Poucas horas antes de começar mais uma dissertação semanal, que já tinha definido ser sobre política (sinais dos tempos…), ouvi na rádio a notícia da morte do Professor Freitas do Amaral. Amplamente considerado um dos “pais da Democracia em Portugal”, merece aqui uma palavra de pesar, nomeadamente por ter sido mais, muito mais, do que apenas um político. Independentemente das opções políticas que tomou, com ligações mais directas ao CDS, PSD e PS (isto faz dum político um “vira-casacas” ou um indivíduo de larga amplitude democrática?!), gosto de pensar que, em tempos, a Assembleia da República era ocupada por pessoas de elevada formação (a vários níveis), e com um sentido de Estado bastante superior ao actual.
Penso, concretamente, nos anos que se seguiram à “revolução dos cravos” – parece-me que 45 anos de democracia se tornaram já em séculos de distância, e que o 25 de Abril deixou de ter significado para a maioria das pessoas. Essencialmente, serão estas pessoas, os filhos da Democracia Portuguesa, que irão votar no próximo Domingo.
Geralmente, falo aqui de Ambiente. Além da formação académica, junta-se a convicção pessoal, e a moda em que o tema ambiental se vê envolvido. Do que tenho visto desta campanha eleitoral, considero que nenhum partido tem uma verdadeira estratégia ambiental para o país, e teve de introduzir este tema “quente” na sua campanha porque, lá está, é moda… Portanto, sobre este deserto de ideias não tenho mais a acrescentar.
Assim, proponho aqui um outro tema, totalmente político, que me é bastante caro e que tenho tido a oportunidade de discutir com várias pessoas: o voto em branco. Em concreto, a sua utilidade nos actuais moldes, e a sua relação com a abstenção e com a própria democracia. Parece bastante “pomposo” dito assim, pareço quase um político em campanha, mas não é essa a intenção – muito pelo contrário.
Enquanto os políticos continuam com os seus discursos ocos, recalcitrantes e gastos, prefiro discorrer sobre uma eventual mudança com efeitos práticos e concretos nos resultados eleitorais: por que não tornar o voto em branco um voto útil e que representa um “lugar vazio”, um “voto mas não nestes”, um “nenhuma das opções anteriores”, um “não reconheço a esta gente qualquer competência para governar o país”?! Isto parece confuso? Vou tentar esclarecer.
Parece consensual que um dos problemas da nossa democracia, já numa “meia idade” de 45 anos, em que devia mostrar alguma maturidade, é a falta de participação política. Valores de abstenção a rondar os 60%, em sucessivas votações, são sinais preocupantes de falta de saúde democrática. Assim, arredondando, 40% dos votantes elegem os políticos (em sentido lato) que regem os 100% da população, ou seja, todos nós – causa-me alguma confusão, mas assim é… Seria, portanto, expectável que esta campanha eleitoral tivesse um particular cuidado com o tema da abstenção.
De certo modo tem: na generalidade, vejo os políticos actuais a referir a abstenção como um problema, mas a solução que encontram é o “apelo ao voto”, o “apelo à participação cívica, o “direito adquirido de votar” – mais do mesmo… Está claríssimo que esta estratégia não funciona. Aliás, não pode funcionar: não podemos ter resultados diferentes com os mesmos métodos de sempre. Acrescente-se que a classe política tem falhado em criar empatia com a população: os sucessivos escândalos de corrupção, nepotismo, amiguismo – entre outros pecados – prestam, a meu ver, um péssimo serviço à necessária aproximação da população à política.
Como se mostra o descontentamento com a actual realidade política? O Povo Português não é de grandes manifestações, infelizmente, pois até as revoluções se fazem com flores em vez de armas (…), excepto nos fervores clubísticos e religiosos, refira-se. Contudo, quando é para votar, como no próximo Domingo, já se sabe que a maioria “nem põe lá os pés”, junto às urnas, junto ao direito que não exercem, o direito do voto. Ou será o dever do voto?! Penso que seria extremamente fácil diminuir a abstenção: tornava-se o voto obrigatório, e então era um dever; contudo, haveria muito a discutir sobre este assunto, e o debate sobre o voto obrigatório deve continuar (veja-se o caso do Brasil, com o voto obrigatório e os resultados conhecidos).
Quanto aos que vão votar, a minoria que decide como maioria (creio que se pode dizer assim), há também formas de protesto que se aplicam no próprio boletim de voto: o voto nulo e o voto em branco. O voto nulo deve ser o voto mais interessante de contar, imagino o que se escreverá em alguns boletins; já que é para sair nulo, entre assinalar várias cruzes em vez de uma só ou destilar ódio pela tinta (desenhos, palavras de ordem, “obscenidades” e afins) a última parece-me muito mais divertida. Efeito prático do voto nulo: nenhum, a não ser uma percentagem de votantes que mostram assim o seu descontentamento (o que, bem vistas as coisas, pode querer dizer muito…). O voto em branco deve ser o mais aborrecido de contar: terá de se olhar para todo o boletim, com atenção, para ver se efectivamente está imaculado.
Efeito prático do voto em branco: igualmente nenhum, igualmente apenas uma expressão de descontentamento. Agora, imagine-se que o voto em branco conta como um “lugar vazio” – chamemos-lhe “voto útil em branco”! O que quer isto dizer? Tomando as eleições de Domingo como exemplo, imaginemos que havia um quadrado para o referido “voto útil em branco”, onde se poderia fazer a cruzinha da ordem: feitas as contas, se por hipótese 10% dos votantes optassem por este, isto reflectir-se-ia em 10% dos lugares no parlamento vazios! Em vez de 230 deputados, teríamos 207. Refira-se que havendo menos votos, assumindo que por cada voto destes não reverteria receita para qualquer partido, isto representaria menos receita para os partidos, e mais dinheiro nos cofres públicos: alguém duvida que as pessoas se tornam mais activas quando lhes “vão ao bolso”?! Não precisamos de actividade, e de mudança?! E se o povo tivesse consciência disso, imagine-se a vox populi: “Se votar branco útil serão menos a mamar lá no poleiro? Afinal vale a pena ir votar!”; “Se votar em branco útil pode haver menos deputados?! Agora é que os partidos vão ter de se mexer!”. E outros mimos…
Faço um apelo aos leitores deste artigo: comentem! O debate é necessário! Espero que me digam que esta ideia é ridícula! Óptimo, porque vivemos tempos ridículos, há n exemplos. Também espero que me digam que esta ideia é impossível de concretizar! E quanto a tornar o impossível em possível, só me lembro de dois caminhos: o do milagre e o da política; se o primeiro é possível apenas para os crentes, quanto ao segundo lembrem-se do “irrevogável” que se revogou, entre inúmeros exemplos. Poderia uma experiência com este sistema agitar esta estagnação? Será que teremos assim tanto a perder se se experimentar este sistema?!
Despeço-me com mais uma fotografia da minha autoria. Como as arruadas eleitoralistas não me despertam interesse, tive de procurar o mais parecido que tenho, e ainda há rebanhos em Portugal! Se o líder é bom, talvez seja igualmente bom segui-lo… mas teremos bons líderes?!
Nota: o autor opta por não seguir o Acordo Ortográfico de 1990.



