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Paz ou Capitulação? O Plano de Trump para a Ucrânia como Presente Envenenado a Putin

Paz ou Capitulação? O Plano de Trump para a Ucrânia como Presente Envenenado a Putin

“Nem toda a paz é liberdade; algumas tréguas são prisões disfarçadas.” A frase ressoa com particular força quando observamos os mais recentes desenvolvimentos na diplomacia internacional entre os Estados Unidos, a Ucrânia e a Rússia. Em agosto de 2025, Donald Trump voltou ao palco internacional como protagonista, propondo mediar um acordo de paz entre Kiev e Moscovo. O plano, anunciado com grande aparato mediático, oferece garantias aéreas à Ucrânia, mas recusa qualquer envolvimento militar terrestre. Mais do que um gesto de reconciliação, muitos analistas e diplomatas encaram a proposta como um possível presente envenenado a Vladimir Putin — uma solução que, sob a aparência de paz, poderia traduzir-se em capitulação parcial da Ucrânia e em reforço geopolítico da Rússia.

A proposta gerou reações mistas. Enquanto parte da opinião pública e de alguns círculos diplomáticos acolhe com esperança qualquer caminho que possa pôr fim a uma guerra devastadora, outros manifestam sérias reservas quanto aos termos e ao timing da iniciativa. O discurso de Trump, marcado por uma retórica populista e teatral, parece mais focado em benefícios políticos imediatos do que em oferecer uma solução justa e duradoura. Esta crítica é sustentada por autores como Norris (2025), que sublinham que líderes populistas frequentemente utilizam as negociações internacionais como palco de performance política, privilegiando visibilidade sobre conteúdo. Trump parece seguir esta lógica: o seu plano oferece mais imagem do que substância.

A história das negociações de paz em conflitos assimétricos oferece ensinamentos claros. Fortna (2024) demonstra que acordos desequilibrados, que não oferecem garantias sólidas ou que institucionalizam desigualdades, tendem a fracassar. Ao pressionar Kiev para dialogar diretamente com Moscovo sem apoio militar robusto, corre-se o risco de legitimar as conquistas territoriais russas e de enviar uma mensagem perigosa à comunidade internacional: a de que a força compensa, e que as fronteiras podem ser redesenhadas pela agressão.

A Europa, apanhada entre a sua dependência estratégica dos Estados Unidos e a urgência de proteger os seus próprios valores de integridade territorial, reage com prudência e preocupação. Relatórios do European Council on Foreign Relations (2025) destacam que qualquer concessão territorial da Ucrânia abriria precedentes para futuras ações expansionistas, não só da Rússia, mas também de outros regimes autoritários que observam de perto os desfechos desta guerra. Não é apenas a Ucrânia que está em jogo, mas a arquitetura de segurança europeia e, mais amplamente, o sistema internacional baseado em regras.

Ainda mais preocupante é a possibilidade de que esta proposta de paz não represente um verdadeiro fim do conflito, mas apenas uma pausa estratégica benéfica a Moscovo. A guerra contemporânea, como argumenta Kaldor (2024), não se limita ao uso de força convencional; manifesta-se também em esferas económicas, cibernéticas e informacionais. A Rússia, que há muito domina o campo da guerra híbrida, poderá utilizar qualquer cessar-fogo como oportunidade para consolidar ganhos territoriais, reorganizar o seu exército, e preparar ofensivas futuras — talvez não militares, mas desestabilizadoras. A paz proposta por Trump, se não for acompanhada de compromissos multilaterais e verificação rigorosa, poderá ser o prelúdio de uma nova fase do conflito, disfarçada de normalidade.

A posição da Ucrânia é particularmente delicada. Aceitar uma negociação direta com Putin, sob pressão internacional e sem garantias sólidas, poderá ser interpretado internamente como rendição. Tal movimento não só enfraqueceria a coesão política do país, mas também minaria a moral pública, especialmente após anos de resistência armada e perdas humanas significativas. Como escreve Motyl (2025), qualquer concessão imposta corre o risco de ser percebida como traição à soberania nacional. Uma paz que desrespeita os sacrifícios feitos poderá não ser sustentável nem aceitável para a população ucraniana.

