A habitação jovem em Portugal enfrenta não apenas o desafio do acesso, mas também o da qualidade. Um número crescente de jovens vive em edifícios degradados, energeticamente ineficientes e economicamente insustentáveis. Este fenómeno, amplamente conhecido como pobreza energética, constitui uma forma invisível de exclusão social, com impactos diretos na saúde, rendimento disponível e bem-estar psicológico dos jovens. Este artigo analisa o cruzamento entre habitação jovem e pobreza energética no contexto português, utilizando dados recentes e a literatura especializada, com foco nas regiões interiores e periféricas. A partir do caso português, propõe-se uma abordagem integrada que articule políticas habitacionais com estratégias de eficiência energética, através de renovação do edificado, incentivos públicos e acesso justo à energia.
A pobreza energética é definida como a incapacidade de um agregado familiar de manter a sua habitação em condições adequadas de aquecimento ou arrefecimento, iluminação e conforto térmico. Em Portugal, este fenómeno é particularmente grave entre os jovens com baixos rendimentos, residentes em áreas urbanas degradadas ou em zonas rurais despovoadas. Segundo Salafranca (2024), 1 em cada 4 jovens no interior do país vive em condições de “insegurança energética severa”, enfrentando temperaturas extremas no verão e inverno sem meios técnicos ou financeiros para as mitigar. As causas principais incluem o envelhecimento do parque edificado, a ausência de isolamento térmico, o uso de equipamentos obsoletos e o custo elevado da energia.
A literatura nacional e europeia tem vindo a reconhecer esta realidade como um fator de vulnerabilidade interseccional. Jovens com baixos rendimentos, oriundos de famílias monoparentais, estudantes deslocados ou jovens trabalhadores precários estão entre os mais afetados. A precariedade laboral, aliada ao peso das rendas, leva a que muitos optem por residências antigas e mal conservadas, onde o custo energético representa uma proporção desproporcional do orçamento mensal. Em Lisboa, por exemplo, o custo médio da energia para jovens em casas arrendadas representa cerca de 17% do rendimento mensal, ultrapassando o limiar de sobrecarga definido pela Comissão Europeia (EC, 2024).
Ao mesmo tempo, as políticas públicas continuam a tratar a pobreza energética como um problema do setor energético, dissociando-o da habitação. Esta abordagem fragmentada tem impedido a criação de respostas eficazes. Os apoios disponíveis, como o “Vale Eficiência” ou a Tarifa Social de Energia, embora meritórios, não alcançam uma parte substancial da juventude, que vive em regime de arrendamento ou habitação partilhada. Além disto, muitos jovens desconhecem os mecanismos de apoio ou não reúnem os critérios burocráticos exigidos.
O presente estudo adota uma metodologia qualitativa e documental, com análise de relatórios técnicos, literatura científica recente e entrevistas secundárias a peritos em eficiência energética e habitação jovem. Foram consultadas fontes entre 2023 e 2025, com especial atenção ao Relatório Nacional da Pobreza Energética e aos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). A análise centrou-se em três eixos: a caracterização da pobreza energética jovem em Portugal; a avaliação das políticas públicas existentes; e a identificação de boas práticas europeias aplicáveis ao contexto nacional.
Os resultados evidenciam que a pobreza energética jovem é mais pronunciada em regiões como o Alentejo, o interior centro e as regiões autónomas. Nestes territórios, a combinação entre clima extremo, baixa qualidade construtiva e ausência de programas de reabilitação jovem cria um cenário de vulnerabilidade crónica. Em contrapartida, municípios com programas de reabilitação energética integrados — como Évora ou Braga — apresentam melhores indicadores, fruto da articulação entre fundos europeus, incentivos municipais e programas de habitação jovem.
Exemplos europeus demonstram que é possível enfrentar a pobreza energética jovem com políticas coordenadas e participativas. Em França, o programa “Habiter Mieux” combina renovação energética de edifícios com apoio direto a famílias jovens, em parceria com os municípios. Na Alemanha, o projeto “Jung Wohnen Warm” foca-se na reabilitação de residências para jovens em zonas urbanas degradadas, com financiamento partilhado entre o governo federal e as autarquias. Estes modelos partilham três princípios fundamentais: foco territorial, participação dos jovens e sustentabilidade ambiental.
Com base na análise efetuada, propõe-se uma abordagem integrada de combate à pobreza energética entre a juventude portuguesa. Em primeiro lugar, a criação de um Programa Nacional de Reabilitação Energética Jovem, financiado pelo PRR e fundos estruturais europeus, destinado a apoiar a renovação energética de edifícios habitados ou utilizados por jovens até aos 35 anos. Este programa deve abranger não apenas a substituição de janelas ou caldeiras, mas uma abordagem holística que inclua isolamento térmico, ventilação, aquecimento e energia renovável.
Em segundo lugar, propõe-se a introdução de um novo indicador nos Planos Municipais de Habitação: o Índice de Vulnerabilidade Energética Juvenil, que permita mapear as zonas com maior incidência de pobreza energética jovem e definir prioridades de intervenção. Este indicador deve ser construído com base em dados estatísticos, mas também em inquéritos participativos aplicados a jovens residentes nos territórios alvo.
Em terceiro lugar, a promoção de centros comunitários de eficiência energética, localizados em bairros e universidades, onde os jovens possam aceder a informação, formação e apoio técnico gratuito para melhorar a eficiência energética das suas casas. Estes centros devem funcionar como espaços de capacitação e inovação, com envolvimento de estudantes de engenharia, arquitetura e energias renováveis.
Finalmente, é fundamental a revisão dos critérios de elegibilidade dos apoios existentes. Muitos programas excluem arrendatários, exigindo propriedade ou contratos de longa duração. Esta exclusão penaliza os jovens que, na maioria dos casos, vivem em arrendamento temporário. Deve ser criado um subsídio específico para arrendatários jovens em situação de pobreza energética, que financie soluções móveis (aquecedores eficientes, cortinas térmicas, isolamento portátil) e permita negociar com senhorios intervenções simples.
A pobreza energética jovem não é apenas um problema técnico: é uma questão de justiça social, saúde pública e direitos humanos. O atual modelo habitacional português ignora as necessidades térmicas da juventude e perpetua um ciclo de exclusão invisível. Integrar a energia na política habitacional é uma urgência civilizacional. O bem-estar térmico não é um luxo — é uma condição mínima de dignidade. E garantir este bem-estar à juventude é investir no futuro de um país mais justo, mais verde e mais coeso.
Referências Bibliográficas
Salafranca, B. (2024). Pobreza Energética no Interior de Portugal. Universidade de Coimbra.
INE — Instituto Nacional de Estatística (2025). Relatório Nacional de Condições Habitacionais.
Comissão Europeia (2024). Energy Poverty Indicators and Social Justice in the EU. Brussels.
ADENE — Agência para a Energia (2023). Diagnóstico da Pobreza Energética em Portugal. Lisboa.
Agência Francesa de Transição Ecológica (ADEME) (2024). Programme Habiter Mieux. Paris.
Federal Ministry for Economic Affairs and Climate Action (2023). Youth Energy Housing Initiatives in Germany. Berlin.
Câmara Municipal de Braga (2023). Programa Reabilita Jovem. Braga.
OECD (2024). Youth, Housing and Energy Justice. Paris.



