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Retrato da cólera nos jornais oitocentistas de Guimarães

Retrato da cólera nos jornais oitocentistas de Guimarães

O século XIX ficou marcado pela industrialização, urbanização e em simultâneo pelo surgimento de vários surtos epidémicos em Portugal. Além das habituais epidemias como a febre amarela, varíola e peste, a Europa viu surgir pela primeira vez outras doenças, como a cólera que rapidamente se manifestou por todo mundo. A cólera teve especial realce devido à elevada taxa de mortalidade que causou, ainda que existam autores que defendam que outras moléstias como a febre-tifoide, escarlatina, sarampo e sobretudo tuberculose ultrapassaram o número de mortes desta enfermidade. No entanto, a cólera destacou-se pelo medo que espalhou pelo Velho Continente, pelo maior impacto na sua divulgação, nomeadamente na imprensa e pelas medidas sanitárias que foram tomadas pelos diferentes estados[1].

Esta epidemia, de origem asiática, apareceu em Portugal na década de 30, mais precisamente em 1832, trazida por um navio proveniente da Bélgica com soldados que iriam auxiliar as tropas liberais no cerco do Porto. A moléstia atingiu várias vezes, ao longo do século XIX, o país ainda de que forma pouco homogénea, afetando de modo diferenciado as várias regiões. A primeira vaga, apesar de visível na região Norte, deixou-a quase ilesa, ao contrário do que sucedeu no decénio de 50, quando a doença penetrou no país a partir de Espanha. No geral, as regiões fronteiriças foram em todos os períodos epidemiológicos as mais afetadas.

Guimarães também não conheceu todos os surtos de cólera da mesma forma. Na década de 30, a epidemia atingiu a cidade ainda que de forma discreta. Apesar de ser descrito no Relatório da epidemia da Cholera Morbus em Portugal 1855 e 1856[2] que o primeiro surto colérico não afetou o distrito de Braga, João Lopes de Faria, escritor vimaranense afirma, em 1833, terem sido atacadas pela Colera morbus, “4 mulheres, tendo nos dias anteriores sido atacadas mais algumas, o que aterrou muito a população” e referir a morte da “creada do corregedor e de ser mais duas mulheres e um homem infetados” dias depois do primeiro relato[3].  

A segunda vaga de cólera atingiu o território português na década de 50. Esta pode ser dividida em três momentos: o primeiro entre 1848 e 1849; o segundo ocorreu entre 1853 e 1854, sobretudo nas regiões do Minho, Alentejo e Algarve, como comprova o Breve Relatório do Cholera Morbus em Portugal nos annos de 1853 e 1854[4], e o último, desenvolveu-se entre 1855 e 1856, com o reaparecimento da doença nas zonas fronteiriças, vinda de Espanha e do Norte de África.

O segundo surto foi noticiado na imprensa vimaranense, apenas na sua fase final, mais precisamente durante 1856 através da publicação de notícias nos jornais O Moderado e no Tesoura de Guimarães, periódico caraterizado pelo seu cariz político, instrutivo e noticioso, constituiu um elemento informativo do partido Regenerador, e por isso defensor do credo liberal de Fontes Pereira Melo[5].

As notícias publicadas foram em número reduzido e com informação algo vaga. A este respeito a notícia de O Moderado[6], publicada em janeiro de 1856, refere “quando ella grassou todos clamavam pelo emprego da hygiene publica, entre elles a limpeza publica (…) a cholera desapareceu, e parece que assim tudo se esqueceu(…)”. Além de se mencionar a necessidade de não serem esquecidas as medidas sanitárias, salienta-se a inexistência de casos de cólera na cidade no mês de janeiro, situação que não demorou muito tempo, devido ao retorno da doença em setembro do mesmo ano a Guimarães.

A metodologia informativa da imprensa vimaranense muda substancialmente aquando de um novo surto ocorrido em 1865. Mais uma vez é notório o pavor da população vimaranense relativamente à doença, como se pode constatar através da notícia publicada no jornal Religião e Pátria, em agosto de 1865, onde se afirmava que apesar de em Guimarães ainda não existirem casos de cólera, a população deveria aliar-se aos momentos de reza para que a misericórdia divina a evitasse [7].

Seguem-se ainda outras invasões da cólera, de maior ou menor dimensão, nas décadas de 80 e de 90 do século XIX. Embora sem provocar vítimas na população vimaranense, a cólera foi tema presente na cidade. Por exemplo, em 1885, verificou-se a formação de uma comissão de socorros e a organização de procissões religiosas, invocando preces para que a doença não afetasse a cidade.[8]

A cólera foi um mal de reduzido impacto para a população vimaranense, mas apesar disso, foi notória, desde a ocorrência do primeiro surto, a preocupação da Câmara Municipal na tomada de medidas sanitárias que visavam a limpeza e inspeção dos espaços públicos. Além destas, a adaptação de infraestruturas para o combate à doença, estaria a lista de prioridades da entidade camarária, notada através da a criação de hospitais para coléricos e de cemitérios fora do centro da cidade, mantendo os focos de doença longe da população saudável.

NOTAS

[1] Cascão, Rui, “O crescimento demográfico- ritmos e factores”, in Mattoso, José, A História de Portugal- o Liberalismo (1807-1890), vol. V, Lisboa, Editorial Estampa, 1998, p. 370.

[2] Conselho de Saúde Pública do Reino, Relatório da Cholera Morbus em Portugal nos annos 1855 e 1856, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858, p. 242.

[3] Faria, João Lopes, “Efemérides vimaranenses”, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, agosto de 1833, p. 152 v e 170v.

[4] Conselho de Saúde Pública do Reino, Aditamentos e Observações ao Breve Relatório do Cholera-Morbus nos annos de 1853-1854, Lisboa, Tipografia Universal, 1855, pp.6-20.

[5] A sua coleção encontra-se depositada na Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento. Confirme-se Pinto, Sílvia, A dimensão cultural e patrimonial da Sociedade Martins Sarmento (Guimarães) analisada a partir da imprensa local vimaranense, Braga, Universidade do Minho, 2017. Tese de Mestrado policopiada,  p.55.

[6] Hemeroteca da Sociedade Martins Sarmento, O Moderado, 5 de janeiro de 1856, nº230, p.2.

[7] Hemeroteca da Sociedade Martins Sarmento, Religião e Pátria, “O Cholera”, 26 de agosto de 1865, nº32, 5.º serie, p.1.

[8] Faria, João Lopes, “Efemérides vimaranenses”, Sociedade Martins Sarmento, vol. II, agosto de 1885, 119 v; fl. 136 e fl.141.

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