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A volta do califado: o primeiro Estado talibã.

A volta do califado: o primeiro Estado talibã.

Tudo tem um preço neste mundo, e tudo volta, “A história se repete sempre” “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.”

Farsa ou tragédia?

A famosa reflexão de Marx sobre a constatação de Hegel de que os fatos históricos relevantes acontecem duas vezes, é feita bem sabendo que ambas as ocorrências se dão condicionadas pelas circunstâncias, e que essa limitação desvia, quase sempre, a ação do ator histórico de sua intencionalidade original, resultando seu projeto, quando se põe em confronto com a realidade, na conjugação do que pretendia com aquilo que os ditames das situações lhes dá margem a que faça. Tendo ocorrido uma, com todo o esforço de sua ação trágica, muitas vezes um banho de sangue, ocorre a segunda condicionada pelas fronteiras estabelecidas pela primeira que a modificam e sugestionam.

Consciente que as características orgânicas de uma ação (assim como as de uma substância) se alteram, apesar de guardar sua essência intacta, revelando um resultado diverso, produzindo nova e diferente realidade, nova coisa, como nova e diferente foi a oportunidade que a facultou.

Os califados islâmicos.

O califa, ‘sucessor’ de Maomé, que instituiu um Estado Islâmico, ou seja aquele Estado que é governado segundo a sharia, a lei religiosa do Islão, que, adotada, circunscreve todas as atitudes, vontades e ações de seus seguidores, ao respeito estricto de suas normas. Muitos foram os califado que existiram pelo mundo, muitos na Europa, e houve muita guerra, tanto para se estabelecerem, como para terminarem com sua existência naqueles territórios onde passaram a existir, foi muita a tragédia que acompanhou a tragetória histórica de sua existência. Havia uma correlação de forças entre o governo existente antes, aquele que enfraquecido foi substituido por um califado, e depois com o outro que substitui o califado. E nesse processo circular a roda da história põe um e tira outros, com sabemos.

Hoje a correlação de forças depende de muitas imponderáveis possibilidades, que vão desde a tecnologia, os recursos financeiros, e o acesso aos diferentes meios misteres a que se estabeleça um califado, até às vontades políticas, muito voláteis. Não devemos confundir um califado com um emirado, posto que esse, o emirado, é um governo como qualquer outro, só que muçulmano, e o poder do emirado pode ser legitimado pela população a qual governa, pelo voto preferencialmente, já o califado traz consigo o poder religioso que retira a necessidade de legitimação popular, e impõe a tirania, o poder absoluto, que supostamente lhes terá sido conferido por Deus. Com o moderno confronto  de forças,  estrutura tribal dos islamitas versus o poderio militar do Ocidente ou do Oriente, da verdadeira Ásia profunda, não admite comparação. A única coisa que nos impede retirar-lhes o poder, esse que vão mantendo sob as mais adversas condições, e ao longo de sucessivas alterações de suas possibilidades, é que só seriam/serão apeados, se todos fossem mortos, o que seria um banho de sangue brutal – a absoluta tragédia – optando-se sempre pela farsa de restringirem -lhes sua capacidade de ação, os territórios que ocupam, e o confronto direto por quem tem os meios para os conter, ficando-se sempre por uma série de ações cirúrgicas, o que implica uma guerra que não é guerra. E para qual a resposta, não só em seus territórios, mas a nível global, é o terror/ terrorismo.

O passeio talibã.

De Kandahar a Cabul, até entrarem no palácio do governo afegão (um governo que não se governava nem ao país) foi um passeio, com direito a piquenique e festa, por fim com uma preposta transição de poder, na qual o detentor máximo do poder já havia fugido, o que mostra a incapacidade de um poder sem a componente religiosa, entenda-se absoluta, de governar. Ali não há lugar a emires, só a califas.

E instalou-se o terror.

Por terem conquistado um país, um ‘Estado’, não os tornará responsáveis, nem tão-pouco uma entidade com que se possa negociar ( o que os EEUU fará mesmo assim, sem outra opção). Sendo o país em questão o Afeganistão, não se tornarão rico os talibãs (o Afeganistão quase não tem petróleo, tem pouco minério, agricultura de subsistência, excepto a do ópio, não que sejam esses recursos insuficientes para manter um Estado, atenção, não são!) mas atualmente esse país não tem mais uma posição estratégica, como teve, de encruzilhada de culturas e comércio, perdido no meio do nada, com uma terrível geografia, e ainda pior orografia, não serve para nada, não se tornará rico, só lhe resta tornar-se perigoso.

Desde o Estado tampão dos jogos de poder entre a Rússia e a Inglaterra, quando os senhores Mujaedins das 34 províncias restringiram-se ao poder local, que esta área geográfica nunca mais se tornou uma nação, é uma porção de terra que existe no planeta povoada por 38 milhões de almas, é um enclave no meio de nações fortes, sem saída alguma, nem para o mar, que não tem; é uma terra de ninguém, que ninguém quer, e que ficou claro desde os acordos de Bonn em 2001, 5 anos depois do domínio talibã, e da conferência de doadores, que houve em Tóquio no ano seguinte, que ninguém se importava verdadeiramente com o Afeganistão, e que seu futuro era absolutamente incerto (diferentemente do que se passa na Síria de Bashar Al-Assad, onde esse cruel ditador assassino é aceito – ainda que ninguém afirme isso – por que ele tem poder administrativo e beligerante, o que os sucessivos governos afegãos nunca conseguiram demonstrar ter) e, agora, os americanos cansados de manterem lá os seus fantoches no poder, se retiraram derrotados, não militarmente mas estratégica e politicamente, e vemos voltar a se repetir a história de 1996 – com a volta dos talibãs ao poder – e haverá a reinstalação das escolas de terror, só não há mais Budas em Badian para eles dinamitarem.

O homem dos três bin e o futuro.

Tendo se apercebido desta situação, o terrorista Osama foi para o Afeganistão, e lá instalou suas bases de treinamento de terroristas, o braço armado da Al-Quaeda. Como, com a expulsão dos talibãs, Osama perdeu a proficiência de sua capa protetora, passou a escolher outras plataformas para a Al-Quaeda, ele mesmo passando a esconder-se nos montes afegãos, e a ir a outros países, entre estes o Paquistão onde acabaria por ser morto, há dez anos, por um comando norte-americano. No entanto muitas das estruturas que criou mantêm-se ativas, ou adormecidas, tão logo o poder dos talibãs permita, voltarão todas a re-instalarem-se no Afeganistão, e haverá muitos mais campos de treinos, formação de grupos, e atividade terrorista pelo mundo fora. Isso era de ser evitado, mas não surgiu um ditador assassino para pôr mão forte naquele país. Os que puderem, e serão milhões, irão fugir (para a Europa preferivelmente), a Turquia, transformada em enorme campo de concentração, não poderá mais conter os refugiados, e vai haver enorme conflito. Está criado o cenário da tempestade perfeita, agora só faltam os ventos soprarem para que do primeiro Estado talibã, o que equivale a dizer terrorista, se espalhe a praga do terror, tornando o mundo ainda mais inseguro e perigoso.

Imagem de capa D.R. Amber Clay por Pixabay 

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