Os nossos tempos, no que respeita a violência e à intolerância, têm sido conturbados. Sabemo-lo, já que não paramos de ver imagens perturbantes nas Tvs.
Na realidade, vimos a ser assolados, quase diariamente, pelos media com atentados e massacres em escolas, infelizmente um pouco por todo o lado, mas muito principalmente nos EUA. Embora os ataques recentes em Uvalde e Tulsa se tenham tornado mais mediáticos e colocado o país a debater sobre a violência armada, a verdade é que a estatística diz-nos que os EUA tiveram 1 ataque deste tipo por semana só em 2022. Estes números são da organização Gun Violence Archive que controla este fenómeno. Foram mais de 230 ataques em massa com armas neste ano nos EUA. Os atentados já mataram mais de 250 pessoas e feriram mais de mil até o momento.
Em Portugal, este fenómeno que parecia longínquo foi-nos apresentado com algum dramatismo, pelo seu impacto, numa Nação reconhecida pelos brandos costumes, quando em fevereiro deste ano o país tomou conhecimento de um massacre, que foi abortado na última hora pelas forças policiais quando o João, um jovem estudante de 18 anos do ensino superior, se preparava para matar cerca de 50 colegas e professores na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa onde frequentava o 1º ano de engenharia informática.
Tudo isto vem a propósito do seguinte. O Parlamento do Estado da Florida aprovou em 2019 uma lei que passou a permitir que os professores, nos Estados Unidos, carreguem consigo uma arma de fogo nas salas de aula, de forma voluntária. Segundo esta lei, o objetivo é evitar que haja mais massacres e homicídios em escolas, como tem acontecido recorrentemente neste país, e acabou por ser despoletada na sequência do ataque no liceu em Parkland, na Florida (em fevereiro de 2018), onde um jovem de 19 anos matou a tiro 17 alunos e funcionários.
Toda esta perspetiva, de um professor nas aulas com uma arma, para além de várias dimensões pedagógicas, éticas, morais, personalísticas… que encerra; no limite, conduz-nos para cenários hollywoodescos. Parecem desenhar-se sociedades dominadas por autoridades de tipo policial com personagens -no caso, pretende-se que sejam os professores-, do tipo autoritário/judicialista .
Para nossa reflexão, no imediato, transporta-nos outrossim no caminho de pensar quão necessário é colocar a matéria dos Direitos Humanos no centro e quanto preciso é apostar na Educação (intencionalmente em maiúscula) nas nossas escolas e em todos os níveis de ensino.
É hoje reconhecido que em qualquer sociedade, para além dos aspetos económicos -cada vez mais determinantes, é certo-, são os direitos fundamentais, em especial os Direitos Humanos e a forma como estes são respeitados, que mais a caracterizam e contribuem para reconhecer a evolução dessa sociedade. Não olvidemos, aliás, que estes devem ser, de longe, os fundamentos da nossa vida em comunidade!
No acervo dos Direitos Humanos devem repousar, de resto, a universalidade de certos princípios éticos como a Liberdade, a Igualdade e o Respeito pela Pessoa. Em termos educativos, estamos perante uma noção que sugere a abertura a outras culturas e o respeito pelas diferenças, sem conduzir à negação das identidades.
Falar em Direitos Humanos é sobretudo falar na “Declaração Universal dos Direitos do Homem” (DUDH), hoje, com mais de 70 anos. Na verdade, nenhum documento alcançou tanta autoridade e ressonância política nos séculos XX e XXI, em grande medida consequência das guerras e conflitos armados, que têm assolado a humanidade neste último século; e, que infelizmente, pelo que estamos a assistir recentemente na Ucrânia, estarão longe de ultrapassados.
DUDH (1948) emanada na Organização representativa -assim se espera- de “todos os povos do mundo” (a Organização das Nações Unidas) dirige-se a todos os homens e mulheres, sem exceção, e nasceu justamente a seguir à 2ª Grande Guerra, quando se acreditava que o Homem teria percebido quão longe tinha chegado neste episódio de luta entre nações em termos de desrespeito pelo seu semelhante e de consideração mínima pela Vida humana.
A realidade, no entanto, é que muito se encontra por fazer para alcançar o objetivo sublime, que é para lá da Igualdade a Unidade do género Humano. Baseada na ideia de que todos os seres humanos são “dotados de razão e de consciência”, a DUDH tornou-se ponto de referência obrigatório de todos quantos lutam pela liberdade, pela tolerância e pela fraternidade e o padrão por que se determina a natureza de cada regime ou sistema político.
No preâmbulo, a DUDH pede “que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades”. Tal significa, portanto, entre outros efeitos, que a dimensão educacional promovida pelas escolas tem indiscutivelmente um papel relevante. Compreende-se assim, que sendo uma das primeiras tarefas da escola a da oferta de uma educação de qualidade, a DUDH confirme no artigo 26º. que “a educação será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais” dialogando com o pressuposto central da educação integral, que busca estimular as várias dimensões do indivíduo.
Os caminhos pelos quais as instituições de ensino devem fazer isso são vários e a escola deve promover os Direitos Humanos em todas as suas práticas e vivências diárias. Repensando permanente os seus posicionamentos e modos de atuação, avaliando mesmo em permanência tudo aquilo que se vai assistindo quotidianamente em termos de intolerâncias e de desrespeito pelos Valores inscritos na DUDH e tomando uma posição firme de combate e denúncia.
Apostar, assim, na contínua divulgação destes Valores e no relevo que a formação dos cidadãos vem assumindo, deve inserir-se numa estratégia de alargamento do campo de intervenção da escola e claramente na redefinição do seu papel social.
Enquanto universais, os Direitos Humanos, sem negar a riqueza da diversidade, definem princípios que permitem “julgar” as culturas (a começar pela nossa), num mundo cada vez mais globalizado e numa sociedade crescentemente multicultural e multirreligiosa, funcionando inclusivamente como um excelente contraponto para os relativismos filosóficos e para os perigos dos extremismos, populismos e xenofobias, nunca como até agora na ordem do dia.
Sem uma forte matriz ética, a integração social e política acabará por resultar em mera adaptação às tendências dominantes, com os riscos conhecidos que por vezes daqui decorrem. Ora, estas deverão ser, pois, mais do que as pistolas, as verdadeiras armas dos professores no presente e no futuro.
Referências:
Organização das Nações Unidas – ONU. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://dre.pt/dre/geral/legislacao-relevante/declaracao-universal-direitos-humanos