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Aos 59 anos, meu ato mais revolucionário é o egoísmo essencial

Aos 59 anos, meu ato mais revolucionário é o egoísmo essencial

Por muito tempo, a reinvenção foi uma estratégia de sobrevivência — um movimento necessário para dar sentido à jornada. No entanto, agora, ela é pura liberdade e prazer.

Somos diariamente inundados com “receitas infalíveis” de sobrevivência, vitalidade, longevidade, felicidade e tantos outros itens fascinantes ao viver que por vezes nos sentimos devedores da própria vida, como se nunca fossemos capazes de viver de verdade.

Hoje, peço licença para dividir com vocês este pensar, que talvez faça parte da idade, da tal maturidade, mas que não cabe mais somente em minha mente, pede espaço para voar e alcançar outras mentes, que considerando suas experiencias de vida, entenderão de maneiras únicas e quem sabe, mais transgressoras do que a minha.

Depois de anos inteiramente dedicados ao mundo acadêmico, o qual ainda me move profundamente, finalmente ganhei o tempo e o espaço que precisava para fazer uma imersão no meu próprio corpo e mente.

Minha busca atual não é por um padrão de beleza externo, nem tem nada de místico; é, sim, uma procura fascinante pela tal consciência corporal. É um reencontro de três esferas: comigo, com o espaço que ocupo e com o mundo. É um ato de me conhecer melhor, de testar novos limites e de resgatar o que, por diversas razões, me foi negado no passado. A diferença é que agora, a decisão é minha: eu quero, e pronto!

Você, leitor(a) que me acompanha, deve estar estranhando: não falarei de política, educação ou atualidades. Não que sejam temas ultrapassados, longe disso, são atuais e afligem meus pensamentos, o mundo está cada vez mais pesado, porém, só por agora, é preciso respirar e viajar na mente e no espaço, pois o tema de hoje é um libertar. É um olhar sobre a redescoberta, que, espero, possa ser espelho para os múltiplos olhares e históricos de vida de cada um de vocês.

Minha mente sempre procurou um grau de transgressão para sobreviver a um mundo em constante mudança, e o exercício físico foi a alavanca perfeita. Sempre amei me exercitar, seja na musculação, no crossfit, no yoga ou na natação… Mas amar não significa facilidade e isso de alguma forma me atrai.

Não me iludo e nem iludo você: essa redescoberta não é apenas sobre a ‘vontade’ de fazer. Ela exige um tripé fundamental que a vida acadêmica e a maturidade me ensinaram a valorizar: disciplina, foco e muito treino. Não existe atalho para construir a força que o corpo de 59 anos precisa. É preciso encarar as dores musculares, respeitar os dias de descanso e, principalmente, manter a constância. É no rigor da rotina que encontro a verdadeira liberdade.

É necessário foco para não deixar que as urgências do mundo externo engulam esse tempo sagrado que separei para mim. E é com disciplina que eu transformo a ‘vontade de me exercitar’ em um compromisso diário inadiável.

O treino tem sido o meu laboratório pessoal. A cada repetição, a cada novo movimento, sinto não só o músculo crescendo, mas a minha autoconfiança se expandindo. Estou construindo um corpo mais forte e, inegavelmente, uma mente mais presente e resiliente.

Arquivo pessoal: exercício de calistenia — Parada de Cabeça.

E aqui entra o meu lado acadêmico: o verdadeiro ganho do exercício está na minha mente e na minha longevidade.

Estudos de Neurociência comprovam que a atividade física regular, seja aeróbica ou de força, funciona como um fertilizante cerebral, estimulando a neuroplasticidade, criando novas conexões neurais e ajudando a proteger contra o declínio cognitivo. A cada série, eu estou literalmente turbinando meu cérebro, ficando mais alerta, calma e resiliente.

Mas há algo ainda mais profundo. É o que revelou um importante estudo longitudinal da Universidade de Harvard, publicado no Journal of Behavioral Medicine[1]. A pesquisa que acompanhou milhares de adultos de meia-idade e mais velhos, não apenas confirmou os benefícios, mas identificou uma relação bidirecional e recíproca entre a atividade física e o senso de propósito na vida.

Em termos práticos, isso significa que:

  1. Quanto mais forte é o meu sentido de propósito (a minha “vontade de viver” e ter metas), mais motivação eu tenho para ser fisicamente ativa.
  2. Quanto mais ativa eu sou, mantendo a disciplina e o treino, mais forte se torna o meu propósito de vida no futuro.

É um espiral ascendente de bem-estar. O exercício me dá a força e a clareza mental, e esse novo tempo e espaço que conquistei me dão a direção. O cuidado com o corpo se torna, assim, a maior prova de que esta é uma vida que vale a pena ser vivida e cultivada. Como diz a querida e talentosa atriz brasileira Fernanda Torres: “A Vida Presta[2]”.

