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Lembrar-se da Cidade: um exercício de preservação da memória e de edificação de novas “urbanidades”

Lembrar-se da Cidade: um exercício de preservação da memória e de edificação de novas “urbanidades”

(…) a memória não preexiste de maneira simples, mas múltipla, estando registrada em diversas variedades de signos

(Freud, 1896, p. 317).

Sem memória não saberíamos quem somos nem para onde vamos. E quando se fala de memórias referimo-nos à faculdade de relembrar experiências passadas. A memória nas cidades, a história dos lugares, as marcas do tempo, relacionam-se com as vivências das pessoas: o passear pelos jardins, a “bilhardice” junto ao adro da Igreja, o pôr do sol no horizonte da rua, entre edifícios, modificando as cores das fachadas pela luz ténue, as confraternizações e comemorações nos quintais, a água que corre junto às ribeiras, as festas na cidade, os ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas ou os telhados recortados pela luz.

As pessoas idosas, quando falam das suas memórias, a respeito de outro tempo, ou seja, de como era a cidade, revelam sempre um aspeto negativo. Era a “cidade do tinha” e agora não. Este artigo considera, a partir de  Nogueira Pereira & Vidal (2018), um conjunto de visões sobre a coexistência do património histórico com a mutabilidade característica das cidades contemporâneas.

Bruno (2013) afirma que:

Quando tiramos fotos é (…) para guardar a lembrança dos acontecimentos, de encontros ou momentos rituais de todo tipo que acompanham nossas vidas. (…) como as grandes árvores, as fotografias precisam envelhecer. Os suportes de nossas memórias são múltiplos, como são as escritas humanas. (…) A memória é o suporte fundamentalmente imagético e imaginário de nossas histórias de vida. Essas lembranças não são apenas de ordem racional, mas são geralmente e inconscientemente – os espaços e expressões de nossas sensibilidades e paixões diante da vida. (pgs. 129; 130; 140)

Tuan (1983), lembra-nos que “Lugar é uma pausa no movimento”, e isso “permite que uma localidade se torne um centro de reconhecido valor.” De acordo com Tuan (1983), o passado pode ser tanto recordado quanto reinventado. As ruínas são uma construção social, uma “decadência política e…incúria dos indivíduos” (Fortuna, 1995, p.15), pelo facto de serem exatamente ruínas e de terem perdido a sua função e utilidade, ou seja, o fim para o qual foram construídas. Simmel (1959 [1911]) citado por Nogueira Pereira & Vidal (2018) refere que, a ruína enquanto lugar de memória “cria a forma presente da vida passada” (p.108).

A ruína é vestígio de um lugar outrora habitado que identificando a memória genética desse lugar, possibilita a instituição de novas memórias. Por isso, “(…) é um local de vida de onde esta já desapareceu” (Simmel, 1959 [1911], p. 261). Habitar a cidade implica dotar os seus habitantes deste direito de usufruir vários tempos ou de outro modo (re) habilitar, no presente, as dimensões do passado e do futuro de uma cidade, significa um direito à memória, à história, e à identidade dos que lá vivem.

Reconstruir e reabilitar edifícios registando lembranças, memórias do passado, só tem importância quando se possibilita a criação de novos discursos, próprios, que possam por isso conferir uma certa identidade urbana participada: uma urbanidade livre e “aberta”, por construir. Nas ruínas encontram-se inscritos pedaços da memória coletiva, fragmentos que permitem que os indivíduos se identifiquem com restos do passado.

A falta de confiança generalizada no futuro próximo por parte das pessoas e instituições dificulta a tomada de decisões de investimentos, sobretudo em atividades onde estão envolvidas verbas expressivas, pelo que se prevê que se prolongue por mais algum tempo, no pressuposto que não exista um agravamento da presente crise económica e social.

Como se refere em “Arquitetura: lugar de permanência” (Goes & Freitas, 2020), a partir de Muxi (2004), a discussão sobre a qualidade das transformações que acontecem nos territórios que habitamos é fundamental pois toda a intervenção arquitetónica, determina a paisagem e infere impactos sociais e económicos, redefinido esses lugares. E como referem, a “desfuncionalização” dos espaços desabitados, muitas das vezes, é consequência da não identificação cultural de uma sociedade com esses espaços. De acordo com Goes & Freitas (2020), a não superação das transformações que acontecem no decurso do tempo, no edificado e no território é também causa e origem desse mesmo processo de não identificação e recusa.

“Os lugares são mais fortes que as pessoas, o cenário mais que o acontecimento. A possibilidade da permanência é o único critério que permite que a paisagem ou as coisas construídas sejam superiores às pessoas”.

(Rossi, 1966)

Ora, o exercício da arquitetura exige humildade e tempo. O Tempo é uma das chaves de compreensão dos fenómenos arquitetónicos.  Aldo Rossi (1966) que atribuía com a sua «teoria da permanência», uma maior importância à variação temporal, reconhecendo nas cidades marcas e edifícios-monumentos que ao acompanharem a sua história asseguram muito da suas múltiplas identidades: “urbanidades”. 

Só se pode resgatar o tempo escoado no espaço da cidade, com uma visão estratégica interdisciplinar, que considere particularmente o Turismo, como fator determinante na preservação da memória. A preservação e divulgação do património cultural das cidades contemporâneas possibilita que estas, ao edificarem novas “urbanidades”, se tornem lugares mais abertos ao mundo. 

Referências bibliográficas:

Bruno, Fabiana. (2013). Imagem-escrita nas fotobiografias. In: Família em Imagens. Bárbara Copque, Clarice Ehlers Peixoto e Gleice Mattos Luz (Orgs). Rio de Janeiro: Editora FGV.

Fortuna, C. (1995) Por entre as ruínas da cidade: o patrimônio e a memória na construção das identidades sociais. Oficina do CES, 1-31.

Freud, S. (1976 [1896]). Carta 52. ESB. vol. 1. Rio de Janeiro: Imago

Goes, D. & Freitas, L. (2020, outubro 14). Arquitetura: lugar de permanência. Lisboa: Jornal Económico. Disponível em: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/arquitetura-lugar-de-permanencia-648621

Muxi, Z. (2004). La Arquitectura de la ciudad global. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli.

Nogueira Pereira, Catarina & Vidal, Diogo. (2018). Patrimônio(s) e Lugares de Memórias: uma reflexão sobre a cidade do Porto, Portugal. Revista Café com Sociologia. 7. 98-112. ISSN: 2317-0352 

Rossi, A. (1966). L’Architettura della città. Padova: Marsilio.

Simmel, Georg. (1958) Two essays. The Hudson Review, 371-385.

Simmel, Georg. (1959 [1911]). The ruin. In: Wolff, Kurt. Essays on sociology, philosophy and aesthetics. Nova Iorque: Harper.

Tuan, Yi-Fu. (1983). Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. Tradução: Lívia de Oliveira. São Paulo: Difel.

Imagem: Foto D.R. Bocker (1940). Disponível em: https://www.educolorir.com/foto-ruinas-de-calais-franca-i13041.html

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