No futebol de elite o treinador precisa de estar consciente da importância da recuperação para que os seus jogadores consigam fazer face às exigências do jogo e serem capazes de pôr em prática o plano de jogo. Embora existam algumas “estratégias táticas” para combater a fadiga – como a rotatividade da equipa; a organização defensiva com pressão efetuada com mais jogadores e em zonas mais baixas; ou a realização de substituições para aumentar a frescura da equipa – é fácil entender que a desvalorização da fadiga da sua equipa pode ser a diferença entre uma vitória e uma derrota, entre um campeonato ganho ou perdido nos “detalhes”.
O treinador pode proporcionar aos jogadores dois aspetos fundamentais para o sucesso da equipa:
- Assegurar uma boa recuperação
- Preparar o plano para o jogo.
Centrando-nos no primeiro aspeto, como podemos assegurar que os jogadores recuperam?
Importa salientar que a recuperação do jogador de futebol é conseguida sobretudo através do sono e alimentação adequada, principalmente nas horas imediatamente a seguir ao jogo. Dar, aos jogadores, tempo para dormir é determinante. Isso pode ser assegurado ao abdicar de um treino ou alterar o horário para permitir aos jogadores dormir mais e melhor. Sabemos que o nível de excitação após o jogo, normalmente, impede uma boa noite de descanso em jogos com término tardio. Para além disso, poderemos garantir, com a ajuda dos departamentos médico e de otimização da performance, a alimentação e hidratação adequada no snack pós-jogo e na refeição seguinte, pois são estas as refeições mais importantes para acelerar a recuperação.
O que priorizar na recuperação?
O Treinador pode optar por dar uma ou várias folgas após o jogo. Habitualmente, a escolha do(s) dia(s) está dependente do resultado do jogo, da realização de uma viagem longa durante a noite; da distância para o jogo seguinte; entre outros fatores. Com jogo após 3 dias não é aconselhável conceder folga, uma vez que se perde um momento para tentar acelerar os processos de recuperação. Uma alternativa viável é realizar o treino seguinte à tarde para permitir repor o sono. Nestes casos de microciclo congestionado (dois ou mais jogos por semana) é importante ter em conta tudo o que está ao alcance do staff para ajudar os jogadores a recuperarem rapidamente. Os banhos de contraste, a electroestimulação; as sessões de libertação miofascial; as meias de compressão e as massagens terapêuticas são meios de recuperação aconselhados na maioria dos casos e devem atender, sempre, às necessidades específicas de cada indivíduo.
Os jogadores que não jogaram devem ser sujeitos a um treino onde o propósito é não só recriar as demandas físicas exigidas pelo jogo como também atender às especificidades individuais de cada jogador. Neste treino podem ser realizados os planos individuais com as ações específicas que os jogadores precisam de melhorar. Mencionamos os seguintes exemplos: médio centro que necessita de melhorar o passe longo com o pé não dominante; o avançado que procura melhorar o timing da desmarcação circular ou o defesa que beneficia em executar de forma analítica ações máximas de aceleração e mudança de direção que serão úteis para o momento de pressão ao avançado que recebe no espaço entre linhas. Todos estes são exemplos de trabalho que procura o desenvolvimento individual do jogador.
O cenário ideal para simular a exigência da competição é a realização de jogo formal. Dado que raramente o número de jogadores para treinar excede os 12 jogadores de campo, os formatos de jogo são obrigatoriamente reduzidos (máximo 6 contra 6). Contudo, espaços de jogo mais curtos e maior densidade de jogadores não permitem a realização de distância percorrida proporcional ao jogo e, principalmente, a alta intensidade. Assim, para colmatar esta falha o Treinador poderá “convocar” jogadores das equipas B, sub-23 ou juniores, de modo a aproximar a relação numérica e o espaço ao de um jogo formal. Ao utilizar os dados do GPS para fornecer informação, no momento, é assegurado com objetividade o treino adicional que cada jogador deve realizar para atingir os objetivos pretendidos. Sempre que possível, o treinador deverá criar cenários de contexto de jogo que, simultaneamente, levem os jogadores a ter a carga/dose de treino desejada. Como exemplo, o treinador ao reproduzir situações de finalização com as movimentações específicas do jogo consegue também suprir as carências de distância em corrida de alta intensidade e sprint dos jogos reduzidos.
