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A análise histórica, em Marc Bloch

A análise histórica, em Marc Bloch

No seguimento dos resumos interpretativos anteriormente publicados, sobre os métodos historiográficos abordados na obra “Introdução à História” de Marc Bloch, o presente artigo debruça-se sobre o método da análise histórica, do capítulo IV. Este capítulo é essencial à compreensão dos contornos do conhecimento histórico.

Assim, Bloch inicia o capítulo IV colocando-nos perante a dúvida de se o conhecimento histórico é verdadeiramente imparcial, e se se trata de um ensaio que reproduz o Passado ou de uma tentativa de análise efectiva do Passado. Isto é, compreender qual o nível de depuração e aproximação do conhecimento a um objecto de estudo que não é directamente observável.

Quanto à questão da imparcialidade, o autor demonstra que o fundamental é a ausência de julgamento por parte do investigador. Para suspender essa tendência da produção do conhecimento histórico é necessário compreender que um juízo de valor só tem validade num sistema de valores deliberadamente aceites a determinado momento. Ainda assim, subjectivamente, dado que esses valores não são directamente experienciados pelo investigador, sendo sempre submetidos a interpretações que podem variar. Por outras palavras, esses sistemas de valores não correspondendo aos do tempo Presente, aos do historiador, não devem ser alvo de apreciações que nada acrescentam e apenas confundem. Assim, cabe ao historiador interpretar o facto e explicá-lo.

Relativamente à segunda questão, acerca da natureza do conhecimento histórico, se ensaio ou análise efectiva, Bloch divide a resposta em várias vertentes: natureza da informação, categorias de apreensão do historiador e trabalho de recomposição do Passado. Dentro desta última ideia o autor esclarece-nos acerca da nomenclatura utilizada, da sua relação com o historiador e da expressão do conhecimento unicamente através instrumentalização da palavra e, neste sentido, aborda a obrigatoriedade de o historiador justificar os conceitos que utiliza. Por último fala-nos da classificação cronológica que se faz da História, outra característica que a par com as anteriores deforma naturalmente o conhecimento que se tem sobre o Passado.

A primeira vertente refere-se à natureza da informação. O autor explica que tem um carácter activo e dinâmico, modificando-se perante o acto de selecção documental de que cada historiador depende para organizar e focar o seu estudo. Bloch adverte para o facto de o conteúdo dos documentos ser, já por si, uma selecção de informação, feita no momento da sua produção, sobre a qual o historiador ainda acrescenta a decisão sobre a sua validade enquanto fonte. A selecção de vestígios trata-se de um momento crítico para a produção do conhecimento. Quantas vezes terão os historiadores questionado a relevância de um determinado tipo de documentos? Ou, por outro lado, quantas vezes não terá sido graças à sua persistência e curiosidade que novas luzes se derramaram sobre o conhecimento do Passado?

Convém relembrar que a evolução dos métodos e a emergência de novas fontes também contribuem para alterar ou acrescentar novas informações ao conhecimento histórico, conforme se comentou nos textos anteriores.

Este carácter dinâmico da informação confirma uma outra ideia debatida pelo autor no capítulo II, de que a História se faz com base do que sobra do Passado, os vestígios, e com base nas opções que o investigador toma no Presente.

A segunda vertente que o autor aborda é a da apreensão que o historiador faz do Passado. Diz Bloch que se trata de um trabalho que recorre à imaginação e à abstracção de forma a atribuir unidade ao conjunto dos elementos que estuda. O propósito é uma melhor observação da realidade em estudo, porém, sem nunca assumir a sua perspectiva como única e verdadeira, antes como uma proposta. Esta imaginação de que fala Bloch não é a mesma da ficção, mas sim aquela que permite interpretar informação, propor-lhe um sentido e um enquadramento. E, a abstracção, não significa um mero alheamento, mas antes a capacidade de analisar as partes em que se ordenam e classificam os fenómenos humanos dentro e fora do seu conjunto.

Outro aspecto da metodologia abrangida pela análise histórica é o trabalho de recomposição, que segundo o autor só se efectua após a análise, pois “(…) o conhecimento dos fragmentos, estudados sucessivamente, cada um por si, não propiciará jamais o conhecimento do todo, nem mesmo o dos próprios fragmentos” (p. 170). Bloch terá querido dizer que se trata de um labor crítico, no qual se classificam factos por categorias, não sendo uma mera cópia das fontes.

