Senhor A, 55 anos, entra na consulta, silencioso. Senta-se onde lhe dizem para sentar. Cruza os braços. Não conversa, mas não tem um ar tímido nem de pessoa com deficiência da mudez. O seu médico orienta, afirma, reafirma, prescreve de forma eletrónica, sorri e despede-se. Esse profissional não fez nesses 15 minutos um esforço de trazer à luz uma pergunta aberta do tipo: “O que posso fazer eu por si?”.
O Senhor A passa por um grave problema familiar, está com a tensão alta e o início de uma depressão. O médico receitou-lhe medicação para controlar a hipertensão. A receita está prescrita, e entrou logo de seguida no seu telemóvel.
Um grande total das mortes prematuras, cerca de 60 a70%, são causadas por comportamentos que poderiam ser alterados (Schroeder 2007). É por isso, essencial que os pacientes e o público em geral se envolvam mais na adoção de comportamentos positivos para a saúde (Hibbard & Guilburt, 2014, p. 5).
A ativação do paciente é geralmente medida pelo conforto sentido pelo paciente em expor parte da sua vida íntima, relacionada ou não com a doença e o seu bem-estar e na probabilidade de corrigir naturalmente um profissional de saúde durante uma consulta pelo conhecimento que tem da sua própria situação.
Hibbard e Gilburt (2014) relatam que a ativação do paciente “é um conceito amplamente reconhecido, que descreve o conhecimento, as competências e a confiança que uma pessoa tem na gestão dos seus próprios cuidados de saúde e saúde” (p. 3).
As autoras (Hibbard & Guilburt, 2014), referem que, quanto mais as pessoas têm baixos níveis de ativação, também têm menores probabilidades de desempenhar um papel ativo na sua saúde, não conseguem procurar ajuda quando precisam de forma efetiva, ou mesmo têm dificuldades em seguir os conselhos médicos e gerir de forma contínua a sua saúde.
E o fato de estas pessoas pouco ativadas terem estas dificuldades todas, ainda acresce que têm falta de confiança e experiência para gerir bem a sua saúde, pelo que “muitas vezes significa que preferem não pensar nisso” (p.3).
E por tudo isto, a Medida de Ativação do Doente (PAM), validada no Reino Unido, é, segundo Hibbard e Guilburt (2014), “uma medida poderosa e fiável da ativação do paciente” (p . 3).
E em que consiste esta medida de ativação do paciente?
Wolf, Niederhauser, Marshburn e LaVela (2014) alertam-nos para a importância da experiência humana em saúde e dizem-nos que integra a soma de todas as interações, de cada encontro entre pacientes, familiares e parceiros assistenciais e a força de trabalho em saúde. Referem ainda que esta relação é impulsionada pela cultura das próprias organizações e sistemas de saúde que trabalham para apoiar um ecossistema de saúde operacional dentro da enorme abrangência do continuum de cuidado que se prolongam fora dos hospitais e unidades de saúde e se estendem para as comunidades (Wolf et al., 2014). A experiência humana na saúde é fruto da própria experiência do paciente (Wolf et al., 2014).
Ativar tem muitas definições, mas parece-nos que dinamizar, alertar, espoletar a energia do corpo, da mente e da cognição e da expressão comunicativa são essenciais neste conceito.
Quando lidamos com um paciente, ele traz a trás de si uma família inteira constituída pelos seus diretor influenciadores, vizinhos, a comunidade e mesmo os animais de estimação. Ele é um “paciente-sistema” pois, oculto, atrás de si, estão muitos que vão ter peso também na sua decisão e auto-cuidado.
E esse mundo seu de paciente-sistema também inclui entre os aspetos cognitivos e emocionais, a memória, a linguagem a que está habituado, o seu raciocínio e capacidade de aprendizagem, que conduz a uma tomada de decisão (figura 1).
Figura 1 – a complexidade da tomada de decisão
Sabemos que um paciente ativado não é combativo e resistente, pelo menos tem a capacidade de querer ouvir, entender e participar, mesmo que não tenha as competências todas. E por isso, a ação do profissional de saúde é essencial nesse despertar. Um paciente ativado é confiante o suficiente para assumir um efetivo papel nas conversas sobre o seu próprio cuidado e caminho a seguir, com alguma autorregulação.
