“Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade. Este é um pensar que percebe a realidade como processo, que a capta em constante devenir e não como algo estático. Não se dicotomiza a si mesmo na ação. “Banha-se” permanentemente de temporalidade cujos riscos não teme.” – Paulo Freire, 2013.
O Desenvolvimento Sustentável não é sinônimo de meio ambiente ou proteção ao meio ambiente exclusivamente. Há uma certa confusão quando se trata de assuntos ligados a esta expressão nos diálogos mais corriqueiros da população. A sustentabilidade como princípio afirmativo de sobrevivência humana, e perpetuação das espécies por meio da preservação ambiental, foi elevada a compromisso global das nações, com a ‘Carta da Terra’, documento produzido no início do séc. XXI, em resultados de oito anos de pesquisa (1992-2000), iniciando-se:
“Estamos diante de um momento crítico da história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro […]. A escolha é nossa e deve ser: ou formar uma aliança global para cuidar da Terra e cuidar uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a destruição da diversidade da vida (Preâmbulo).” – Leonardo Boff apud Carta da Terra.
Sustentabilidade é a qualificação de todos os esforços mundiais para a preservação ambiental no planeta. O termo ambiente é referenciado como todo espaço extensivo e não extensivo ao homem e sua complexa variedade natural. O ser humano com a forma de se relacionar uns com os outros, seu poder de influência e transformação no ambiente para retirada de recursos de sustentação da vida, deve adotar o conceito de sustentabilidade como tradução de ações positivadas. O homem é parte do ecossistema, carente de preservação e o único responsável para a manutenção da sustentabilidade no planeta.
Atualmente, há categorização de ações isoladas como sustentabilidade, quando o que se propõe nesta matéria é tê-la como princípio norteador para tomadas de decisões individuais e coletivas. Ontologicamente o conceito não sofre alteração, apenas um deslocamento do desejável para imprescindível. Sair-se-á de ‘Vamos apoiar estas ações que são sustentáveis’ para ‘Não sendo sustentável, não é executável.’ Agindo assim tal qual como a postura ética dos profissionais, os sentimentos morais mais elevados da sociedade, a cultura organizacional das empresas, a valorização de princípios religiosos pelo costume da fé, a solidariedade e fraternidade familiar, a sustentabilidade deve ser um princípio inerente às ações sociais, como senso balizador de transformações ambientais em seu sentido expandido.
Quanto ao Desenvolvimento Sustentável, a expressão “pensar globalmente e agir localmente” é o princípio para todas as tomadas de decisões. A necessidade de se abordar o Desenvolvimento Sustentável é a premência de se pensar o futuro como uma prática no agora. O surgimento de ações díspares, como mudança do comportamento global, foi abordado pelo sociólogo e filósofo francês Edgar Morin, que publicou um artigo no jornal francês Le Monde (2010) reflete:
“Com efeito, tudo começou, mas sem que se soubesse. Estamos no estágio de começos, modestos, invisíveis, marginais, dispersos. Porque já existe, em todos os continentes, uma efervescência criativa, uma multiplicidade de iniciativas locais, em conformidade com a revitalização econômica, ou social, ou política, ou cognitiva, ou educacional ou ética, ou da reforma da vida.
Estas iniciativas estão isoladas, nenhuma administração as leva em conta, nenhum partido toma conhecimento delas. Mas elas são o viveiro do futuro. Trata-se de reconhecê-las, inventariá-las, cotejá-las, catalogá-las, combiná-los e de conjugá-las em uma pluralidade de caminhos reformadores. São estes caminhos múltiplos que podem, através de um desenvolvimento conjunto, se combinar para formar o novo caminho que nos levaria em direção à metamorfose ainda invisível e inconcebível. Para desenvolver formas que vão desembocar no Caminho, é preciso identificar alternativas limitadas, que limitam o mundo do conhecimento e do pensamento hegemônicos. Assim, é preciso ao mesmo tempo globalizar e desmundializar, crescer e diminuir, desenvolver e envolver.
(…) Já não basta mais apenas denunciar. Precisamos propor. Não basta apelar à urgência. É preciso saber também começar a definir os caminhos que levarão ao Caminho. É para isso que estamos tentando contribuir.” – MORIN, Eloge de la métamorphose.
Desenvolvimento Sustentável é, considerando o momento histórico atual como um período pós pré-paradigmático, tema que oferece estudos suficientes para um novo campo como ciência normal. Define Thomas Kuhn o significado de fase pré-paradigmática:
“A fase pré-paradigmática representa, por assim dizer, a pré-história de uma ciência, aquele período no qual reina uma ampla divergência entre os pesquisadores, ou grupos de pesquisadores, sobre quais fenômenos dever ser estudados, e como o devem ser, sobre quais devem ser explicados, e segundo quais princípios teóricos, sobre como os princípios teóricos se inter-relacionam, sobre as regras, métodos e valores que devem direcionar a busca, descrição, classificação e explicação de novos fenômenos, ou o desenvolvimento das teorias, sobre quais técnicas e instrumentos podem ser utilizados, e quais devem ser utilizados, etc. Enquanto predomina um tal estado de coisas, a disciplina ainda não alcançou o estatuto de científica, ou seja, não constitui uma ciência genuína.” – KUHN, The Structure of Scientific Revolutions.
Muito ainda se precisa avançar para ser concebida como ciência normal, sendo uma dentre tantas parametrizações, a problemática do conjunto de definições, ainda que elástica, sobre Desenvolvimento Sustentável. O que se observa são ações isoladas em todos os continentes, como resultado de um amadurecimento de consciência global entre os povos quanto a sobrevivência do planeta e condições ambientais para as futuras gerações. O “hoje” é o momento desta mudança de paradigma quanto as relações interpessoais em nível global. Este momento, pode ser de fato a verdadeira revolução estrutural humana, a curva que muda os rumos de como as civilizações passam a agir, independente da política interna de cada nação.
