EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Empreendedorismo Digital – A aplicabilidade da inteligência artificial

Empreendedorismo Digital – A aplicabilidade da inteligência artificial

“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”

(Darwin, 2011)

Inobstante a máxima de Darwin ter o intuito de sintetizar a teoria evolutiva e seleção natural, fará todo o sentido estabelecer o paralelismo para os mercados e as organizações que os compõem. Empreendedorismo implica criatividade, inovação e risco (Sardinha, 2022). A realidade aumentada e virtual, blockchain, inteligência artificial (IA), as a service, meta verso, são alguns dos vários exemplos de como a tecnologia tem transformado os negócios e forma de comunicação, quer interna, quer externa, exponenciando o empreendedorismo digital. Sem nos apercebermos, esta tecnologia tem mudado o quotidiano das pessoas e o ecossistema empresarial e despoleta o surgimento de novas profissões até agora inimagináveis. Porém, para maximizar esta tecnologia é preciso um clima organizacional de mudança e assente numa estratégia de capacitação dos recursos humanos (Rodrigues & Andrade, 2021). Será enquadrado neste tema que se apresenta uma análise de como o empreendedorismo digital tem evoluído e a aplicação da inteligência artificial pode impulsionar um negócio, levando a uma adaptação das empresas.  

Segundo Cortes e Santos (2020) a era digital é a uma tendência mundial, vivenciada através da inovação tecnológica. Empreendedorismo digital não é apenas a realização de reuniões online, diminuição da utilização do papel ou comunicação nos meios digitais. Dados, informação e conhecimento são os pilares estruturantes e fatores de sucesso de uma atitude empreendedora digital (Soltanifar et al., 2021). Destarte, apresenta-se uma possível definição de empreendedorismo digital:

“O empreendedorismo digital abrange todos os novos empreendimentos e a transformação de negócios existentes que geram valor económico e/ou social por meio da criação e uso de novas tecnologias digitais. As empresas digitais são caracterizadas por uma alta intensidade de utilização de novas tecnologias digitais (particularmente soluções sociais, de big data, móveis e na nuvem) para melhorar as operações de negócios, inventar novos modelos de negócios, aprimorar a inteligência de negócios e interagir com clientes e partes interessadas. Eles criam os empregos e as oportunidades de crescimento do futuro.” (Comissão Europeia, 2015)

Neste sentido, empreendedorismo digital deve ser visto numa perspetiva holística e os processos digitais integrados a todos os níveis. Já na génese de uma empresa e/ou organização, o modelo de negócio deve ser pensado em articulação com uma arquitetura digital que contemple armazenamento de dados, informação e conhecimento. Para as organizações que já estão inseridas no mercado, Nadkarni and Prügl (2021) recomendam que, numa perspetiva tecnológica, para integrar e comercializar com sucesso tecnologias disruptivas, os investidores precisam criar organizações que sejam independentes, mas de uma forma ou de outra interconectadas com o mercado convencional. Na perspetiva dos atores integrantes da organização, deve-se ter especial atenção às chefias intermédias visto estas desempenharem um papel crucial na redefinição de uma estratégia de transformação organizacional. Salientam igualmente o estabelecimento de protocolos de cooperação com startups e aceleradoras digitais para acelerar o processo de transição digital.

Depreende-se que o empreendedor digital se apresenta diferenciado do empreendedor tradicional ao nível do perfil do empreendedor (e.g. capacidade de delegar e de formar equipas, competências criativas e de marketing, oferece soluções tecnológicas ágeis para revolucionar a indústria existente), processo empreendedor (e.g. identificação de oportunidades nas comunidades online) ou mesmo ao nível do desempenho e resultados (e.g. apresentam novas abordagens para avaliar o desempenho e resultados, enquanto tradicionalmente existia um foco nos cash-flows ou outros indicadores financeiros, os empreendedores digitais diminuíram a sua importância, fazendo uma avaliação estratégica com base numa avaliação da base de utilizadores ou público e no potencial disruptivo do negócio para aqueles que estão no local, conhecido como audiência – refere-se aqui, por exemplo ao Facebook) (Bensaid & Azdimousa, 2021).

Contextualizado o empreendedorismo digital e a sua definição importa apresentar uma noção de inteligência artificial e a sua evolução temporal.

Cada vez mais, é notório o impacto sentido pelo uso da Inteligência Artificial, quer a nível pessoal quer no local de trabalho e no desenvolvimento do conhecimento científico. A IA continua a ser desenvolvida e integrada diariamente no quotidiano das pessoas. Embora amplamente popular, salienta-se que a origem da IA e do seu conceito surge nas décadas de 1940 e 1950.

