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Soluções Sustentáveis para a Gestão da Água nas Regiões Ultraperiféricas: Convergência Científica na Macaronésia a partir do Congresso GENESIS 2025

Soluções Sustentáveis para a Gestão da Água nas Regiões Ultraperiféricas: Convergência Científica na Macaronésia a partir do Congresso GENESIS 2025

A cooperação inter-regional em contextos insulares assume especial relevância perante os desafios ambientais e estruturais que afetam as Regiões Ultraperiféricas (RUP) da União Europeia. A realização da 2.ª Assembleia Geral do projeto europeu GENESIS, entre 8 e 10 de outubro de 2025 na Universidade da Madeira, reuniu especialistas, investigadores, técnicos municipais e decisores políticos oriundos das principais ilhas da Macaronésia — Madeira, Açores, Canárias, Cabo Verde — num esforço comum para conceber, testar e replicar Soluções Baseadas na Natureza (SbN) no domínio da gestão da água.

O congresso centrou-se na aplicação de abordagens integradas e replicáveis para enfrentar riscos crescentes associados à escassez hídrica, à ineficiência das infraestruturas e à vulnerabilidade climática. As ilhas, enquanto ecossistemas fechados e vulneráveis, funcionam simultaneamente como laboratório e campo de prova para modelos de inovação em gestão hídrica. O projeto GENESIS, cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa Horizon Green Innovation, baseia-se na criação de living labs que demonstram soluções locais com impacto sistémico. Estas soluções pretendem não apenas reduzir o stress hídrico, mas também transformar os sistemas de gestão da água, ao integrar comunidades locais, instituições públicas e universidades em processos de cocriação de conhecimento.

Durante os três dias do encontro, múltiplas sessões técnicas e discussões científicas evidenciaram não apenas a complexidade dos desafios enfrentados pelas ilhas da Macaronésia, mas também o potencial de convergência política, técnica e científica entre as RUP. O primeiro dia do congresso foi dedicado à apresentação dos Work Packages (WP), destacando-se a constituição de um observatório climático para a água na Macaronésia (WP1), a integração das SbN em políticas públicas (WP2) e os demonstradores regionais (WP3 e WP4), com foco especial nos casos de La Palma (Espanha), El Hierro, Gran Canaria, Faial (Portugal), Santiago (Cabo Verde) e Madeira.

A sessão científica do segundo dia teve como eixo central a apresentação dos nove demonstradores locais, que funcionam como unidades-piloto com potencial de replicação noutras ilhas. Entre estes, destaca-se o Madeira Demonstrator, implementado pela Universidade da Madeira em parceria com entidades locais, com ênfase na recuperação de zonas de infiltração natural, gestão de águas pluviais e requalificação paisagística como parte da infraestrutura verde urbana. A visita técnica ao campo experimental de Chão dos Balcões proporcionou uma ilustração concreta da aplicação prática das soluções discutidas. Nesta atividade, os participantes puderam observar a implementação de sistemas de retenção hídrica, métodos de captação passiva e técnicas de reabilitação ecológica baseadas na vegetação autóctone, em linha com as diretivas do European Green Deal.

O ponto alto do terceiro dia foi o Clustering Workshop intitulado “From Ideas to Impact”, que congregou projetos irmãos (Greet CE, GreetGeo, EnerCMed, SpongeBoost) e fomentou a troca de experiências, metodologias e obstáculos enfrentados no planeamento e execução de intervenções sustentáveis. A mesa-redonda sobre os desafios da gestão da água doce e residual na Macaronésia contou com intervenções de representantes científicos e institucionais de todas as ilhas envolvidas. Foram partilhadas realidades distintas: desde a reutilização intensiva das águas residuais nas Canárias, até às limitações estruturais ainda existentes no Faial ou na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Em todas as intervenções, emergiu o consenso de que a transição hídrica nestas regiões exige mais do que soluções técnicas — impõe mudanças institucionais, capacitação local e envolvimento comunitário ativo.

A análise científica dos debates permite identificar um conjunto de vetores críticos comuns às RUP: i) a pressão sobre os aquíferos e a escassez de precipitação; ii) as perdas significativas nas redes de distribuição de água potável; iii) a fraca articulação entre políticas de ordenamento e gestão hídrica; iv) a falta de interoperabilidade entre dados, plataformas e agentes institucionais; v) o subfinanciamento estrutural das soluções ambientalmente sustentáveis. Estes problemas, embora diversos na sua manifestação local, são estruturais e refletem um padrão comum de vulnerabilidade periférica — espacial, institucional e ecológica — das RUP no contexto europeu.

