EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish
EnglishFrenchGermanItalianPortugueseSpanish

Transformação Digital em Empresas Familiares: Barreiras, Oportunidades e Casos de Sucesso

Transformação Digital em Empresas Familiares: Barreiras, Oportunidades e Casos de Sucesso

“Toda tradição era, um dia, inovação” — Peter Drucker

Empresas familiares representam mais de 60% do tecido empresarial mundial e empregam milhões de pessoas em todos os continentes. No entanto, muitas destas organizações enfrentam dificuldades estruturais em momentos de transição, sobretudo em contextos de disrupção tecnológica. A transformação digital, longe de ser apenas uma questão de software ou marketing, exige mudanças profundas na cultura, nos processos e no modelo mental dos gestores — algo particularmente sensível em empresas onde tradição e legado familiar desempenham papéis centrais.

Segundo estudo de Valenzuela et al. (2025), a resistência cultural é a principal barreira para a transformação digital em empresas familiares, mais do que a limitação de recursos financeiros ou tecnológicos. Muitas destas organizações são lideradas por fundadores ou membros da família com forte apego a métodos tradicionais de gestão, em que a confiança interpessoal substitui a análise de dados, e decisões são tomadas com base na experiência acumulada ao longo de décadas. Esta lógica, embora eficaz no passado, mostrou-se insuficiente para enfrentar os desafios impostos pela pandemia, pelo avanço da inteligência artificial e pelas novas exigências dos consumidores digitais.

Além disto, como destacam Lima e Costa (2025), existe um paradoxo interessante: as empresas familiares, enquanto são conservadoras, também são extremamente resilientes. Durante a crise da COVID-19, muitas destas empresas conseguiram manter empregos e adaptar-se mais rapidamente do que grandes corporações, graças à sua estrutura menos burocrática e maior coesão interna. Este cenário abre espaço para uma abordagem mais refinada da transformação digital: em vez de impor mudanças de forma abrupta, é necessário traduzi-las em valores familiares, conectando inovação à continuidade do legado.

As barreiras à digitalização em empresas familiares podem ser agrupadas em três níveis principais: cultural, estrutural e estratégico. No plano cultural, destaca-se a resistência à mudança, o medo da perda de controle por parte dos fundadores e o conflito geracional entre os líderes atuais e as novas gerações digitais. Como observam Meroño-Cerdán et al. (2025), muitas empresas familiares ainda operam com baixa digitalização de processos, utilizam ferramentas manuais e carecem de sistemas integrados de informação. Esta realidade gera vulnerabilidades operacionais, perda de competitividade e dificuldade em captar talentos jovens.

No plano estrutural, o problema central é a informalidade. Muitas vezes, os processos não estão documentados, as responsabilidades são sobrepostas e há pouca delegação formal de autoridade. Isto dificulta a adoção de ferramentas digitais que exigem mapeamento de processos, KPIs e indicadores automatizados. Já no plano estratégico, observa-se uma ausência de visão digital clara, com investimentos pontuais em tecnologia, mas sem alinhamento com objetivos de longo prazo. Como apontam Köhler e Weismeier-Sammer (2025), esta desconexão entre estratégia digital e valores familiares impede a criação de vantagem competitiva sustentável.

No entanto, há também oportunidades únicas. A primeira delas é a sucessão geracional. Em muitos países, especialmente na Europa e na América Latina, as empresas familiares estão a passar por um ciclo de transição entre fundadores e herdeiros. Esta nova geração, digitalmente nativa e mais aberta à inovação, está a introduzir mudanças significativas, desde a implementação de ERPs e CRMs até ao uso de IA generativa para marketing e análise de dados. Um estudo conduzido por Iglesias et al. (2024) mostrou que empresas onde a segunda ou terceira geração assumiu o comando têm, em média, 40% mais iniciativas digitais implementadas com sucesso.

Outro fator favorável é o alinhamento com valores. A transformação digital, quando integrada com a missão e o propósito da família, gera alto comprometimento interno. Um exemplo disto é a empresa vinícola Torres, na Espanha, onde a digitalização foi apresentada como um meio para preservar o meio ambiente e melhorar a rastreabilidade dos vinhos — valores caros à família fundadora. Da mesma forma, a Barceló Group, uma das maiores redes hoteleiras familiares da Europa, desenvolveu sua estratégia de transformação digital com foco em hospitalidade centrada no cliente, combinando tecnologia e tradição.