Adicionalmente, não se pode ignorar o impacto global de um acordo desigual entre Ucrânia e Rússia. As consequências ultrapassam largamente a geografia do Leste Europeu. Uma resolução que beneficie o agressor compromete a credibilidade das instituições internacionais como a ONU e a NATO, e transmite um sinal claro: quem desafia a ordem internacional pode, eventualmente, ser recompensado. Este precedente pode estimular tensões latentes noutros pontos do globo, como Taiwan, o Médio Oriente ou o Ártico, onde questões territoriais e de soberania continuam em disputa. A mensagem implícita é inquietante: o uso da força, mesmo que condenado, pode resultar em ganhos permanentes se a comunidade internacional ceder à fadiga diplomática.

Não surpreende, por isso, que líderes europeus estejam a tentar construir alternativas. Iniciativas como o grupo Weimar+ e a coligação de Londres procuram garantir apoio contínuo a Kiev, fora da dependência exclusiva de Washington. No entanto, como mostra o relatório do ECFR (2025), a Europa continua limitada pela sua falta de autonomia estratégica e pela divisão entre os seus membros. O jogo político norte-americano — dominado por interesses internos e ciclos eleitorais — continua a influenciar fortemente a política externa europeia, revelando fragilidades estruturais na construção de uma defesa comum.

O plano de Trump, embora envolto numa retórica de pacificação, deve ser lido à luz dos seus antecedentes e da sua instrumentalização política do conflito. A sua recusa em enviar tropas terrestres é coerente com a sua estratégia de minimizar o envolvimento externo direto, mas isto compromete a eficácia das garantias oferecidas à Ucrânia. A segurança aérea, por si só, pode não ser suficiente para dissuadir futuras agressões ou garantir a recuperação de territórios ocupados. O plano, assim, parece mais preocupado com a projeção de uma imagem de liderança do que com a construção de uma paz viável.

O que está em causa é mais do que um plano de cessar-fogo. Trata-se de definir que tipo de paz queremos e que tipo de ordem internacional estamos dispostos a sustentar. Uma paz imposta por razões políticas internas, sem legitimidade multilateral, corre o risco de ser rejeitada pelas partes envolvidas e de gerar instabilidade prolongada. Pior: pode alimentar sentimentos de impunidade e acelerar a decadência do sistema internacional construído no pós-Segunda Guerra Mundial.

Por tudo isto, conclui-se que o plano de Trump, embora publicamente apresentado como um passo em direção à paz, é, na realidade, um gesto ambíguo, com implicações profundas e perigosas. A sua proposta oferece à Rússia uma oportunidade de consolidar os seus ganhos, à custa da integridade territorial da Ucrânia e da estabilidade global. A capitulação parcial de Kiev, mesmo que disfarçada de paz, comprometeria décadas de esforços diplomáticos em prol da soberania nacional e da segurança coletiva. O plano pode ser apelativo na superfície, mas o seu conteúdo revela um potencial desestabilizador significativo.

A comunidade internacional deve, por isso, resistir à tentação da paz fácil. Nem todas as tréguas são sinónimas de reconciliação, e nem todos os acordos são justos. Se a paz não for acompanhada de justiça, será apenas o silêncio que antecede a próxima guerra. A Ucrânia merece mais do que uma pausa imposta por conveniência política; merece um processo de paz legítimo, sustentado por compromissos sólidos, multilaterais e duradouros.

Referências Bibliográficas

European Council on Foreign Relations (ECFR). (2025). Europe, Ukraine and the Search for Strategic Autonomy. ECFR Policy Brief.

Fortna, V. (2024). Peace Agreements and Their Failures in Modern Conflicts. International Security, 49(1), 25–49.

Kaldor, M. (2024). New and Old Wars: Hybrid Conflicts in the 21st Century. London: Polity Press.

Motyl, A. (2025). Ukraine’s Dilemma: Between Resistance and Capitulation. Foreign Affairs, 104(3), 67–74.

Norris, P. (2025). Populism and International Negotiations: Performance over Substance. Journal of Political Studies, 61(2), 145–163.

UNESCO. (2025). Global Report on Peace, Security and Digital Diplomacy. Paris: UNESCO.

Washington Post. (2025, August 20). Limits of Trump’s diplomacy clear as Moscow balks at Ukraine plan.

The Guardian. (2025, August 20). European leaders scramble to shield Ukraine in high-stakes Trump talks.

AP News. (2025, August 19). Trump begins planning for Putin–Zelenskyy meeting while affirming US help with security guarantees.

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