As abordagens discutidas alinham-se com o paradigma das Nature-Based Solutions (NBS), amplamente estudado na literatura científica contemporânea (Raymond et al., 2017; Kabisch et al., 2020). Neste contexto, os demonstradores do GENESIS constituem experimentações reais de estratégias de baixo custo e impacto positivo sobre os ecossistemas, promovendo simultaneamente resiliência hídrica e justiça ambiental. O caso madeirense, em particular, sublinha a importância da interação entre conhecimento científico, gestão municipal e envolvimento dos cidadãos. A criação de espaços de cocriação, como as Citizens’ Assemblies realizadas paralelamente ao congresso, permite aumentar a legitimidade democrática das soluções propostas e gerar confiança institucional — um aspeto crítico em regiões onde o capital social e a memória institucional são frequentemente frágeis.

Os resultados obtidos até ao momento, ainda que parciais, apontam para ganhos concretos na monitorização da qualidade da água, na eficiência do uso agrícola e urbano e na valorização dos ecossistemas ribeirinhos. Em paralelo, as parcerias estabelecidas entre universidades, centros tecnológicos e administrações públicas criam condições para a institucionalização destas práticas num horizonte de médio e longo prazo. A criação de um Observatório da Água na Macaronésia, com funções de recolha de dados, avaliação de impacto e emissão de recomendações técnicas, constitui um passo relevante neste sentido.

A Universidade da Madeira, enquanto anfitriã, demonstrou não apenas capacidade técnica e científica, mas também vocação de ponte entre as diferentes ilhas e projetos. A escolha do Colégio dos Jesuítas como espaço do congresso remete simbolicamente para a história partilhada das ilhas atlânticas e para a necessidade de reforçar laços de colaboração inter-RUP. Como referiu um dos intervenientes, “as ilhas, ao estarem isoladas geograficamente, não podem isolar-se institucionalmente”. O simbolismo do espaço, aliado à pluralidade dos agentes presentes — desde decisores públicos até jovens investigadores —, reforçou a ideia de que a ciência e a política podem, e devem, atuar em sinergia para enfrentar os desafios estruturais das regiões insulares.

O encerramento do congresso reiterou o papel das RUP como territórios-laboratório para políticas europeias inovadoras em clima, ambiente e território. Neste quadro, os resultados do GENESIS poderão alimentar propostas concretas de políticas públicas regionais e europeias, servindo de modelo para outras zonas costeiras e insulares vulneráveis. A Comissão Europeia tem, aliás, identificado as RUP como espaços de experimentação preferencial para soluções de transição verde e digital, sendo expectável que projetos como o GENESIS reforcem este papel através da produção de evidência científica, da capacitação institucional e da transferência de conhecimento entre territórios.

A articulação entre saber técnico-científico, inovação social e compromisso político nas RUP da Macaronésia é condição sine qua non para enfrentar as incertezas hídricas do futuro. Como evidenciado neste congresso, as soluções existem — o desafio está na sua escala, permanência e governabilidade. A transição hídrica e ecológica nas regiões insulares dependerá da continuidade de projetos colaborativos como o GENESIS, da valorização dos saberes locais e da institucionalização de práticas inovadoras de gestão ambiental. A cooperação atlântica, ancorada no conhecimento e na solidariedade inter-ilhas, surge assim como resposta estratégica a um problema global vivido localmente.

Referências Bibliográficas

Kabisch, N., Korn, H., Stadler, J., & Bonn, A. (Eds.). (2020). Nature-Based Solutions to Climate Change Adaptation in Urban Areas: Linkages Between Science, Policy and Practice. Springer.

Raymond, C. M., Frantzeskaki, N., Kabisch, N., Berry, P., Breil, M., Nita, M. R., … & Calfapietra, C. (2017). A framework for assessing and implementing the co-benefits of nature-based solutions in urban areas. Environmental Science & Policy, 77, 15-24.

GENESIS Project Agenda (2025). 2nd General Assembly, 8–10 October 2025, Madeira. IGME-CSIC / Universidade da Madeira.

Fotografias do evento e painel de participantes (2025). Registos Visuais da Conferência GENESIS, Funchal, Madeira.

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