A justiça em Portugal… Em Portugal… Mas o que é a justiça!? Nem sei se deveria grafar com “J” maiúsculo, pois não sei sobre que justiça poderei discorrer, se de uma especialidade do Direito, se desse conceito abstracto que promete uma certa igualdade entre pessoas, se de uma deusa com os olhos vendados, se de tudo isto ou mesmo se de nada disto… Dum certo ponto de vista, o título pode estar já errado, ao admitir que há uma justiça em Portugal diferente da do resto do Mundo.
Ainda poderia cogitar numa relação entre a língua e a justiça, ou não estivéssemos a tratar de conceitos, a discutir premissas e a esgrimir ideias – e toda esta comunicação está intimamente ligada à nossa língua. E a Língua Portuguesa, que nos une nesta nosso jornal A Pátria, poderia também unir as justiças; portanto, será a justiça a mesma neste diverso mundo da lusofonia? Duvido, exactamente por haver tanta diversidade (abrange quatro continentes, com diferentes raízes socioculturais, com índices de desenvolvimento humano também muito diferentes, etc.). Poderemos então falar numa justiça europeia, por exemplo? Bem, numa UE em que já temos uma moeda comum, e em que já se fala em impostos comuns, há uma constituição comum, há tribunais europeus, além das comuns directivas europeias que se vão transpondo para a lei de cada país. Estamos a perder a autonomia que nos resta? Enfim, mais um tema que nunca estará encerrado…
Assim, porventura, fizesse mais sentido ser um especialista em Direito a discorrer sobre este tema, mas talvez alguém de fora, como um cientista, como um cidadão atento, possa ver melhor do que aqueles que já se formataram para uma certa “justiça” que é o seu dia-a-dia. Esta pretende, pois, ser a visão dum leigo nas matérias do Direito, mas um leigo atento ao quotidiano. Um leigo atento a Portugal.
A visão comum da justiça em Portugal parece-me ser negativa, neste contexto assumindo que justiça é aquela dos tribunais, dos centros de arbitragem, dos julgados de paz, dos juízes, dos advogados, dos solicitadores, dos políticos, e outros intervenientes que tais (todos sabem do que estou a falar), chegando àqueles que, possivelmente com pouca vontade, a todos estes têm de recorrer, e que somos todos nós: os contribuintes. Um contribuinte, quer-me parecer, olha para a justiça como mais uma máquina sorvedora de dinheiro, uma máquina lenta, pesada, burocrática, ensimesmada, ineficaz. Penso que o principal problema será mesmo o da ineficácia pois se fosse eficaz a distribuir justiça talvez justificasse todos os restantes males, mas nem isso…
E, a propósito, a justiça baseia-se em leis, certo? E quem as faz? Quem faz as leis são os advogados ou os juízes? Na verdade até serão os políticos, que podem ser advogados ou juízes ou solicitadores ou outra coisa qualquer, o que não é bem a mesma coisa (o artigo da tecnocracia continua prometido)… Recordemos aqui o relatório da OCDE, e que aqui já referi há duas semanas, que antes de ser conhecido já era rotulado de exagerado, por incidir na corrupção (como se não fosse um problema e como se não fosse um assunto relevante para o país), e que curiosamente parece coincidir com esta visão banal da justiça em Portugal…
Vamos fazer aqui um pequeno exercício, possivelmente bastante grosseiro: temos pessoas que criam leis, leis essas que vão ser interpretadas por outras pessoas de modo a julgar terceiros; quem parece ser o mais poderoso da equação? Os criadores de leis, é claro. Mas atenção que há uma constituição a cumprir, que é uma lei acima das outras leis, também essa criada pelos mesmos criadores de leis e que corresponde à classe política. Esta classe, que é eleita pelos terceiros (leia-se o povo) para seus representantes, caso fizesse leis muito escorreitas tornaria redundante a classe que interpreta as leis que julgam o povo, sendo estes os “segundos”, compreendendo advogados, solicitadores e afins, nomeadamente os juízes, que parecem ter a força da decisão final sobre os assuntos que apreciam, dentro de limites razoáveis (e quais serão esses limites?). Se as leis fossem perfeitas, os especialistas do Direito seriam substituídos por pessoas que percebessem bem a língua Portuguesa (o que penso ser cada vez mais raro no nosso país), pois seria o suficiente para a interpretação da lei. Utopias…
Na base da pirâmide temos então aqueles que têm de se sujeitar às leis que os seus representantes criaram e que os seus avençados por incompetência própria têm de analisar e interpretar, apesar de ser a classe do povo a maior em quantidade e a que paga tudo isto. Atenção que não estou a dizer que isto é assim, estou apenas a dizer que para um leigo parece ser este o funcionamento da justiça. É que, para os leigos, isto não parece fazer qualquer sentido: então eu pago para o meu representante fazer más leis, que o protegem mais a ele do que a mim, e que consequentemente necessitam de um intérprete, e no final ainda há uma probabilidade maior do julgamento me ser desfavorável? Gostaria, encarecidamente, que alguém me explicasse se isto funciona de uma maneira diferente daquela que parece ser, pois gosto imenso de estar esclarecido. E serei só mais um no povo…
