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Museus, (des)investimento público e desigualdades territoriais: um diagnóstico sobre o (mau) estado da política cultural na RAM

Museus, (des)investimento público e desigualdades territoriais: um diagnóstico sobre o (mau) estado da política cultural na RAM

Os setores culturais da Região Autónoma da Madeira (RAM) enfrentam desafios estruturais e estratégicos que podem comprometer a eficácia das políticas públicas e a valorização do património cultural, como demonstram recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, relativos aos anos de 2022 e 2023.

A análise dos dados sobre o panorama cultural da Região Autónoma da Madeira, com foco nos museus, nas atividades culturais e criativas e nos espetáculos ao vivo, revela fragilidades estruturais nas políticas culturais da região, refletindo uma gestão insuficiente e a falta de visão estratégica para os setores culturais. Em meio século de governação hegemónica, a Região Autónoma da Madeira (RAM) enfrenta as consequências da inexistência de uma estratégia política para a Cultura que efetive os direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa.

1. Museus: perfil dos profissionais e visitantes

No caso dos museus madeirenses, a falta de uma estratégia regional para as instituições museológicas, o subfinanciamento do setor, a falta de autonomia e a falta de adaptação da Lei-Quadro dos Museus Portugueses à legislação regional — uma vez que é inexistente um regime jurídico dos museus madeirenses — comprometem a capacidade dos museus oferecerem soluções criativas e inovadoras em termos de programação e de uma maior abertura às comunidades onde se inserem (Carvalho e Campanella et al., 2023; Goes & Sardinha, 2021).

Desde 2015, a governação regional anunciou a criação de cerca de uma dezena de novos museus. No entanto, sucessivas promessas e constantes adiamentos pautaram a política de um governo que privilegia a propaganda em detrimento do desenvolvimento humano. Quase uma década depois, museus como o dos Automóveis Clássicos, do Romantismo, de Arqueologia, de António Aragão, do Bordado Madeira, do Max e da Música Tradicional, do Pescador, da Vinha e do Vinho (no município de Câmara de Lobos), entre outros, continuam por inaugurar.

Em 2022, a Região Autónoma da Madeira apresentava vinte e cinco museus em atividade, dos quais, apenas dezoito cumpriam os critérios de elegibilidade estatística (DREM, 2024; Neves et al., 2024). Os museus em atividade empregavam um total de 233 trabalhadores, correspondendo a uma média ponderada de apenas nove profissionais por museu. Deste grupo, apenas dois são técnicos superiores ou conservadores responsáveis por assegurar a valorização das coleções (Neves et al., 2024). Ao analisar a formação académica dos quadros dirigentes destas instituições museológicas verifica-se que um reduzido número tem formação superior em museologia.

De acordo com Instituto Nacional de Estatística (2024), entre os vinte e seis museus em atividade no arquipélago da Madeira em 2023 — nos quais se incluem núcleos museológicos, monumentos visitáveis e centros interpretativos — apenas vinte cumpriam os cinco critérios mínimos de elegibilidade estatística, sendo que apenas sete estão credenciados pela Rede Portuguesa de Museus.

Embora a RAM apresentasse em 2023 mais dois museus estatisticamente elegíveis (20) do que a Região Autónoma dos Açores (18), os números demonstraram que a RAM registava piores resultados ao nível do número total de visitantes (INE, 2024). No ano transato, os museus madeirenses receberam 357 706 visitantes, menos 10 mil pessoas do que as registadas no total dos museus açorianos — 367 942 visitantes (INE, 2024). A maioria dos visitantes da RAM são estrangeiros (66,2%) e apenas 10,6% estão inseridos em grupos escolares (INE, 2024b).

A disparidade existente entre arquipélagos pode indicar uma maior priorização do investimento público nos setores culturais por parte dos Açores, o que é corroborado pelos indicadores de investimento dos municípios açorianos no património cultural e nas atividades culturais e criativas (INE, 2024a).