O ser humano desde cedo almejou dotar uma máquina ou robot com inteligência semelhante à sua, mesmo antes dessa tecnologia existir ou ser possível. Acreditar que era possível, foi o primeiro impulso para tornar realidade. O termo Inteligência Artificial apenas foi utilizado em 1956, sendo tema de um seminário de verão, por John McCarthy (Rodrigues & Andrade, 2021). Mas foi através do artigo de Turing (1950), denominado “Computing Machinery and Intelligence” no qual ele desenvolveu uma forma de avaliar se uma máquina consegue se passar por um humano numa conversa por escrito, que surge a ideia de uma máquina que pudesse imitar o cérebro humano. A investigação nesta área foi se desenvolvendo e intensificou-se nas décadas de 90, salientando os seguintes marcos históricos:


Figura 1 – Evolução da IA

Fonte: adaptado de Rodrigues and Andrade (2021)

Face a esta evolução e complexidade inerente à própria IA, parece-me correto apresentar a definição de IA apresentada por John McCarthy (2007, p. 2), considerado por muitos o pai da IA: “É a ciência e a engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente programas de computador inteligentes. Está relacionado com a tarefa semelhante de usar computadores para entender a inteligência humana, mas a IA não tem de se limitar a métodos biologicamente observáveis.”. Mais popularmente “…é definida como a capacidade de um computador ou máquina de imitar as capacidades da mente humana – ter a capacidade de aprender com exemplos e experiências, reconhecer objetos, compreender e responder à linguagem” (Rodrigues & Andrade, 2021, p. 389). Definido o conceito de IA consegue-se identificar dois tipos de IA:  a IA fraca – Artificial Narrow Intelligence (ANI) e a IA forte – Artificial General Intelligence (AGI). A primeira é utilizada para desempenhar atividades específicas, sendo exemplo aplicações como a SIRI da Apple, Alexa da Amazon ou mesmo a Cortana da Microsoft nas quais as máquinas agem como se fossem inteligentes. Outro exemplo será o corretor automático disponível nos vários terminais móveis, ou mesmo os tradutores disponíveis nos navegadores de internet. A segunda é uma forma teórica de IA em que uma máquina teria uma inteligência igual à humana, consciência autoconsciente que tem a capacidade de resolver problemas, aprender, planear o futuro, isto é, podem realizar qualquer tarefa intelectual, tal como o ser humano (International Business Machines, 2022).

Os gastos com a IA, segundo a Needham (2022), baseando-se na International Data Corporation (IDC), irão crescer para os 120 mil milhões de dólares em 2025 nos Estados Unidos. O mesmo refere que o setor que terá mais investimento será o do retalho, seguido do setor bancário. No retalho será feito um investimento em IA, tendencialmente ao nível do atendimento aos clientes e compras online. Já no setor bancário será tendencialmente com o atendimento ao cliente, operações e segurança.

A utilização da IA difundiu-se e, atualmente, é aplicada em diversas áreas de atuação empresariais. Segundo Negrini and Florentino (2019) já é utilizada em agendamento de serviços ao domicilio (incorporação da IA ao cronograma permite os gestores calcular o tempo de viagem e otimização de rotas com base nas condições atmosféricas e trânsito); manutenção preditiva (em sinergia com as IoT (Internet das Coisas) a IA pode auxiliar no agendamento de compromissos proativos com base no histórico de manutenção (algumas marcas de automóveis já fazem isso, quando chega a determinado dia é despoletado um alerta e o cliente é contactado para agendar a manutenção. Outra situação possível é que com a IA começa a existir um registo e análise permanente do histórico das utilizações das máquinas e equipamentos, podendo ser otimizado a sua utilização até zero o tempo de inatividade); suportes técnicos (a IA em combinação com Machine Learning (um subconjunto das aplicações da IA que aprendem sozinhas) podem indicar qual o profissional mais adequado para uma determinada atividade/tarefa analisando o histórico, habilidades, localização, prioridades, ferramentas, melhorando a satisfação do cliente); relacionamento com o cliente (a IA resolve problemas de uma forma mais célere e antecipa compras futuras). O melhor exemplo será o dos Chatbots (programa de computador que simula um ser humano e é usado, por exemplo, como assistente virtual que auxilia os clientes e/ou potenciais clientes no processo de compra); vendas e marketing (novamente a IA em combinação com Machine Learning pode ajudar a compreender as preferências dos clientes através da análise do histórico de compras, aprimorando a experiência do consumidor, automatizando o desenvolvimento de modelos analíticos. Algumas cadeias de supermercado já o utilizam e apresentam semanalmente o folheto personalizado do cliente); segurança da informação (a utilização da IA tem sido ativamente utilizada para a deteção e prevenção de ameaças e ataques à segurança dos sistemas, problemas de utilizador e automatização). Todas estas atividades convergem na geração de dados em grandes quantidades. Aliás desde sempre as organizações geraram muitos dados, sendo agora mais facilitado através da IoT a sua organização e análise.