Neste seguimento, o autor prosseguiu para a questão da nomenclatura. Assim, qualquer trabalho em História exige uma linguagem adequada, que defina e caracterize o assunto, isto é, um conjunto de termos técnicos, expressões e objectos. Segundo Bloch, são os documentos que tendem a impor essa terminologia específica, e o historiador “se lhes dá ouvidos, escreve sob a influência de uma dada época diferente de qualquer outra” (p. 172). Mas, adverte, que se trata de um testemunho imperfeito, pois não caracteriza a voz de todas as classes sociais ou géneros, nem garante que seja fidedigno. Por esse motivo deve o historiador utilizar o método da crítica histórica, externa (autenticidade) e interna (fidedignidade). Além disso, tendo em conta que qualquer terminologia está sujeita a interpretações, (consoante a naturalidade do historiador, por exemplo), é uma consequência natural que o seu emprego tenha tendência para deformar o conhecimento histórico.

O autor demonstra que, apesar de todo o esforço intelectual que o historiador dedica à compreensão do Passado, a relação com a nomenclatura não deixa de estar vinculada ao Presente. O historiador pensa em conformidade com a realidade em que se insere, conforme esteja classificada e categorizada. Há, portanto, uma tendência natural para transportar o conhecimento histórico para os moldes com que apreende a realidade. Não querendo com isto dizer que o historiador adapte esse conhecimento, antes que utilize um vocabulário actual para o descrever e para transmitir noções ou ideias.

Bloch torna explícito que a História não dispõe de um sistema específico de símbolos, como “as matemáticas ou a química” (p. 174), e que o historiador pode apenas instrumentalizar a palavra para exprimir as suas ideias, o que lhe atribui a responsabilidade adicional de definir e justificar os conceitos que utiliza. Por sua vez, e nunca é demais relembrar, que esses conceitos devem apoiar-se na nomenclatura dos próprios documentos, bem como numa atitude crítica, mas imparcial, evitando que se postulem semelhanças entre contextos.

A classificação cronológica dos fenómenos humanos na longa duração é última vertente abordada por Bloch neste IV capítulo da sua obra. Indissociável da nomenclatura é a forma como se categorizou a contagem do tempo por séculos, e como se caracterizaram esses séculos. Essa cadência dos eventos não é fidedigna para com a evolução das sociedades, pois nada garante que a viragem do século implique uma transformação, ou que quando uma transformação ocorra as suas raízes não estejam noutras épocas, conforme exemplificou Bloch: “(…) tratando-se do século XVIII filosófico, poderia, evidentemente, dizer-se com mais propriedade que nasceu muito antes de 1701: a Histoire des Oracles apareceu em 1687 e o Dictionnaire de Bayle em  1697. O pior é que o nome, como sempre, arrastando consigo a ideia, faz que estes falsos rótulos acabem por enganar quanto à mercadoria.” (p. 186).  O autor refere que apesar de ser satisfatória uma datação precisa, a sua artificialidade só serve para aparentar uma estrutura de conhecimentos organizada, pois o corte mais exacto é aquele que se adapta “à natureza das coisas” (p. 187) e não a medidas artificiais.

Contudo, Bloch explica que, mesmo assim, esta concepção não deixa de ser generalista tendo em conta que os diferentes contextos económicos, políticos ou sociais podem ter experienciado desenvolvimentos de formas assíncronas ou diferentes. Nem a mentalidade de uma sociedade, nem o seu sistema político, nem a sua história económica pode ter a mesma condição durante 100 anos exactos, pois “o tempo humano há-de ser sempre rebelde tanto à implacável uniformidade como ao seccionamento rígido do tempo do relógio” (p. 190).

Em suma, neste capítulo IV, Bloch demonstra que o conhecimento histórico se define pela imparcialidade do historiador, pela selecção documental que este faz para servir os seus objectivos, pelo uso da imaginação e da abstracção para dar forma aos conteúdos, pela reconstrução, que só existe depois da análise feita às fontes, pela utilização de uma linguagem e nomenclatura apropriadas, pela deformação natural que decorre do vínculo do historiador ao seu próprio tempo, e pela transparência dos conceitos por ele utilizados durante o processo.

REFERÊNCIA
Bloch, M., Bloch, É., Le Goff, J. (1997). A Análise Histórica. In M. Castro (Ed.), Introdução à História (pp.160-190). Mem Martins: Publicações Europa-América, Ltda.

Imagem gratuita em Pixabay

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