“Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta à mudança.”
— Charles Darwin
A pandemia da COVID-19 foi um dos eventos mais disruptivos da história recente, com impacto direto sobre a estabilidade, as operações e a continuidade das organizações, particularmente das pequenas e médias empresas (PMEs). Devido à sua estrutura enxuta e menor resiliência financeira, muitas destas empresas enfrentaram desafios significativos, incluindo quebras na cadeia de suprimentos, perda de receita, demissões e mudanças drásticas no comportamento do consumidor. No entanto, apesar do cenário desafiador, um número significativo de PMEs conseguiu sobreviver e até prosperar. A variável comum entre estas empresas foi a capacidade de aplicar estratégias ágeis em um ambiente de profunda incerteza.
Estratégia ágil é, essencialmente, a capacidade de adaptação rápida a mudanças externas, por meio de estruturas organizacionais flexíveis, aprendizagem contínua e ciclos curtos de tomada de decisão. No contexto pós-pandemia, esta abordagem deixou de ser uma escolha estratégica e passou a ser um fator de sobrevivência. Como observam Cardoso et al. (2025), a agilidade organizacional tornou-se um diferencial competitivo vital em tempos de crise e recuperação, permitindo que as empresas não apenas resistam, mas evoluam em meio à volatilidade.
A agilidade, como conceito, não é nova. Já na década de 1980, autores como Peters e Waterman (1982) falavam da importância de organizações que fossem “simples, flexíveis e baseadas em ação”. No entanto, sua aplicação ganhou novas dimensões com os desafios impostos pela pandemia. No estudo de Hamieddine e Akioud (2025), realizado com PMEs industriais no norte de África, verificou-se que aquelas que adotaram frameworks ágeis — como Scrum, Lean ou OKRs (Objectives and Key Results) — apresentaram melhor desempenho durante e após a pandemia. Estas organizações conseguiram implementar rapidamente mudanças nos seus modelos de negócio, ajustar operações e redesenhar a proposta de valor em tempo real.
O ambiente VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) foi intensificado durante e após a pandemia, forçando as empresas a repensarem sua forma de planejar, executar e monitorar estratégias. A rigidez dos modelos tradicionais, com ciclos longos de planeamento e estruturas hierárquicas rígidas, mostrou-se ineficaz para lidar com cenários altamente mutáveis. Neste contexto, empresas que adotaram o que Munna (2025) denomina de “planeamento adaptativo” — ciclos curtos de análise, execução e reavaliação — obtiveram vantagem competitiva, não necessariamente por anteciparem mudanças, mas pela sua capacidade de resposta rápida e flexível.
Exemplo disto são os casos relatados por Haider e Maulan (2024) no setor do retalho na Malásia, onde empresas como a ShopNGo conseguiram manter operações e aumentar participação de mercado através da integração entre digitalização e metodologias ágeis. A empresa implementou sistemas de gestão baseados em IA para ajustar a oferta em tempo real à demanda, usando dados de consumo e algoritmos de previsão. A estratégia gerou um aumento de 42% na conversão de vendas online, enquanto reduziu os custos com inventário e distribuição.
Além disto, o trabalho de Khan et al. (2024) mostra como a introdução de tecnologias emergentes — como inteligência artificial, analytics e cloud computing — serviu como acelerador da agilidade. Startups e PMEs que investiram em tecnologia combinada com gestão ágil conseguiram reduzir o tempo de resposta ao cliente, aumentar a eficiência operacional e tomar decisões baseadas em dados, em vez de intuição. Esta abordagem, chamada pelos autores de “agilidade digital”, constitui uma nova fronteira estratégica para empresas em mercados voláteis.
No campo organizacional, a adoção de equipes multidisciplinares e autónomas — compostas por membros de diversas áreas com poder de decisão descentralizado — tornou-se prática comum entre as empresas mais adaptáveis. Nawab (2024) afirma que tais equipes promovem inovação, aumentam a velocidade de execução e reduzem gargalos hierárquicos. Além disto, o empowerment dos colaboradores e a comunicação horizontal contribuem para uma cultura organizacional voltada à inovação e à resiliência.
O caso da indústria têxtil T-Morocco, estudado por Hamieddine e Akioud (2025), demonstra o impacto tangível da agilidade aplicada à produção. Ao implementar Scrum na gestão da sua linha de montagem e Lean para otimização de processos logísticos, a empresa obteve redução de 35% no tempo de ciclo de produção e aumento de 20% na margem operacional. Estes resultados confirmam que metodologias originalmente desenvolvidas para o setor de software podem ser transpostas com sucesso para a manufatura, retalho e serviços.