Foto arquivo pessoal

Sou, por natureza, uma pessoa atenta aos acontecimentos geopolíticos, científicos, tecnológicos e cotidianos que “explodem” pelo mundo, tecendo sempre um paralelo com meus estudos acadêmicos e leituras diversas. Mas é preciso cuidar de mim, até pelos conteúdos cada vez mais pesados desses acontecimentos e pelas reflexões que resultam após as construções de “tecidos paralelos”. É preciso um respiro de vida egoísta, classificando este egoísmo como algo pontual, porém, essencial. É combinando egoísmos pontuais com momentos de profunda lucidez social que vou tecendo um cotidiano minimamente sustentável, podendo ressaltar três pontos:

  • A leitura como Crossfit mental: Assim como o treino desafia os músculos, a leitura profunda (a que exige foco, não apenas a superficial) desafia as áreas cognitivas. Ela me obriga a criar mentalizações, a expandir o vocabulário e a processar ideias complexas, o que a ciência demonstra ser essencial para manter o cérebro iluminado e ativo. É a minha maneira de garantir que, enquanto o corpo ganha força, a mente ganha acuidade e amplitude.
  • A escrita como estrutura e liberação: O ato de escrever, de forma consciente e intencional, funciona como um exercício de organização e autoconhecimento. Ele me permite externalizar as reflexões complexas geradas pelos estudos e pelos acontecimentos do mundo, transformando o “tecido paralelo” de pensamentos em estruturas lógicas e coerentes. A escrita não apenas melhora a capacidade de raciocínio verbal, mas também me oferece um canal de autorregulação emocional. Colocar meus sentimentos e pensamentos no papel me dá tempo mental para processá-los antes de verbalizá-los ou agir impulsivamente.
  • Efeito sinergético: O exercício físico, ao reduzir o estresse e aumentar a energia (pela liberação de endorfinas), cria o ambiente mental perfeito para que eu me entregue à leitura e à escrita com disciplina e foco. Por sua vez, a clareza e o propósito adquiridos através dos livros e da escrita reforçam a minha motivação para manter a constância nos treinos. É o corpo fortalecendo a mente, e a mente dando direção ao corpo.

Não acaba aqui, tem mais, sempre tem mais…

Se o exercício físico é o meu laboratório e a cognição é a minha bússola, a alimentação é, inegavelmente, o combustível que mantém a máquina em funcionamento.

Não busco dietas da moda ou restrições punitivas; a minha atenção está na nutrição como ato de cuidado e respeito ao corpo que precisa de força aos 59 anos de idade. Assim como busco a profundidade em meus estudos acadêmicos, busco a densidade nutricional em cada prato.

Esta reeducação alimentar é a base silenciosa que permite a manifestação dos outros pilares:

  • Sustentando a disciplina: O que eu consumo define a qualidade da minha energia e a recuperação muscular. Uma alimentação anti-inflamatória e balanceada não é um acessório, mas uma pré-condição para que eu consiga manter a constância diária no treino e enfrentar as dores musculares inerentes à construção de força.
  • Fertilizando a mente: O cérebro, afinal, é o órgão que mais demanda nutrientes. A mesma neurociência que celebra o exercício também aponta a alimentação como fator crucial na estimulação da neuroplasticidade e na prevenção do declínio cognitivo. A clareza mental necessária para a leitura profunda e para a escrita reflexiva nasce na sinergia entre o fluxo sanguíneo estimulado pelo movimento e os nutrientes que protegem as conexões neurais.

O convite à redescoberta: o rigor da liberdade

Chego ao fim deste compartilhar compreendendo que a minha busca por consciência corporal não é um desvio, mas o próprio centro. É uma estratégia de sobrevivência frente à saturação do mundo moderno. Meu corpo, turbinado pela disciplina do treino, nutrido pela alimentação consciente e afiado pela leitura e escrita, é o meu refúgio e minha fortaleza. É no rigor dessa rotina que encontro a verdadeira liberdade para respirar e filtrar o mundo.

Como acadêmica, sou atenta aos pesos e desafios dos múltiplos acontecimentos que nos cercam, mas aprendi que para tecer esses paralelos e resistir à avalanche informativa, é preciso um egoísmo essencial – um tempo sagrado dedicado ao cultivo do meu próprio ser.

Portanto, leitor(a), o meu convite final é um olhar para a sua própria rotina. Em meio à incessante necessidade de dar respostas a tudo e o tempo todo, frente ao bombardeio diário de notícias e da urgência que engole o tempo, eu pergunto:

  • O que você faz para se reconectar?
  • Quais é o seu ato de egoísmo essencial?
  • Quais são os seus pilares inadiáveis para aliviar o estresse, a sobrecarga e reafirmar o seu viver?

Que a sua redescoberta, assim como a minha, possa ser o espelho onde você se permite, simplesmente, dizer: “Eu quero, e pronto!”


[1] Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/33891209/ — Acesso em 29/10/2025.

[2] Expressão muito utilizada pela atriz brasileira Fernanda Torres na ocasião da conquista do Oscar de melhor filme estrangeiro para “Ainda Estou Aqui” — uma adaptação cinematográfica do livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, que narra a emocionante trajetória de sua mãe, Eunice Paiva, durante a ditadura militar no Brasil.

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