Nos dias de hoje, a humanidade tornou-se insatisfeita e triste. Somos uma geração com grande conforto, com acesso a educação e cultura, com capacidade tecnológica para quase tudo; mas somos também uma geração infeliz. Já se deram conta disto?
Por vezes, dou por mim a pensar nisto e a comparar-me com uma geração não muito distante – a dos nossos pais – e a constatar que eles pareciam ser mais felizes; ainda que com menos. Mas mesmo ignorando este aspecto materialista, vejo que muitas das coisas que nos aborrecem não os aborreciam a eles… Contudo, aquilo que mais sinto é que ele tinham mais tempo para viver. De alguma forma mágica – para mim, apenas o pode ser – eles conseguiam ter tempo para as suas coisas- fosse lá isso o que fosse -, apesar de trabalharem 8 horas por dia – como nós – e deslocarem-se, maioritariamente, numa rede de transportes públicos deficitária ou com tempos consideráveis de deslocação para o trabalho.
Durante algum tempo atribui isso à forma como o trabalho é experienciado. Dei por mim a pensar que a pressão que é colocada sobre nós, hoje em dia, em termos laborais, é muito superior à que eles teriam; e, por consequência, a tendência para exaustão é maior. Contudo, acho que não é só isso…
Tudo aquilo que nós pretendemos ter, hoje, é uma construção dos outros. Não deveria ser; mas é. E até podem não concordar; mas acho que estão errados…
A diferença geracional de felicidade não se justifica por aquilo que temos; mas por aquilo que não tinham os nossos pais. Os nossos pais não tinham pressa; os nossos pais não queriam resultados em pouco tempo; os nossos pais não tinham a ilusão de que tudo é possível…
Não nos enganemos, entretanto. Os mecanismos que existem hoje, que nos tornaram nesta máquina devoradora de produtos e conteúdos, já existiam; só que hoje são muito mais, e mais eficientes, o que significa que dificilmente lhes resistimos…
Os nossos pais vierem ao mundo e aprenderam com os pais deles o que seria uma vida boa. Já nós viemos para a Terra com maior independência intelectual e, devido a uma maior grau de educação, pretendemos logo conquistar mais do que os nossos pais; e os nossos pais sempre nos apoiaram nisso porque, a dada altura, também entenderam que repetir a vida dos pais não fazia sentido no grande quadro da evolução e porque gostavam que os filhos não tivessem de lutar tanto como eles…
E não lutamos; pelo menos, nos mesmos campos. Lutamos noutros: na busca de um propósito.
Acredito que uma larga maioria de nós – pelo menos, de vez em quando – se questiona sobre o sentido disto tudo; principalmente quando não se revê no que faz, no que tem e naquilo que pretende para o seu futuro. E é neste momento que se dá o curto-circuito e que nós entramos em piloto automático.
Se é bem verdade que os objectivos que criamos para nós são decisões nossas, será igualmente verdade que essas nossas escolhas foram completamente independentes?
Numa primeira instância todos dirão que sim. Mas permitam-me discordar…
Será que o automóvel que almejamos é inteiramente uma escolha nossa, baseada somente nas nossas necessidades?
Tivemos o cuidado de inventariar aquilo que necessitamos num carro? – Atenção que não disse queremos!
E quanto aos nossos smartphones?!
Também o fizemos?
Não. Fomos ao mapa-mundi da publicidade, a internet, e aí consultámos as marcas, vários blogues – alguns da especialidade e outros de opinião – e depois, já com uma opinião mais ou menos formada, até falámos com alguns amigos sobre as nossas opções. Por fim, fizemos a aquisição.
Pergunto, de novo: a compra foi fundamentada só na nossa necessidade ou também naquilo que nos «venderam»; nas opiniões dos outros?
Se tivesse de quantificar, diria que 95-99% da nossa aquisição é formatada pelas opiniões do outros e, apenas, 4-5% é influenciada por nós; e, muitas vezes, essa influência resume-se ao facto de se precisar – ou querer muito – algo.
Sim. A escolha pelo carro X ou Y, ou pelo Smartphone A ou B, foi nossa – inteiramente -, mas não foi uma escolha informada…
Diremos que não é assim, porque foi muito informada. Porquê? Porque nos informámos e porque vimos as diferentes opções?!