Contudo, não basta aplicar ferramentas ágeis — é preciso desenvolver competências organizacionais específicas. Segundo Sari e Ahmad (2025), quatro dimensões são fundamentais para a construção de uma cultura organizacional ágil: a capacidade de aprendizagem contínua, a promoção ativa da inovação, a liderança servidora e o uso de métricas e dados para tomada de decisão. Estas competências permitem que as empresas se ajustem rapidamente, aprendam com o ambiente e experimentem novas abordagens sem medo de falhar.
Apesar dos benefícios, a implementação de estratégias ágeis em PMEs enfrenta desafios significativos. O estudo de Oliveira et al. (2025) revela que muitas empresas têm dificuldade em adotar a agilidade devido a barreiras culturais, falta de capacitação, resistência interna e limitações de recursos tecnológicos. Em muitas PMEs, ainda prevalece uma cultura de controle rígido e aversão ao risco, o que contraria os princípios de flexibilidade, autonomia e experimentação característicos da agilidade.
Neste sentido, é fundamental que os líderes empresariais sejam capacitados não apenas em ferramentas, mas em mindset ágil. Vrontis et al. (2025) defendem que a mudança organizacional exige mais do que novas tecnologias: exige nova forma de pensar, liderar e agir. Além disto, sugerem que os governos e entidades públicas devem promover políticas de apoio à transformação digital e ágil das PMEs, oferecendo subsídios, capacitação e acesso a plataformas tecnológicas.
No cenário global pós-pandêmico, a agilidade está cada vez mais interligada à sustentabilidade. Empresas ágeis conseguem não apenas reagir às mudanças, mas antecipar riscos socioambientais, adaptar práticas de gestão e inovar com propósito. A capacidade de adaptação contínua, com base em dados e sensibilidade ambiental, torna-se a chave para o sucesso a longo prazo em uma era de múltiplas crises simultâneas — sanitárias, climáticas, geopolíticas e econômicas.
Em síntese, a pandemia de COVID-19 funcionou como um ponto de inflexão, revelando tanto as fragilidades quanto as forças ocultas das pequenas e médias empresas. Aquelas que conseguiram transformar a crise em oportunidade foram as que possuíam (ou desenvolveram rapidamente) uma cultura organizacional ágil, aberta à mudança, centrada no cliente e alicerçada em dados. Como demonstram as evidências empíricas de diversos autores, a agilidade organizacional deixou de ser uma vantagem competitiva opcional e passou a ser um pré-requisito de sobrevivência.
Mais do que ferramentas ou metodologias, a agilidade representa uma forma de ver o mundo: em constante transformação, imprevisível e complexa — mas, ao mesmo tempo, repleta de oportunidades para aqueles que sabem aprender, experimentar e adaptar-se rapidamente. Nas palavras de Darwin, não é o mais forte que sobrevive, mas sim o mais adaptável. E no mundo empresarial pós-pandemia, as PMEs ágeis são, sem dúvida, as novas sobreviventes de excelência.
Referências Bibliográficas
Cardoso, A., Figueiredo, J., Oliveira, I., & Pocinho, M. (2025). From Crisis to Opportunity: Digital Transformation in the Post-Pandemic Era. Administrative Sciences.
Terchila, S. (2025). Strategic Approaches for Business Adaptation. Studies in Business and Economics.
Haider, A. R., & Maulan, S. (2024). Digital Readiness among Malaysian Retail SMEs. ResearchGate.
Hamieddine, C., & Akioud, M. (2025). Business Strategy Review: Agile Strategies in VUCA. VirtusInterpress.
Khan, K., Rathore, A., & Kumar, A. (2024). AI and Business Analytics for Agility. UpubScience.
Munna, M. S. A. (2025). SME Resilience in Global Disruptions. Osuva.
Nawab, T. (2024). Integrating AI and Strategic Agility in SMEs. iRASD Journal of Management.
Sari, S. A., & Ahmad, N. H. (2025). Enhancing Competitiveness through Technology Capabilities. Global Business Review.
Oliveira, C. A., Mendonça, P., Silva, R., & Cruz, J. (2025). Barriers to Agility in Portuguese SMEs. Universidade do Minho.
Vrontis, D., Thrassou, A., & Efthymiou, L. (2025). Business in a Turbulent Era: Resilience and Strategic Adaptability. Springer.