A IA tem sido utilizada em diferentes áreas, destacando-se o marketing. Segundo Jr et al. (2022) as estratégias de marketing estabelecidas com recurso à IA deixam de ser pautadas por feeling, mas sim por dados, permitindo a personalização do conteúdo entregue ao cliente, evita anúncios em massa e abordagens em massa ou a destinação de um conteúdo para um público alvo errado. Já Miklosik e Evans (2020) referem algumas aplicações da IA no contexto do marketing tais como marcação social em conteúdos online que influenciam o desempenho da marca; aperfeiçoamento do neuromarketing, estratégias de preço ou mesmo assistentes virtuais como chatbots. Atente-se o exemplo da aplicação IKEA KREATIV, uma aplicação mobile que recorre à IA, machine learning e realidade aumentada para auxiliar os clientes a terem uma versão realista de uma divisão da sua casa com os móveis IKEA (Quito, 2022).

Existem diversos estudos que salientam os benefícios da utilização da IA na gestão e em contexto empresarial (e.g. Negrini & Florentino, 2019; Pedro et al., 2020; Rodrigues & Andrade, 2021; Violante & Andrade, 2022). Dos vários podemos salientar utilidades ao nível da automatização das tarefas simples e rotineiras, aumentos da produtividade dos colaboradores e da organização, otimização da produção, auxílio na tomada de decisão. Estas vantagens permitem que os colaboradores deixem as atividades rotineiras e repetitivas para a IA e que se concentrem em atividades criativas e estratégicas para a organização, contribuindo para gerar vantagem competitiva e agregar valor. Mas, como concluíram Rodrigues e Andrade (2021), apesar das várias vantagens não se pode deduzir que a IA será aplicada de forma semelhante em diferentes organizações.

Por outro lado, poderemos observar a IA na ótica dos desafios que ela representa para as próprias organizações. A primeira que se pode destacar é a resistência à mudança, bem como a necessidade de formar e instruir os colaboradores. Segundo Rodrigues and Andrade (2021) a configuração atual dos postos de trabalho numa organização poderá mudar e existe uma grande falta de regulamentação, influenciado pela negativa a implementação desta tecnologia nas empresas. Pode-se referir que, a título de exemplo, no ano de 2018, o Facebook encerrou um projeto que extrapolou os seus limites, visto que duas IA desenvolveram uma linguagem própria para conversar entre elas, visto que a língua inglesa tornou-se obsoleta (Pedro et al., 2020).

Torna-se relevante evidenciar que a IA não é algo ao alcance de apenas alguns e de grandes organizações. Existem soluções de IA, até algumas gratuitas, disponíveis para alavancar toda uma estratégia empresarial ou mesmo impulsionar o empreendedorismo digital, destaco, por exemplo:

Figura 2 – Simulação de interação com CHATGPT

Fonte: Informação fornecida por (ChatGPT, 2023), um modelo de linguagem treinado pela OpenAI (data do conhecimento: 2021)

Em suma, verifica-se que a IA é uma tecnologia disruptiva que está a transformar as demais realidades. Observa-se a integração da IA nas mais diversas indústrias e organizações. A IA não irá substituir o homem, mas ajudá-lo nas suas atividades, libertando-o para as atividades que merecem mais atenção, isto é, atividades específicas. É uma tecnologia que veio agregar valor ao trabalho de um colaborador e não o substituir.

Este tipo de tecnologia pode ser aplicado em quase todo o tipo de negócios, apresentando-se como uma vantagem para os empreendedores e empreendedores digitais, podemos por exemplo referir a área do marketing, gestão de recursos humanos, acompanhamento dos clientes, entre outras. Acredito que num futuro próximo será muito útil na contabilidade geral, analítica e gestão financeira.

A implementação da IA numa organização deverá ser alinhada com a estratégia de toda uma organização e difundida amplamente através da cultura e clima organizacional. No entanto, será necessário recorrer à gestão da mudança no seio organizacional e disponibilizar aos colaboradores novas aptidões. Nas novas organizações empreendedoras, nativas digitais, acredito eu, o processo será muito mais simplificado. Tal como a internet, os empreendedores e organizações que não se adaptarem correm o risco de ficar para trás.