O caso da Faber-Castell, uma empresa familiar com mais de 260 anos de história, também é emblemático. A empresa integrou tecnologia RFID na sua cadeia de produção e desenvolveu experiências de realidade aumentada nos seus produtos escolares. Segundo a Harvard Business Review (2024), o sucesso da digitalização da Faber-Castell reside na sua capacidade de equilibrar inovação e legado: os líderes mantiveram os princípios fundadores, mas abriram espaço para novas tecnologias lideradas por profissionais fora da família, promovendo uma cultura híbrida.

Outro exemplo notável é o da brasileira WEG S.A., uma empresa familiar que tornou-se líder global em motores elétricos. A WEG investiu pesadamente em digital twins, automação industrial e plataformas IoT para melhorar sua produção. Um relatório da McKinsey (2025) destaca como a liderança familiar da WEG foi crucial para garantir consistência na visão de longo prazo, sem sacrificar a agilidade na adoção de novas tecnologias. A cultura de meritocracia, combinada com os valores da família, foi determinante para o sucesso da sua transformação digital.

A implementação bem-sucedida da transformação digital em empresas familiares exige alguns princípios orientadores. Primeiro, é necessário criar uma ponte geracional, onde os mais jovens tenham espaço real para influenciar decisões estratégicas, e os mais experientes ofereçam sua visão de legado. Segundo, é essencial mapear os processos internos antes de qualquer automação, para evitar “digitalizar o caos”. Terceiro, a tecnologia deve ser apresentada como ferramenta de fortalecimento dos valores familiares, e não como ameaça à identidade da empresa.

Além disto, a criação de comités digitais mistos — com membros da família, gestores profissionais e especialistas externos — tem-se mostrado eficaz. Estes comités funcionam como espaços de mediação e aceleração digital, onde decisões são tomadas com base em dados e não apenas em laços de confiança pessoal. O uso de indicadores como ROI digital, índice de maturidade tecnológica e impacto ESG digitalizado é cada vez mais comum nestes contextos.

Segundo o World Economic Forum (2024), 72% das empresas familiares que investiram em transformação digital estruturada após a pandemia reportaram ganhos significativos de eficiência, atração de talentos e fidelização de clientes. No entanto, apenas 34% destas empresas desenvolveram um plano de transformação digital com metas claras, cronograma e KPIs definidos. Isto evidencia a necessidade de uma abordagem mais estratégica e menos intuitiva no processo de digitalização.

No futuro, espera-se que as empresas familiares desempenhem papel central na reinvenção digital da economia, sobretudo nos setores industriais, agrícolas e de serviços. O seu compromisso de longo prazo, senso de responsabilidade social e conexões com comunidades locais colocam-no numa posição única para liderar processos de inovação com impacto. Porém, para que isto ocorra, será preciso vencer o medo do novo, abraçar o pensamento digital e transformar a herança familiar numa plataforma para a próxima geração.

Como dizia Peter Drucker, “a melhor forma de prever o futuro é criá-lo”. Para as empresas familiares, a transformação digital é a oportunidade de fazer exatamente isto: honrar o passado criando o futuro.

Referências Bibliográficas

Valenzuela, S., Marin, L., & Sánchez, A. (2025). Cultural Resistance in Family Firms: Digital Transformation Challenges. Journal of Family Business Strategy.

Lima, R., & Costa, J. (2025). Family Legacy and Innovation: The Paradox of Tradition. European Business Review.

Meroño-Cerdán, A. L., López-Nicolás, C., & Molina-Castillo, F. J. (2025). Digital Adoption in Family Firms: A Framework. Technovation.

Köhler, T., & Weismeier-Sammer, D. (2025). Strategic Digitalization in European Family-Owned Businesses. Springer Briefs in Business.

Iglesias, M., Garcia-Alvarez, E., & Tapia, M. (2024). NextGen and Innovation: How Successors Drive Change in Family Firms. Academy of Management Perspectives.

Harvard Business Review. (2024). How Legacy Can Fuel Innovation: Faber-Castell’s Digital Strategy.

McKinsey & Company. (2025). Transforming the Core: How WEG Reimagined its Family-Owned Legacy for Industry 4.0.

World Economic Forum. (2024). The Future of Family Businesses in the Digital Economy. WEF Insight Report.

Descarregar artigo em PDF:

Download PDF

Partilhar este artigo:

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

TAGS

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

LOGIN

REGISTAR

[wpuf_profile type="registration" id="5754"]