Parece ser aqui o ponto para tentar concretizar com alguns bons exemplos. Esta semana, no seguimento das últimas semanas, dois personagens têm-se destacado nas notícias sobre justiça em Portugal. Dois seres em tudo diferentes, que coincidem no estrelato no tempo: Neto de Moura e Rui Pinto. Um juíz, Neto de Moura, que parece alguém retrógrado e conservador (espero que esta simples adjectivação não seja motivo para também me processar, já que este juíz parece querer disparar para todos os lados – cuidado com os tiros nos pés…). Aliás, alguém altamente retrógrado e conservador, e chega dizer isto porque tudo o resto já foi dito e haveria tanto mais a dizer que se torna inútil dizê-lo: é ridículo alguém assim ser juíz na nossa sociedade, no nosso tempo…
Para quem não tiver tido acesso a rádio, televisão e redes sociais nas últimas semanas, este é um juíz que se tornou conhecido por decisões polémicas a propósito de violência doméstica, com grande empatia pelo agressor, desde que não seja mulher – assim parece o seu critério… Acresce ainda que, não contente com a sua acção profissional discutível, ainda parece tentado a processar toda a gente que o critica – sem ter de pagar as custas judiciais por isso, em mais um exemplo duma injustiça da justiça… Há aqui questões que se levantam: pode um indivíduo com esta atitude, e carácter, ser juíz? Bem, pode, e efectivamente é. Mas, então, deve uma pessoa assim exercer um cargo tão “sensível” como o de juíz, com poder de decisão sobre a vida de pessoas? Sobre o destino da sociedade? Nas últimas horas têm surgido notícias a afirmar que este juíz será afastado do julgamento de casos de violência doméstica. Portanto, alguém com este carácter já terá um julgamento “justo” em outras matérias? Novamente discutível, no mínimo.
Como se não fosse suficiente, é igualmente anunciada a criação de tribunais especializados, como no caso um tribunal especializado em violência doméstica – e aqui volto a perguntar: há uma justiça ou várias justiças? Há dificuldades legais para implementar esta medida de especialização judicial, e portanto é possível que muita tinta corra ainda sobre este tema. Para já, e à nona semana de 2019 atingiu-se a dúzia de mortes por violência doméstica em Portugal – é preciso escrever mais ou já parece certo que algo irá mal com a nossa justiça?
O contemporâneo do juíz no mediatismo judicial, digamos assim, é o jovem Rui Pinto (pelo menos parece bastante jovem), comparativamente muito mais à frente no seu tempo, ou não fosse o chamado hacker (pirata informático na prática da nossa língua). Portanto, para perceber de informática é porque já ultrapassou a idade da pedra, e dos apedrejamentos públicos… Este pirata estará há já alguns anos ligado à delacção do obscurantismo do futebol, e associado às Football Leaks. Na verdade, parecendo jovem, afinal é um denunciante veterano!
Curiosamente, apesar de estar a denunciar possíveis casos gravíssimos de corrupção, a justiça portuguesa parece extremamente interessada apenas em levar o delator a tribunal, em vez de investigar o trabalho por ele desenvolvido, trabalho esse melhor do que o que foi feito pela própria justiça, e que é seu objecto, uma vez que em Portugal nunca ninguém verdadeiramente relevante para a sociedade é condenado (não digo eu, diz a vox populi…). A verdade é que há empréstimos/doacções (conforme as visões do assunto) verdadeiramente principescas à banca, decorrentes da incompetência ou ilicitude de alguém que nunca é identificado, ou quando identificado não chega a sofrer consequências das suas acções. Isto também acontece no já citado futebol, em que a culpa deve ser da bola por ser esférica e andar de pé em pé, onde parece, sublinho, parece que algo estará à margem da lei em Portugal (ainda esta semana foi pedida a insolvência de um clube grande em Portugal); acontece com pessoas que enriquecem quando chegam à política (coincidência?); acontece com pessoas com títulos (como comendadores, vá) que de artistas têm colecções e de milhões deixam buracos para alguém tapar.
Parcerias público-privadas. Orçamentos de obras públicas sempre multiplicados. Todos estes são exemplos de negócios ruinosos para o estado. Nunca há culpados?! Há sim, há prevaricadores como este pirata que felizmente serão resgatados a essa Europa libertina e que vão pagar pelos seus crimes, pois afinal ser chibo e bufo é feio… Em outros países da Europa, curiosamente, e notavelmente na França, era um protegido da justiça e colaborador da mesma como delator, ou informador se quisermos um termo mais suave, na luta contra a corrupção. Na Hungria (esse estado onde a extrema direita avança lentamente, … , mas não vamos por aí), vamos ver se a extradição avança, e parece que não será pacífica para o delator. Por que parece mais importante condenar o mensageiro do que os crimes de corrupção? É esta a pergunta que se impõe. E os Ruis Pintos desta vida são vilões ou são heróis?!
Para acabar, deixo-vos uma fotografia do Baluarte Redondo, parte do Forte de Peniche, de onde se evadiu o comunista António Dias Lourenço há mais de 60 anos, e que antecedeu a famosa fuga do Álvaro Cunhal (e mais 9) do mesmo local. Com este exemplo de um monumento da justiça de Portugal de outros tempos, tempos aos quais penso que ninguém quererá voltar, deixo o convite à reflexão sobre a justiça que temos, e aquela que queremos.
Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.



