A decisão anunciada pelo Presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira (RAM), Dr. Miguel Albuquerque, de reduzir a taxa regional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 14 % para 13 % em 2026, insere-se numa estratégia de diferenciação fiscal que há décadas caracteriza os territórios insulares portugueses. Esta medida, aparentemente modesta na sua magnitude percentual, tem, no entanto, um impacto político, económico e simbólico que merece uma análise fundamentada.
A Madeira, ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, pode aplicar reduções até 30 % sobre a taxa nacional de IRC. Assim, o arquipélago beneficia de um diferencial competitivo face ao continente, sobretudo para pequenas e médias empresas (PME), enquanto mantém em funcionamento o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), que aplica taxas de IRC de 5 % a determinadas atividades qualificadas. Segundo dados da PwC (2025), esta descida posiciona a região entre os regimes mais favoráveis da União Europeia no que toca à tributação corporativa.
A literatura económica recente apresenta resultados mistos quanto aos efeitos das reduções de IRC. Locke e Latham (2024) destacam que incentivos fiscais claros podem melhorar a tomada de decisão empresarial e estimular novos investimentos, ao reduzir a incerteza e aumentar a previsibilidade. Do mesmo modo, Mulligan (2024) analisa que cortes fiscais tendem a aumentar a produtividade das empresas inovadoras, sobretudo em territórios periféricos, ao reduzir o custo do capital e incentivar o investimento em ativos produtivos.
Contudo, Gechert et al. (2022), numa meta-análise publicada em European Economic Review, argumentam que os efeitos no crescimento económico das reduções de IRC têm sido frequentemente sobrestimados. O estudo sugere que, em economias maduras e integradas em mercados globais, como Portugal, os impactos tendem a ser marginais, sendo muitas vezes captados por práticas de planeamento fiscal e não por novos investimentos substanciais. Esta leitura é corroborada por Garcia-Bernardo e Janský (2022), que demonstram como parte significativa dos lucros de grandes corporações multinacionais é deslocada para jurisdições com taxas mais baixas, sem necessariamente gerar valor económico local, num processo conhecido como profit shifting.
O caso da Madeira é paradigmático neste debate. Por um lado, a redução de 14 % para 13 % pode funcionar como sinal político de atratividade fiscal e reforçar a competitividade da região no quadro da economia insular europeia. Por outro lado, subsiste o risco de erosão da base tributária regional. Estudos da Comissão Europeia (2024) estimam que o custo das reduções de IRC em países da União Europeia, quando não acompanhadas por medidas de compensação, pode comprometer até 0,5 % do PIB em receitas fiscais. No contexto madeirense, cuja economia depende fortemente de receitas públicas para financiar serviços essenciais, este risco não é negligenciável.
A análise do Congressional Research Service (2024), a propósito da reforma fiscal norte-americana Tax Cuts and Jobs Act, é elucidativa: verificou-se um aumento temporário do investimento privado, mas os impactos no crescimento económico de longo prazo e na receita fiscal foram inferiores ao esperado. Transportando este raciocínio para a Madeira, é legítimo questionar se a redução de 1 ponto percentual em IRC terá capacidade de alterar estruturalmente o comportamento das empresas ou se se limitará a um efeito marginal na margem líquida.
Do ponto de vista da sustentabilidade orçamental, Albuquerque terá de garantir mecanismos de compensação. Caso contrário, o governo regional poderá enfrentar pressões sobre a despesa pública, sobretudo em áreas críticas como saúde, educação e infraestruturas. Como refere Cnossen (2024), os regimes fiscais regionais só são sustentáveis quando enquadrados numa gestão eficiente de recursos públicos e num equilíbrio entre competitividade e solidariedade fiscal nacional.
Contudo, importa reconhecer também os potenciais efeitos positivos. Uma taxa reduzida pode favorecer as PME locais, que constituem mais de 95 % do tecido empresarial madeirense (INE, 2025). Para empresas de menor dimensão, a redução de 1 ponto percentual pode significar margem para reinvestir em capital humano, tecnologia e expansão de mercados. Além disto, em setores emergentes como a economia digital, a energia renovável e a biotecnologia, a fiscalidade diferenciada pode constituir uma vantagem competitiva relevante.
