveis à descriminação, assédio, segregação e xenofobia. Estas fenomenologias podem estar subjacentes às desigualdades verificadas nos espaços letivos, impactando o ambiente escolar e o cumprimento da missão escolar: a promoção da emancipação social.” (Goes, 2022b)
3. A importância da Educação para a Cidadania
Também no caso Português destaca-se um outro instrumento legislativo: através so o Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013 de 10 de julho, estabelecem-se os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, enquadrando a Educação para a Cidadania como um processo educativo contínuo, desde a educação pré-escolar ao ensino secundário e cuja inserção no currículo letivo requer uma abordagem transversal, tanto nas áreas disciplinares como em projetos e atividades extracurriculares (DGE, 2013).
A Educação para a Cidadania é um instrumento de suma importância, tendo por objetivo contribuir para a formação integral dos jovens, enquanto pessoas “responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo” (DGE, 2013).
Nas linhas orientadoras desta proposta curricular destaca-se o papel central da escola, enquanto lugar preferencial para estas aprendizagens e para o exercício crítico da cidadania. Refere-se que os domínios de atuação devem refletir preocupações transversais à sociedade, envolvendo diversos domínios/assuntos da educação ética, nomeadamente, os direitos humanos, a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável, a educação para a igualdade de género, a educação para a interculturalidade, para a paz e para o desenvolvimento social e humano, a literacia em saúde e a sexualidade, entre outros (DGE, 2013).
Refira-se a recente pronúncia do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos referindo que apesar dos Estados não poderem fazer uso do ensino público para doutrinar ideologicamente, tal “não implica que os pais tenham o direito de impedir que os filhos sejam confrontados com ideias contrárias às suas convicções” (Câncio, 2022). São já vários os acórdãos em vários países europeus que sustentam que “o superior interesse das crianças e jovens não pode colidir com a mundividência da sua família” (Câncio, 2022).
4. Conclusões: Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024)
A Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), intituída pela Resolução 68/237 adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (2014) incentiva o reforço dos quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais, em consonância com a Declaração e Programa de Ação de Durban e com a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tendo por objetivo assegurar a efetiva implementação do referido plano.
Dois dos principais objetivos requeridos como metas a alcançar nesta década são a “promoção do respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes” e a “promoção do conhecimento e respeito pelo património diversificado, a cultura e a contribuição de afrodescendentes para o desenvolvimento das sociedades”.
Algumas reflexões propostas sobre a matéria supracitada foram recentemente abordadas no artigo intitulado “A Iconoclastia Contemporânea: O Antirracismo Entre a Descolonização da Arte e a (Re)Sacralização do Espaço Público” (Goes, 2022a), publicado na Comunicação e Sociedade, que abaixo se transcrevem algumas das conclusões:
“Esta resolução compreende a necessidade do desenvolvimento de ações de sensibilização por parte dos estados e da sociedade civil, tendo em vista a promoção da igualdade e efetivação dos direitos humanos, a memória das vítimas da escravatura e do colonialismo e a prevenção e combate ao racismo, à descriminação racial, à xenofobia e à intolerância associada (ONU 2014). A promoção da diversidade cultural, a valorização dos contributos dos afrodescentes para o desenvolvimento, a participação cívica e a inclusão social são alguns dos objetivos apontados (ONU, 2014).” (Goes, 2022a)
Por isso, considera-se que a realização de visitas orientadas interpretativas sobre o património artístico e edificado, oficinas de expressão plástica, fóruns e uma programação interdisciplinar e multicultural das instituições culturais poderão alicerçar as práticas de inclusão e coesão social, combatendo o racismo e a xenofobia (Alvarez, 2009; Bell, 2021; Maeso, 2016; ONU 2014). Note-se a falta de oportunidades de acesso ao ensino superior em Portugal por parte dos jovens estudantes afrodescendentes (Roldão et al. 2016).
“A arte como epistemologia da descolonização (Balona de Oliveira, 2019) pode permitir a adoção de um programa estético comunitário (Stavrides, 2021), anti-colonial (Hickel, 2021), que possibilite a ativação de uma consciência crítica do estado de desenvolvimento social e humano, cumprindo com o dever de denúncia, subjacente à função social da arte. O pensamento contemporâneo e a dialética exercida pela arte contemporânea, nomeadamente através de novos projetos curatoriais (Ribeiro, 2021), tem possibilitado a crítica aos mecanismos de apropriação imperialista (Hickel, 2021; 2020) no seio das instituições culturais. Foi o colonialismo que esteve na génese das grandes coleções de arte europeias, servindo-se deste instrumento propagandístico.” (Goes, 2022a)
Conclui-se que as imagens produzidas na contemporaneidade, enquanto instrumentos de “educação do olhar”, podem ser instrumentos pedagógicos essenciais nas tarefas de valorização dos discursos interculturais e de desconstrução das narrativas hegemónicas vigentes, justificativas da dominação e da exploração económica. De acordo com Hickel, (2021) e Vale de Almeida (2000), parafraseados em Goes (2022a), a desvalorização do preço do trabalho sustenta o modelo de crescimento capitalista, assegurado durante séculos de escravatura e exploração colonial, sob pretexto do alegado atraso cultural e na menoridade racial dos povos dominados (mitificado até aos nossos dias). Refere-se que:
“Assegurar a manutenção de uma “estrutura de classes baseada na raça” (Vale de Almeida, 2000), visa garantir a prossecução da exploração laboral e a maximização dos lucros. O fim da formação de valor assente na exploração laboral estará, inevitavelmente, subjacente ao processo de descolonização cultural (Hickel, 2021; 2020; Vale de Almeida, 2000).” (Goes, 2022a)
Post scriptum:
Em tempos de racismo, xenofobia, misoginia e de novas “Fogueiras em São Domingos”, ateadas pelos novos discursos totalitários, o Teatro fica do lado certo da história, cumprindo o seu dever de denúncia e o compromisso crítico com a qualidade das transformações que acontecem no orbe onde vivemos.