Treinar a recuperar?
Nas 48 horas seguintes ao jogo, é recomendado treinar a recuperar; isto é, os jogadores que jogaram deverão realizar treino de recuperação onde o principal propósito é esse mesmo – recuperar/regenerar.
Pode fazê-lo através da realização de atividades que eles apreciem. Pedalar debaixo de água e fazer fortalecimento da estrutura muscular de apoio (core e membros superiores) para além de benéfico costuma ser bem aceite pelos jogadores. Até algo completamente inabitual, como uma sessão de yoga ou arvorismo (alta exigência de equilíbrio e estabilidade) resultam eficazmente! Estas atividades são interessantes para realizar no dia após o jogo porque além dos efeitos fisiológicos benéficos, nomeadamente a nível muscular, têm um efeito positivo na sensação de bem-estar do jogador ao aliviar o stress provocado pelo jogo e ao quebrar com a monotonia da rotina de treino e jogo.
Dois dias após o jogo, apesar de alguma investigação científica ter revelado que alguns indicadores inflamatórios estão no seu expoente, pela nossa experiência os jogadores já demonstram vontade e capacidade de treinar “recuperando” no relvado. Exercícios de coordenação e agilidade com alta frequência gestual de forma a ativar o Sistema Nervoso Central e de preferência com utilização da bola; mobilidade da anca (utilizando barreiras, por exemplo) e alongamentos dinâmicos são alguns exemplos quando a principal preocupação é a recuperação do jogador para o estímulo mais exigente: o jogo. Acrescentando jogos de “dinâmica de grupo”, “pataleca”, “meeinhos” (com pouco espaço e muitos jogadores) e futevolei (com rede baixa sem saltos ou movimentos explosivos) pode-se potenciar, de forma divertida e em grupo, a recuperação de cada jogador.
Como preparar a equipa para o jogo “sem poder treinar”?
As equipas profissionais estão sujeitas a um excessivo número de jogos com pouco tempo para recuperar entre jogos. Deste modo, é crucial encontrar estratégias para transmitir aos jogadores o plano de jogo. A utilização do vídeo com a abordagem estratégica será determinante. Este deve conter uma mensagem clara daquilo que a equipa precisa de fazer, especificamente naquele jogo, para vencer. Num microciclo com 3 dias de treino, o treino do plano de jogo deverá ser efetuado no dia prévio ao jogo, dado que, nos primeiros dois dias, a fadiga não permite o desempenho dos jogadores com a qualidade necessária e o risco de lesão está exponencialmente aumentado. Mesmo num microciclo com 4 dias de treino, o plano de jogo deverá ser treinado apenas o tempo necessário para que os jogadores percebam e executem com máxima intensidade. Para isso, terá de ser o mais aproximado possível à situação de jogo. Poderá ser feito em situação 10 contra o Guarda-Redes (coreografia) ou, por exemplo, no formato de jogo. É preponderante o treinador parar após cada situação se concretizar de modo a possibilitar a qualidade ótima do desempenho nas situações seguintes, bem como para intervir no sentido de clarificar alguns aspetos relativos ao plano de jogo.
Por fim, queremos esclarecer que as abordagens acima mencionadas são propostas de intervenção que os autores acreditam, neste momento, serem eficazes para solucionar problemas da prática profissional. Todavia, o conhecimento e as experiências no futebol oferecem uma panóplia muito grande de interpretações da realidade e consequentes intervenções. Cada contexto tem diferentes exigências e, por isso, existem múltiplas abordagens que poderão ser igualmente eficazes.
Gabriel Silva
Mestre em Treino de Alto Rendimento Desportivo pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) e doutorando em Ciências do Desporto, pela mesma Faculdade, na área da periodização do treino de futebol. É, atualmente, treinador adjunto do Al-Feiha da Arábia Saudita.
Co-autor: Francisco Sá
Licenciado em Educação Física e Desporto pela Universidade da Madeira e mestrando em Treino de Alto Rendimento Desportivo pela FADEUP. Possui experiências enquanto treinador adjunto de futebol a nível nacional e internacional, onde se destacam as passagens pelo União da Madeira e pelo Al Nahda de Omã.