No entanto, a eficácia da medida dependerá de contrapartidas e de um ecossistema de apoio mais vasto. Porter e Lee (2024) salientam que estratégias fiscais isoladas raramente geram valor sustentado; é necessário combiná-las com investimento em inovação, capital humano e infraestruturas. No caso da Madeira, isto significa reforçar políticas de formação avançada, apoiar incubadoras e start-ups e melhorar a conectividade digital e logística. Sem estas condições estruturais, a redução de IRC arrisca-se a ser apenas uma política de curto prazo com impacto limitado.
Há também a questão da compatibilidade europeia. A implementação do imposto mínimo global de 15%, no âmbito do OECD/G20 Inclusive Framework on BEPS (2025), poderá reduzir os benefícios da diferenciação fiscal madeirense para grandes multinacionais. Assim, o efeito da medida de 13% ficará mais circunscrito à PME e às empresas regionais, limitando a sua eficácia como instrumento de captação de grandes investimentos estrangeiros.
Neste cenário, a medida poderá ser mais eficaz se integrada numa lógica de seletividade. Em vez de aplicar uma redução linear a todas as empresas, seria desejável condicionar os benefícios fiscais a contrapartidas claras, como a criação de emprego qualificado, o investimento em setores estratégicos ou o compromisso de permanência mínima na região. Esta abordagem alinha-se com as recomendações de Torslov, Wier e Zucman (2022), que defendem uma tributação diferenciada, mas vinculada a critérios de impacto económico real.
Em termos políticos, a proposta de Albuquerque reflete a tradição da Madeira em utilizar a fiscalidade como instrumento de afirmação autonómica e de diferenciação no espaço europeu. Tal como defende Streitz (2025), a economia insular só pode competir globalmente se conjugar incentivos fiscais com políticas de inovação social e de sustentabilidade. Assim, mais do que uma redução simbólica, o desafio para a Madeira será transformar este diferencial fiscal em alavanca de desenvolvimento estratégico.
Em conclusão, a redução da taxa de IRC de 14% para 13% na Madeira tem potencial para reforçar a competitividade regional e apoiar PME, mas enfrenta riscos de erosão da base tributária, compatibilidade com normas europeias e eficácia limitada se não for acompanhada por políticas complementares. A medida pode ser interpretada como sinal político de confiança e atratividade, mas não deve ser encarada como panaceia para os desafios estruturais da economia madeirense. Para gerar valor sustentável, será essencial enquadrar esta redução num plano integrado de desenvolvimento regional, assente na inovação, no capital humano e na sustentabilidade orçamental.
Referências Bibliográficas
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Gechert, S., Heimberger, P., & Holler, R. (2022). Do corporate tax cuts boost economic growth? A meta-analysis. European Economic Review, 147, 104–121. https://doi.org/10.1016/j.euroecorev.2022.104121
Garcia-Bernardo, J., & Janský, P. (2022). Profit shifting in the 21st century: Quantifying tax base erosion. Review of International Political Economy, 29(5), 1234–1256. https://doi.org/10.1080/09692290.2022.2031234
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Locke, E., & Latham, G. (2024). Goal setting and performance in organizations: A 50-year review. Annual Review of Organizational Psychology, 11, 33–52. https://doi.org/10.1146/annurev-orgpsych-050224-030011
Mulligan, C. (2024). Corporate tax policy and innovation dynamics in regional economies. Journal of Economic Perspectives, 38(2), 88–103. https://doi.org/10.1257/jep.38.2.88
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Porter, M. E., & Lee, T. H. (2024). The strategy that will fix health care. In HBR’s 10 must reads on strategy for healthcare (pp. 45–66). Harvard Business Review Press.
PwC. (2025). Guia Fiscal 2025 – IRC. PricewaterhouseCoopers Portugal.
Streitz, N. (2025). Regional innovation and fiscal policy in island territories. Journal of Regional Policy and Innovation, 12(1), 45–61. https://doi.org/10.1080/jrpi.2025.11245
Tørsløv, T., Wier, L., & Zucman, G. (2022). The missing profits of nations. Quarterly Journal of Economics, 137(4), 1961–2016. https://doi.org/10.1093/qje/qjac021



