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Do Alqueva ao Brumadinho – por que precisamos de barragens?

Do Alqueva ao Brumadinho – por que precisamos de barragens?

Alqueva e Brumadinho, freguesia de Portugal e município do Brasil, respectivamente, têm algo em comum: estes lugares ficaram famosos pelas suas barragens.

A barragem de Brumadinho tornou-se um acontecimento mundial pelas piores razões: a barragem colapsou e uma torrente de detritos galgou alguns quilómetros, deixando um rasto de destruição à sua passagem (nas últimas horas ter-se-á atingido o tão expressivo como lamentável número de 150 vítimas mortais)…

A barragem do Alqueva, a maior de Portugal, está em fase final de implementação, e a ansiada “alavanca” para a agricultura e o turismo da região começa a dar alguns sinais de mudança: por exemplo, a primeira praia com bandeira azul, a praia fluvial de Monsaraz, em pleno lago artificial do Alqueva, foi inaugurada em 2017. Refiro ainda que ao quinto artigo publicado, e ao abordar uma realidade do Brasil, finalmente quebro as barreiras do Atlântico, pois este jornal é de, e para, toda a comunidade da língua portuguesa. Ainda que Portugal seja o meu país, e o país que conheço melhor, o ambiente – o meu tema de eleição – é transversal a todos nós.

Contextualizando: o que é uma barragem? Como o próprio nome indica, é uma obstrução, uma obliteração, um impedimento da passagem, que neste caso se aplica aos cursos de água, nomeadamente os rios. Uma barragem pode ter diferentes fins: a pesca (pois cria uma barreira ao pescado), o controlo dos caudais (particularmente importante para evitar cheias), um reservatório de água (para consumo humano directo, para a indústria ou agricultura) e para a produção de energia, que talvez seja aquilo em que primeiro se pensa ao referir o termo barragem na actualidade.

Estas serão, portanto, os principais usos e vantagens das barragens, que podem ser grandes como as do Alqueva e Brumadinho, ou pequenas como as mini-hídricas (geralmente são umas simples paredes de cimento), ou mesmo naturais como os diques dos castores, que sendo somente uma construção com troncos de árvores, tecnicamente poderão ser considerados barragens. Por experiência própria, posso dizer que os diques dos castores são “obras de engenharia” impressionantes, de grande eficiência e resistência. Com tantas vantagens, parece óbvio que precisamos de barragens, e que são uma grande mais-valia para a nossa sociedade. Mas há sempre outra face da mesma moeda…

Há também vários problemas decorrentes da construção e usufruto das barragens, alguns dos quais de extrema complexidade ecológica: como barreira não selectiva (na maioria dos casos), as barragens impedem não só o curso de água como também o normal curso de sedimentos, fauna e flora, com consequências como a extinção de espécies biológicas (já houve esturjões no rio Douro, por exemplo, peixe de cujas ovas se faz o caviar), um excesso de detritos e nutrientes a montante (o chamado assoreamento, para o lado da nascente) e a falta destes a jusante (para o lado da foz), com consequências para a estabilidade das margens e para a agricultura, por exemplo, e ainda a promoção de florescências de cianobactérias e microalgas (as chamadas “marés verdes”), que são tóxicas, nas albufeiras formadas onde a água se concentra com pouco, ou nenhum, movimento, além dos impactos que uma obra de engenharia causa (nomeadamente no caso das grandes barragens), com a necessidade de manutenção cara e complexa, que por vezes não existe – não é assim Brumadinho? Infelizmente… E também deverá haver entidades inspectoras, funcionais, que regulem tudo isto…

Como parte dum projecto internacional dos Ecoclubes de Portugal, uma associação ecologista construída por jovens voluntários, tive a oportunidade de visitar a Letónia onde as maiores barragens são as mini-hídricas, e onde os castores e os seus diques são uma grande dor de cabeça. Do Brasil chegou-nos este exemplo de Brumadinho, e estão em risco outras barragens assoladas pela mesma problemática da mineração, que parece muito pouco controlada, e da falta de manutenção das infra-estruturas. Em Portugal temos problemas semelhantes aos do Brasil, e continuam a surgir com frequência projectos para a construção de novas barragens cujos verdadeiros fins são pouco claros e não parecem ser os interesses da maioria da população. Restantes países da Lusofonia, quais são os vossos problemas com barragens?

Para acabar por hoje, como resposta à pergunta-título, na nossa sociedade do séc. XXI obviamente que ainda precisamos de barragens, e precisaremos durante muito tempo, por tudo o que aqui foi escrito. Por mais desvantagens que haja, e há, nomeadamente a nível ambiental, sabemos que a ecologia e as questões da saúde ambiental são frequentemente relegadas para segundo plano – receio que só se valorize esta questão quando pouco houver a melhorar. De resto, a energia hídrica (cuja discussão sobre a verdadeira sustentabilidade e carácter “verde” daria outro artigo) é ainda muito importante para a nossa sociedade, representa uma fatia significativa da energia produzida diariamente, e parece-me continuar a ser a principal razão, a nível nacional e internacional, para a construção de novas barragens.

A foto que ilustra este artigo, e que representa a barragem do Alqueva, foi tirada em 2009 pelo Ecoclube Guarda-Rios, de Matosinhos, que ajudei a fundar no ano anterior. Participámos num concurso sobre o tema da água e ganhámos um prémio: uma viagem à barragem do Alqueva, à nova Aldeia da Luz (a antiga aldeia ficou submersa devido à barragem) e zonas envolventes – uma festa para um grupo de jovens, e uma aprendizagem ambiental. Talvez seja este o caminho, e seja esta a solução: a educação ambiental. A educação apenas pecará por demorar algum tempo, e o tempo nunca pára, mas temos de nos educar para encontrar alternativas às barragens, e esperar que não seja demasiado tarde.

Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.

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