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Uma primavera silenciosa nos olivais?

Uma primavera silenciosa nos olivais?

Voltei a “casa”, ou seja, aos temas ambientais – e o título já dá algumas pistas sobre o assunto desta semana. Ouvi hoje na rádio algo sobre os efeitos negativos da apanha nocturna da azeitona nas aves. Fiquei a pensar no assunto, e decidi ler mais sobre isto. Li alguns artigos online, dos quais refiro um (1), e passo a citar o primeiro parágrafo: “(…) confederações agrícolas e do agroalimentar (…) e ainda (…) organizações setoriais ligadas ao olival (…), estabeleceram um acordo sectorial onde recomendam a suspensão preventiva da colheita noturna de azeitona, “sempre que exista risco para a avifauna, como medida de precaução e até que estejam concluídos os estudos científicos que permitam, no futuro, que essa colheita seja feita com o menor impacto possível na avifauna do olival”.”. E só com isto já há muito a reflectir!

Vamos começar com “a suspensão preventiva da colheita nocturna de azeitona”. Se a suspensão for “sempre que exista risco para a avifauna” então esta é permanente – excepto, obviamente, se houver a certeza de que não há aves no olival; considerando que as aves dormem de noite, e frequentemente dormem em árvores, e as oliveiras são árvores… Imaginemos uma ave com cerca de 15 centímetros (cms), a repousar numa oliveira, a cerca de metro e meio do chão (ou seja, 150 cms), e numa qualquer noite, enquanto sonha com uma vida melhor, é subitamente abanada e cai no solo – é uma queda de dez vezes o seu comprimento. Transponhamos para a nossa realidade: um ser humano com 180 cms de altura, enquanto sonha com uma vida melhor, acorda estremunhado por um violento e inesperado “sismo” e acaba projectado para o solo – uma queda de 18 metros (o equivalente a um sexto andar). O risco pode ser definido como o potencial para um acidente, ou a probabilidade de um evento gerar um dano. Assim, nestes exemplos, o risco de queda existe sempre; quanto às consequências, imagine-se…

Vamos continuar com “(…) até que estejam concluídos os estudos científicos (…)”. Portanto, uma suspensão permanente até haver conclusões científicas; cuidado!, alerto que a ciência geralmente é bastante lenta… E, para acabar, “que permitam, no futuro, que essa colheita seja feita com o menor impacto possível na avifauna do olival” – que é a parte mais honesta, correcta e realista de toda a citação. O menor impacto possível, contudo, é não ser feita a apanha nocturna da azeitona, pelos motivos que já referi (há aves que dormem à noite em oliveiras), o que não quer dizer que não se possa mitigar o problema – aguardemos, então, pelos estudos dos especialistas. Sou um ambientalista moderado, acredito em soluções equilibradas, e creio que aqui se está a traçar o caminho correcto: um partido político e uma associação ambiental expõem um problema, as organizações ligadas aos olivais reconhecem-no e, preventivamente, dão o benefício da dúvida e aceitam uma suspensão da prática em causa até haver pareceres técnicos que recomendem o que se fazer: devo aplaudir, é este o caminho que defendo para a conservação do ambiente, abordagens integradas e fundamentadas.

Será que a apanha nocturna de azeitona mata assim tantas aves? E será que estas aves são mesmo indispensáveis? Como “amigo do ambiente”, tenderia a dizer logo que sim, sem pensar muito. E a verdade é que, com esta prática agrícola, algum impacto tem de haver na avifauna – parece óbvio. E o impacto traduzir-se-á, necessariamente, na morte de alguns espécimes – o número poderá ser discutível, naturalmente. Uma selecção artificial como esta (é do que se trata, a morte de aves como resultado de uma prática humana, neste caso agrícola) pode ter algumas consequências sérias nos ecossistemas, desequilíbrios ecológicos com consequências por vezes pouco claras, e geralmente nefastas. Um exemplo clássico é a Campanha das Quatro Pragas, promovida pelo líder da revolução chinesa, Mao Tsé-Tung: foi imposta a extinção dos pardais na China pois estes consumiam os grãos, e assim estariam a “roubar” comida ao povo – derrubaram-se ninhos, quebraram-se ovos, assustaram-se os pardais sem lhes dar descanso até à cruel morte por exaustão… Os efeitos foram perversos: a extinção de pardais esteve próxima, de facto, mas verificou-se um outro efeito, inesperado: o declínio da produção de arroz, pois os pardais também comiam insectos, e sem predação os gafanhotos prosperaram e consumiram as culturas, o que levou a episódios de fome na China… A cadeia de eventos ambientais pode ser extremamente complexa, pois é cheia de variáveis – é preciso precaução, está sobejamente provado que mesmo as mais pequenas alterações podem levar a consequências inesperadas (o chamado efeito borboleta). Um outro artigo online (2), também com a data de hoje, apresenta alguns números: em duas acções de fiscalização foram detectadas 375 aves mortas – considero este número relevante. São, ainda, enumeradas espécies de aves atingidas; segundo um site sobre espécies de aves em Portugal (3), o estado de conservação destas espécies é, na globalidade, pouco preocupante (quer isto dizer que o risco de extinção das espécies é baixo). Contudo, talvez seja melhor não arriscar, e continuar a proteger estas espécies destas práticas, em vez de as tratar como dispensáveis por serem – ainda – comuns no nosso país.

Na minha humilde opinião, de um eterno estudante da causa ambiental, considero haver dois eventos, bastante próximos no tempo, que tiveram uma importância fulcral na popularização dos temas ambientais, e na consciencialização da necessidade de conservação do ambiente: a publicação do livro “Silent Spring” e a primeira fotografia do planeta Terra tirada do espaço. O livro de Rachel Carson, publicado em 1962, alerta para os efeitos dos pesticidas nas aves, nomeadamente a utilização do infame DDT, e o risco real de consequentes extinções massivas de aves, que se traduziriam numa “Primavera Silenciosa” (o título traduzido) pela falta de aves. Imagine-se quão menos interessante seria o Mundo… A fotografia da Terra vista do espaço, em 1968, ajudou a perceber que só temos este planeta, e que é apenas mais um objecto no espaço, do qual todos devemos cuidar.

Despeço-me com uma foto de… oliveiras! A oliveira, uma árvore que tem acompanhado a humanidade há milénios, é uma espécie de grande longevidade, com alguns espécimes vivos há mais de 2000 anos. Desde casa de aves, fonte de azeitona, fonte de azeite (usado na alimentação, e como combustível), é parte da identidade humana, e merece o nosso respeito. No final, penso que tudo se resume a uma questão: queremos uma Primavera silenciosa nos nossos olivais?

REFERÊNCIAS:

  1. https://expresso.pt/economia/2019-10-24-Protecao-de-aves.-Em-resposta-ao-PAN-agricultores-suspendem-apanha-noturna-de-azeitona
  2. https://www.publico.pt/2019/10/24/economia/noticia/agricultores-suspendem-apanha-azeitona-nocturna-apos-criticas-quercus-pan-1891204
  3. http://www.avesdeportugal.info/

Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.

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