A inexistência de carreiras de curador ou programador cultural são algumas das lacunas graves, refletidas no facto de poucos museus disporem de técnicos especializados em curadoria nos quadros. Tal poderá acentuar as dificuldades destas instituições desenvolverem projetos expositivos inovadores adequados às especificidades de cada espaço.

Faltam técnicos especializados em conservação e restauro e investigadores nos quadros permanentes. Esta realidade constitui um obstáculo à concretização de uma democracia cultural plena, que efetive os direitos culturais consagrados constitucionalmente — nas tarefas fundamentais do estado, promover a salvaguarda, preservação, valorização e interpretação do património cultural (Carvalho e Campanella et al., 2023).

A falta de meios e recursos humanos pode constituir um limite à capacidade dos museus de cumprir a sua missão como centros de conhecimento, reduzindo-os a meros depósitos de artefactos. Estes indicadores revelam que o investimento em recursos humanos especializados é negligenciado, comprometendo a preservação e promoção do património cultural regional.

2. Espetáculos ao vivo: uma ligeira expansão, mas com menos público

Entre 2019 e 2022, o número de sessões de espetáculos ao vivo na Madeira teve um ligeiro aumento, passando de 1322 para 1370 sessões (DREM, 2024). Contudo, o crescimento da oferta de espetáculos ao vivo, embora residual (mais 48 sessões), não se traduziu numa maior adesão por parte do público (DREM, 2024).

Quando comparamos os dados relativos a 2019 com 2022, verificamos uma perda de 186 112 espetadores, relativamente ao período pré-pandemia (DREM, 2024). Este decréscimo significativo poderá denunciar potenciais falhas na programação, comunicação ou acessibilidade destas iniciativas. Estes números sugerem que, apesar do aumento da oferta, o envolvimento com públicos locais e visitantes poderá ter sido insuficiente para gerar maior interesse. Contudo, será necessário também considerar os constrangimentos provocados pela pandemia na fruição cultural e aprofundar as especificidades de cada recinto e espetáculo.

3. Desigualdades territoriais e o baixo investimento público dos municípios em atividades culturais e criativas.

No que se refere ao investimento público dos municípios de atividades culturais e criativas, entre 2021 e 2023 apesar do aumento da dotação orçamental, dez dos onze concelhos da Região Autónoma da Madeira apresentam um índice “baixo” ou “muito baixo” de financiamento per capita a atividades culturais (Neves et al., 2024). Note-se que seis dos municípios que menos investem em cultura são governados há quase meio século pelo mesmo partido político.

Em 2023, o total de investimento per capita dos municípios madeirenses em atividades culturais e criativas situava-se em apenas 44,3 euros, contrastando com o elevado investimento dos municípios açorianos [67,1 euros] e com a média nacional [64,7 euros] (INE, 2024a).

Ao nível da distribuição territorial, a Região Autónoma da Madeira apresenta uma clara desvantagem. Muitos concelhos registam a inexistência de qualquer museu. Esta lacuna é especialmente evidente nos concelhos situados no norte da ilha (Neves et al., 2024). Seis dos onze concelhos da região possuem apenas um espaço museológico e três concelhos não possuem nenhum, enquanto o Funchal concentra mais de uma dezena de espaços (INE, 2024; Neves et al., 2024).

A desigualdade entre o norte e o sul da ilha da Madeira manifesta-se não só no reduzido número de museus, como também na escassez de galerias de arte e de empresas ligadas às indústrias culturais e criativas nos concelhos do norte (Neves et al., 2024).

Este poderá ser um breve retrato das políticas culturais que nunca saíram do papel, de museus que vegetam à margem do interesse público e de indicadores que clamam pelo que não foi feito. A situação requer medidas urgentes.

Sugerem-se as seguintes propostas: a criação de carreiras de curador e investigador para os museus, contratação de mais técnicos especializados em conservação e restauro; o desenvolvimento de uma programação cultural inclusiva, ajustada às especificidades do público local e ao potencial turístico-cultural da região; implementação de uma comunicação estratégica para as organizações culturais; concertação entre o governo regional, municípios e stakeholders privados para definição de uma programação anual comum.

Referências:

Imagem de capa: Pixlr image generator (AI), domínio público (2024).

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