O paciente tem uma efetiva necessidade de informação, e quando é dada de forma assertiva, clara e positiva (Vaz de Almeida, 2021), desempenha um papel importante na sua satisfação, e na sua consciente e correta tomada de decisão (Friedrichsen et al., 2000 ; Almyroudi et al., 2011).
Quadro 1. Como ativar um paciente?
Cumprimentá-lo/a calorosamente Fazer uns minutos de conversa social (“e o seu clube de futebol como se tem portado?”) Olhar nos olhos de forma afável e interessada Ter capacidade de estar em silêncio para o ouvir inicialmente Incentivar perguntas abertas: “O que posso fazer por si?” Ter em atenção a postura corporal pois o corpo “fala” Apoiar as suas decisões Compreender o que é mais significativo para ele/a Fazer desenhos e gráficos para ajudar na sua memória visual Explicar o jargão técnico com palavras claras e simples Incentivar a participar no processo que conduz à decisão Respeitar a decisão Resumir o que o paciente vai dizendo e incentivar a repetir pelas suas palavras, para reforçar a memorização Incentivar, se necessário, a gravação das instruções em saúde no seu telemóvel Saber o que pensam os seus influenciadores Conhecer o seu contexto, os seus desafios e limitações Perceber as crenças e incentivar a contar os seus receios e medos Ajudar no questionamento, do mais simples, para o mais complexo |
Receber bem um paciente na interação terapêutica, é conseguir com que ele abra a porta da sua casa e da sua alma, aumentando a sua confiança. Entre o balanço de uma interação desprovida de qualquer emoção, com um toque apenas biomédico, e a preocupação de o fazer sentir acolhido, de uma forma assertiva, clara e positiva, mesmo tocando nas preferências clubísticas ou outro tema importante para ele/a, é um caminho de literacia em saúde e de apaziguamento da dor, seja ela real ou não. Aquilo que Lobo Antunes sublinhava, dizendo que não há saúde ou cuidado e atendimento completo sem haver compaixão. Uma compaixão feliz, por poder mudar vidas e torná-las mais significativas e melhores, acrescento.
Fontes:
Almyroudi, A., Degner, L. F., Paika, V., Pavlidis, N., and Hyphantis, T. (2011). Decision-making preferences and information needs among greek breast cancer patients. Psycho-Oncology 20, 871–879. doi: 10.1002/pon.1798
Friedrichsen, M. J., Strang, P. M., & Carlsson, M. E. (2000). Breaking bad news in the transition from curative to palliative cancer care–patient’s view of the doctor giving the information. Support Care Cancer 8, 472–478.
Hibbard, J, & Guilburt , H. (2014). Supporting people to manage their health. An introduction to patient activation. The King’s Fund
Schroeder SA (2007). ‘We can do better – improving the health of the American people’. New England Journal of Medicine, vol 357, no 12, pp 1221–8. Available at: www.nejm.org/doi/full/10.1056/ NEJMsa073350.
Song, Y., Xiu, Y., Li, W. & Wang, F. (2022) Neuroscience on breaking bad news: Effects of physicians’ response on patient emotion and trust. Front. Psychol. 13, 1006695. doi: 10.3389/fpsyg.2022.1006695
Wolf, J.A., Niederhauser, V., Marshburn, D.,& LaVela, S.L. (2014). Defining Patient Experience. Patient Experience Journal, 1(1),7-19. doi: 10.35680/2372-0247.1004.
Vaz de Almeida, C. (2021). Eureka: A Proposal of a Health Communication Model Based on Communication Competences of the Health Professional! The Assertiveness, Clarity, and Positivity Model. In C. Belim & C Vaz de Almeida, Health Communication Models and Practices in Interpersonal and Media Contexts: Emerging Research and Opportunities. IGI Books.DOI: 10.4018/978-1-7998-4396-2 https://www.igi-global.com/chapter/eureka/286826
Imagem de capa, Domínio público, de fernando zhiminaicela por Pixabay