Verdade. Mas tudo isso é ilusório, porque tudo o que deveríamos ter feito era olhar para as nossas necessidades reais. Se o fizermos – e, convido a fazê-lo, agora – veremos que adquirimos muito mais do que aquilo que realmente necessitamos e usamos. E isso só aconteceu porque o nosso desejo inicial foi sendo manipulado e reconstruído pelas informações que consumíamos… Portanto, o que adquirimos foi uma ideia construída por outros.
Mas teríamos – realmente – outra opção?
Eu penso que sim; mas seria complicado… A máquina está montada e funciona.
O volume de oferta, hoje, é tal que todos receamos fazer uma má escolha e até nos sentimos um pouco perdidos. Se formos a um restaurante e nos apresentarem 5 ou 6 pratos, não teremos dificuldade em escolher; mas, se nos apresentarem 20 ou 30, a dificuldade ganha proporções gigantescas, cria-nos ansiedade e damos por nós a querer saber o que diferencia o «bife à chefe» do «bife à casa»… É normal, porque o ser humano é competitivo, que se queira escolher bem; principalmente com os volumes de oferta atuais e a máquina de marketing e publicidade existente.
Agora, façam-me o favor e sigam o meu raciocínio…
Nós somos submetidos à máquina desde miúdos; o consumo de publicidade e marketing rebenta com todas as escalas, porque está em todo o lado. E, por isso, desde tenra idade que vamos fazendo projectos para o nosso futuro, desejando isto ou aquilo, construindo crenças de que nossa felicidade só será possível se um conjunto de circunstâncias muito concretas – e físicas – se verificarem. E tudo isto assenta naquilo que o nosso cérebro interpreta da realidade que, por sua vez, é manipulada e reconstruída pela publicidade, marketing e opiniões de outros…
Se assim é, até que ponto o nosso paraíso – o nirvana da nossa felicidade – é realmente nosso?
Hoje, somos bombardeados com imagens de felicidade associadas a aquisições, a experiências, e damos por nós – ainda que inconscientemente – a desejar ter tudo isso para podermos ser felizes; porque tudo o que queremos é ser felizes. Mas ao mesmo tempo constatamos que não temos recursos – seja dinheiro ou tempo – para perseguir todas essas cenouras e isso gera tristeza, amargura e frustração…
Hoje, passamos o tempo a correr atrás das promessas de felicidade, de imagens construídas dessa felicidade, como se alguém nos pudesse, de facto, dizer que se fores assim e tiveres assado serás feliz.
Hoje, aquilo que ambicionamos para nós – para a nossa felicidade – é uma construção dos outros; e é por isso que andamos infelizes, pois mesmo que agarremos uma daquelas cenouras, logo nos acenam com outra, porque afinal a primeira cenoura não nos trouxe toda a felicidade possível. E atrás dessa virá outra e outra e outra, porque nós – de tão infelizes que andamos – perseguimos os sonhos que nos «vendem», por mais loucos que pareçam, porque acreditamos que a felicidade pode ser instantânea e comprada; e que se pode ser comprada está ao nosso alcance a troco de um valor…
No tempo dos nossos pais, porque eles não tinham pressa de ter as coisas, porque não queriam resultados instantâneos e porque sabiam que nem tudo era possível, dava-se tempo ao tempo – que é uma espécie de fé – e esperava-se; entretanto, levava-se a vida com o que se tinha e, com isso, tentava-se fazer o melhor que se podia. E isto não é conformismo; isto é saber estar, reconhecer o seu lugar no mundo, perceber que uma semente leva tempo a crescer e que nem para tudo há uma App.
Hoje, queremos tudo para ontem e, porque a felicidade – acreditamos – tornou-se um produto, achamos que se pode comprar, como se fosse um pacote de leite ou um bilhete de concerto; quando acabar, compramos mais. O único problema é que nem aquilo que nos fazem acreditar ser a felicidade tem o custo de um pacote de leite, nem a felicidade existe fora de nós mesmos…
Enquanto não entendermos isto, enquanto não percebermos que aquilo que nos dizem poder fazer a nossa felicidade apenas garante recursos para a felicidade a quem constrói essas ideias de felicidade, seremos vítimas desta máquina que a troco desta nossa busca intrépida pela felicidade nos vai fazendo mais infelizes…