“Pranto de Maria Parda”1 (1521), com texto e encenação de Miguel Fragata, a partir do texto homónimo de Gil Vicente, com a excelência da interpretação da atriz Cirila Bossuet é um excelente exemplo da pedagogia requerida na contemporaneidade às instituições culturais e artistas. Esta foi mais uma excelente produção do Teatro Nacional D. Maria II, demonstrativa da responsabilidade social da programação cultural de inúmeros Teatros portugueses.
Precisamos, cada vez mais, de arte interventiva, para que com coragem, se promova a interpretação histórica e se condene a opressão e ódio, nomeadamente, contra todos aqueles excluídos que não têm um lugar condigno para habitar nas cidades.
Em concordância com a resolução adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que instituiu a Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), urge uma efetiva “conscientização sobre os perigos do racismo e do preconceito nos dias de hoje”, nomeadamente, sobre afrodescendentes, vítimas de séculos de racismo, preconceito e exploração pela hegemonia cultural ocidental vigente.
A excelência do desenho cenográfico da autoria de F. Ribeiro incentivou à reflexão dos espectadores sobre a (baixa) qualidade das transformações estéticas que acontecem nos territórios que habitamos, decorrentes da gentrificação das cidades, provocada pelo turismo de massas e pela especulação imobiliária. A responsabilidade pela mudança de mentalidades e do atual paradigma diz respeito a todos e não apenas à elite política.
Nota:
(1) The Project Gutenberg EBook of Pranto de Maria Parda, por Gil Vicente, produzindo por Pedro Saborano (2007, maio 4) [EBook #21287].
Referências:
Alvarez, A. (2009). Racism – “It isn’t fair”. In Tewari, N. & Alvarez, A. Asian American Psychology: Current Perspectives. New York: Psychology Press
Azagra Malo, J.; Adell Troncho, B. (2021). Una primera aproximación a la Ley Orgánica 8/2021, de 4 de junio, de protección integral a la infancia y la adolescencia frente a la violencia. Actualidad Jurídica Uría Menéndez, 57, p.168-176. ISSN: 1578-956X https://www.uria.com/documentos/publicaciones/7857/documento/dh01.pdf?id=12784&forceDownload=true
Bell, N. (2021). How to Be an Antiracist. The International Journal of Information, Diversity, & Inclusion (IJIDI). 5. 146-149. 10.33137/ijidi.v5i2.36308
Câncio, F. (2022, agosto 3). Como os pais contra a educação sexual estão a perder a guerra no Tribunal Europeu. Diário de Notícias. https://www.dn.pt/sociedade/como-os-pais-contra-a-educacao-sexual-estao-a-perder-a-guerra-no-tribunal-europeu-15066607.html
Decreto-Lei n.º 91/2013 de 10 de julho. (2013). Diário da República n.º 131/2013, Série I de 2013-07-10, pp. 4013 – 4015. https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/91-2013-497860
Decreto-Lei n.º 54/2018. (2018). Diário da República n.º 129/2018, Série I de 2018-07-06. pp. 2918 – 2928 https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/54-2018-115652961
Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência – DGEEC (2022). Educação Inclusiva 2020/2021: Apoio à Aprendizagem e à Inclusão, escolas da rede pública do Ministério da Educação. https://www.dgeec.mec.pt/np4/%7B$clientServletPath%7D/?newsId=1363&fileName=EI2021_BreveSinteseResultados.pdf
Direção-Geral de Educação – DGE (2013). Educação para a Cidadania – Linhas Orientadoras.
Díez-Gutiérrez, E.J. y Muñiz-Cortijo, L. M. (2022). La educación social en la escuela: una revisión actualizada. Revista de Investigación Educativa, 40(2), 403-419. http://dx.doi.org/10.6018/rie.454511
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Rosito, M., Azevedo, C., Nunes, C., Moreira, F., & Pio, P. (2021). Mediação escolar e clima organizacional. Revista @mbienteeducação, 14(3), 518-536. https://doi.org/10.26843/v14.n3.2021.1057.p518-536
Imagem de capa: Domínio público, de iwanna por Pixabay
(Última atualização/edição: 08/08/2022)