E nisto consiste esta proposta e desafio: Um chamamento a todos e todas para transformação do tema Desenvolvimento Sustentável em “ciência normal”. Os estudos e resultados de pesquisa estão em interdependência, e existem para desenvolver soluções para os problemas que aparecem como obstáculos ao desenvolvimento humano. Neste sentido, há necessidade “de seleção, classificação, concatenação, predição e explicação. De posse de um corpo de princípios teóricos e regras metodológicas” (Kuhn, 1970). O objetivo das pesquisas e textos que se seguiram não serão de cunho metafísico, embora tão necessário à compreensão do debate é compreensão da essência das coisas e a natureza do ser. A proposta consiste em iniciar uma parametrização de ações geridas para o Desenvolvimento Sustentável como prática de gestão pública e privada, tornando todos os processos sustentáveis.
Bibliografia
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 2013.
BOFF, Leonardo. A Carta da Terra. Consultado em 05 de janeiro de 2020, em http://www.humanosdireitos.org/atividades/campanhas/467-Leonardo-Boff–Carta-da-Terra.htm
MORIN, Edgard. Eloge de la métamorphose. Le Monde. Publié le 09 janvier 2010 à 13h08 – Mis à jour le 31 décembre 2010 à 14h18.
KUHN, T. S. The Structure of Scientific Revolutions. 2 ed., enlarged. Chicago and London: University of Chicago Press 1970.
4 respostas
Trás uma forma pensar única inovando conceitos antigos para realidade atual. Um dos melhores textos já lido. A mudanças sociais tem acompanhar está visão e todos fazerem do seu cotidiano de vida ações para o amanha.
Obrigada Pedro pela leitura e elogios.
Fico feliz de ter encontrado em você tal recepção ao artigo.
Espero contar com sua participação nos comentários sempre!
Forte abraço.
Inspirador e estimulante. Repensar a existência humana, a partir de desenvolvimento de quadro conceptual que possa influenciar as políticas públicas e as iniciativas empresariais, parece mais do que nunca oportuno e imprescindível. Há sempre o dilema em saber se temos que aprofundar o campo em si ou integrá-lo, a partir da Economia, plenamente nas diversos áreas do conhecimento. Mas o que parece incontornável, é que temos que derrubar os fundamentos do equilíbrio natural e desenvolver um universo intelectual que nos permita avançar para um conjunto de práticas pro-ativas, ao encontro de resultados bem específicos na sociedade e a nível mundial.
Obrigada pela leitura e comentários Ricardo! Suas considerações são pertinentes.
A Gestão Administrativa está presente na vida de todos os indivíduos, para além das relações com o Estado ou as organizações jurídicas. Engels em seu livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, delineia dentro da história o processo administrativo indo do núcleo de pessoas ligadas por sangue ou vizinhança a grandes composições sociais.
Pensar a Administração na execução para o Desenvolvimento Sustentável, me pareceu o caminho correto para que consigamos transformar conceitos em práticas cotidianas. Quanto ao dilema de integrar a economia ou aprofundar em conhecimento, eu diria que são ambas e nenhuma. Estamos em um processo de mudança significativa de paradigma das relações sociais globalmente. O que é, não existirá quando o que veio se completar, assim como também as profundas transformações mundiais são lentas e gradativas, onde o capital de mercado será integralizado a este processo de transformação, perdendo aos poucos suas características até se decompor totalmente em um sistema a devir.
Sobre seu comentário, poderíamos escrever um livro, dado as relevantes considerações que cada expressão carrega separadamente e em conjunto no discurso. Contudo, vários de seus apontamentos já estão organizados para serem considerados no devido tempo, dentro de uma estrutura que tenho definida. Espero que tenha paciência e interesse em continuar acompanhando a disposição da proposta, pois terá um caráter mais acessível, e certos desdobramentos por sua complexidade deixarão de ser tratados em profundidade. O que não impede de forma alguma, tratarmos nos comentários ou mesmo estender o diálogo em uma construção de um artigo específico sobre o que se achar relevante.
O fundamental neste processo é a participação conjunta dos anseios, este como resultado da soma do conhecimento com a emoção. Algo está acontecendo significativamente no planeta, e saber lidar com a junção do que considero correto ao que sinto ser o correto, em uma dialética de colisão de interesses de posições igualmente corretas, existindo como obstáculo a argumentação fundamentada que mais confundi que elucida destes posicionamentos, não digo que será intencional esta metodologia da ‘ignorância’, apenas que as antíteses deverão ser tão bem construídas como as teses apresentadas.
Os “achismos” serão completamente descartados. Estes não atenderão o raciocínio lógico que busca a verdade sem julgamentos prévios, ou aquela emoção que hoje nos faz calar por não conseguir elaborar tal qual recebemos o argumento, mas que intimamente nos incomoda profundamente. Esta é a habilidade que se desperta, pensar e sentir, mas em um contexto mais complexo que a Inteligencia Emocional. Voltaremos as paixões primitivas que nos tornam animais emocionais e não apenas racionais. Entrar em contato com o outro, é sentir o outro, e não percebo a vida social afastada dos sentimentos morais, estes contudo, baseados no verdadeiro direito da liberdade por meio do atendimento as necessidades substantivas e não substantivas.
É, como viu, poderíamos juntos só por aqui escrever um livro como já disse! O que penso ser algo maravilhoso, esta eferverscência de saberes brotando por todo planeta, buscando ecoar em uma só voz ou língua. Este é o campo que usaremos para a transformação. O conhecimento advindo da busca pela verdade como caminho e solução.
Forte Abraço.