Existe quem diga que o ChatGPT irá substituir o motor de busca da Google já nos próximos 2 anos, o futuro está cada vez mais próximo. Não é amanhã é hoje. Sinto que os novos empreendedores estão inseridos numa época desafiante pelo contexto social e macroeconómico que estamos inseridos, mas as possibilidades de se fazer algo diferente e único é crescente a cada dia que passa. Como Darwin um dia disse: “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”.

Uma reflexão: porque em vez de dizer inteligência artificial, nao dizemos inteligência não biológica.

Boas reflexões.

Foto de capa: Domínio público, por Pixabay.

Referências

AI, O. (2023). OpenAI ChatGPT. https://chat.openai.com/chat

Bensaid, W., & Azdimousa, H. (2021). Digital entrepreneurship vs. Traditional entrepreneurship : the setting up of a global conceptual model. International Journal of Economic Studies and Management (IJESM), 1(1), 86–92. https://doi.org/10.52502/ijesm.v1i1.159

Comissão Europeia. (2015, March 24). Digital Transformation of European Industry and Enterprises – A report of the Strategic Policy Forum on Digital Entrepreneurship – DIGITALEUROPE. https://www.digitaleurope.org/resources/digital-transformation-of-european-industry-and-enterprises-a-report-of-the-strategic-policy-forum-on-digital-entrepreneurship/

Cortes, F., & Santos, M. (2020). Empreendedorismo Digital Como Estratégia De negócios de micro e pequenas empreas. 50.

Darwin, C. (2011). A Origem Das Espécies. Mel Editores.

International Business Machines. (2022). What is Artificial Intelligence (AI)? | IBM. https://www.ibm.com/topics/artificial-intelligence

Jr, A. D. M., Amorim, B. P. De, Tabata, P. I., & Felicissimo, V. (2022). Os impactos da inteligência artificial nas estratégias de marketing. Análise e Desenvolvimento de Sistemas, 9(1), 1–24.

McCarthy, J. (2007). What Is Artificial Intelligence? In Stanford University.

Miklosik, A., & Evans, N. (2020). Impact of Big Data and Machine Learning on Digital Transformation in Marketing: A Literature Review. IEEE Access, 8, 101284–101292. https://doi.org/10.1109/ACCESS.2020.2998754

Nadkarni, S., & Prügl, R. (2021). Digital transformation: a review, synthesis and opportunities for future research. In Management Review Quarterly (Vol. 71, Issue 2). Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/s11301-020-00185-7

Needham, M. (2022, March 17). Spending on Artificial Intelligence Solutions Will Double in the United States by 2025, According to a New IDC Spending Guide. IDC Spending Guide. https://www.idc.com/getdoc.jsp?containerId=prUS48958822

Negrini, R., & Florentino, I. (2019). Inteligência Artificial Aplicada a Negócios. Ciência Da Computação – TCC – FCI Higienópolis. https://doi.org/10.24883/iberoamericanic.v8i3.308

Pedro, J., Santos​, S. ​, Vitor De Souza, J., 2​, F., Fernandes, L., 3​, S., & Rodrigues De ​ Brito​, P. H. (2020). Evolução da Inteligência Artificial. Anais Do Congresso Nacional Universidade, EAD e Software Livre, 2(11), 1–6. http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/ueadsl/article/view/17644

Quito, F. (2022, November 6). Ikea avança com aplicação de realidade virtual. https://www.dinheirovivo.pt/empresas/tecnologia/ikea-avanca-com-app-de-realidade-virtual-15315558.html

Rodrigues, B., & Andrade, A. (2021). O potencial da inteligência artificial para o desenvolvimento e competitividade das empresas: uma scoping review. Gestão e Desenvolvimento, 29, 381–422.

Sardinha, L. (2022). Empreendedorismo em Saúde – As novas tendências – A Pátria. In Apátria. https://apatria.org/artigo-cientifico/empreendedorismo-em-saude-as-novas-tendencias/?preview_id=14498&preview_nonce=92d83029ab&preview=true&_thumbnail_id=14500

Soltanifar, M., Hughes, M., & Gocke, L. (2021). Digital Entrepreneurship Impact on Business and Society. In M. Soltanifar, M. Hughes, & L. Gocke (Eds.), Springer. Springer International Publishing. https://doi.org/10.1163/17932548-12341445

Turing, A. (1950). Computing Machinery and Intelligence. Mind, 59(236), 433–460.

Violante, A., & Andrade, A. (2022). O Potencial Da Inteligência Artificial Na Gestão. Gestão e Desenvolvimento, 30, 439–479. https://doi.org/10.34632/gestaoedesenvolvimento.2022.11627

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]