Seu cérebro é uma máquina de sobrevivência, sempre em busca de perigos. Esse instinto primitivo, que nos protegia de predadores, hoje se manifesta de novas e complexas formas. Neste artigo, exploramos como esse mecanismo neural, estudado pela neurociência, é explorado por estratégias de marketing, pelo uso das redes sociais e, de forma intensa, pela política brasileira. Mergulhamos no risco de a polarização se tornar um movimento violento, e propomos a educação como o caminho para reverter a escalada de medo e construir um futuro mais democrático e civilizado.
Desvendando os bastidores da mente


O cérebro humano está constantemente em busca de ameaças. É um sistema de vigilância que evoluiu por séculos para nos manter vivos. Ele analisa cada detalhe do ambiente em que estamos — as pessoas, as situações, as imagens, os sons e até as experiências passadas. A partir disso, ele cria “arquivos mentais” que servem como padrões de comportamento, avisos para evitar perigos futuros.
Esse trabalho, na maioria das vezes, acontece no seu subconsciente. Mas, por vezes, ele se manifesta em sensações e sentimentos que são difíceis de descrever. É como a intuição, aquela sensação estranha que você sente ao entrar em um lugar pela primeira vez, ou a aversão inexplicável que surge perto de certas pessoas ou situações.
Já parou para pensar que essa “intuição” é, na verdade, seu cérebro trabalhando para proteger você?
Na verdade, essa vigilância constante do cérebro é um fenômeno amplamente estudado pela neurociência. Pesquisas apontam que a amígdala, uma pequena estrutura em nosso cérebro, atua como um sistema de alarme. Ela processa rapidamente as informações sensoriais e, com base em memórias e experiências passadas, decide se uma situação representa perigo. Muitas vezes, essa resposta é tão rápida que acontece antes mesmo que a informação chegue ao nosso córtex pré-frontal, a área responsável pelo pensamento consciente e racional. É por isso que você pode sentir um medo repentino ou uma aversão sem entender exatamente o motivo — seu “sexto sentido” é, na verdade, um reflexo neural.
Esse instinto ancestral, que nos protegia de predadores e tribos inimigas, se manifesta de novas formas hoje. O cérebro continua atento, mas agora aos perigos modernos. Ele reage ao alarme do celular no meio da noite, ao barulho de uma notificação de mensagem, à ansiedade gerada por prazos de trabalho ou ao estresse causado por notícias negativas. É um sistema de alerta que se adaptou, e hoje os “perigos” nem sempre têm dentes afiados, mas ainda podem deixar uma marca profunda em nossa mente.
O medo como ferramenta de persuasão
Dentro dessa nova lógica do medo, o marketing chegou na frente e, ciente desse mecanismo primitivo, explorou e ainda explora com maestria esse medo para vender produtos e serviços. Campanhas publicitárias frequentemente usam a tática da “escassez” (só restam poucas unidades!), do “medo de ficar de fora” (o famoso FOMO – Fear of Missing Out)[1] ou de cenários que prometem segurança e proteção (seguros de vida, alarmes residenciais). Essa abordagem não vende apenas o produto, mas a solução para uma potencial ameaça. Ao ativar a amígdala e os instintos de proteção, o marketing consegue uma resposta emocional e mais rápida do consumidor, contornando a análise racional e acelerando a decisão de compra.
Mas não é apenas o marketing que descobriu a fórmula de “captação” da mente humana através do medo, as redes sociais chegaram e com maestria se aproveitaram dessa condição humana para atrair seguidores, ganhar likes e formar comunidades diversas.
As redes sociais se tornaram o novo campo de batalha para esse instinto de vigilância. Seu cérebro, adaptado para escanear o ambiente físico em busca de perigos e oportunidades sociais, agora faz o mesmo no mundo digital. Ele compara sua vida com a dos outros, avalia o que é “normal” e busca aprovação através de curtidas e comentários. Essa comparação incessante pode gerar a sensação de que você está “ficando para trás”, alimentando o FOMO e a ansiedade. As plataformas exploram essa vulnerabilidade, criando um ciclo vicioso: você busca validação social e, ao mesmo tempo, se sente mais inseguro. Sua mente, sempre atenta, agora se preocupa com a própria imagem e com o seu lugar em um mundo digital que muda a cada segundo.
Nós contra eles: a ciência por trás da divisão nacional


O medo, quando explorado, nos leva a buscar refúgio em comunidades que compartilham as mesmas preocupações. Assim, criamos “bolhas” sociais e de informação, onde narrativas próprias se fortalecem, muitas vezes ativando nossos mecanismos cerebrais mais primitivos de defesa. É nesse contexto que o cenário político brasileiro se encaixa: a polarização se intensifica, e os grupos se fecham em suas próprias verdades, vendo o outro lado não como um adversário de ideias, mas como uma ameaça existencial a ser combatida. Esse é o tribalismo moderno, um movimento de segregação alimentado pelo medo, que transforma a disputa política em uma luta pela sobrevivência.
No Brasil de hoje, a disputa entre direita e esquerda não se resume a debates racionais, mas sim à criação e disseminação de “narrativas” que ativam nossos instintos mais profundos. De um lado, discursos focados na segurança, ordem, tradição e na defesa contra “ameaças” externas ou internas. De outro, narrativas que enfatizam a necessidade de proteção social, a luta contra a injustiça e a defesa de direitos ameaçados. Ambos os lados buscam engajar seguidores por meio de gatilhos emocionais, como o medo, a indignação e a busca por pertencimento. As mensagens, muitas vezes simplificadas e repetidas à exaustão nas redes sociais, não visam apenas informar, mas sim reforçar a sensação de que o grupo a que você pertence está certo e seguro, enquanto o outro representa um perigo a ser combatido.
Quando a polarização política atinge esse nível de confronto emocional, alimentado pela percepção de ameaça, o risco de violência se torna real. O cérebro, em seu estado de alerta máximo, pode interpretar o “outro lado” não apenas como um adversário ideológico, mas como um inimigo a ser neutralizado. As narrativas de “nós contra eles” e a desumanização do opositor, comuns nesse ambiente, reduzem a empatia e justificam comportamentos agressivos. No Brasil, onde as tensões sociais e econômicas já são latentes, essa escalada de ânimos pode facilmente se converter em conflitos físicos, ataques pessoais e, no limite, em uma ruptura da coesão social. A cada postagem de ódio, a cada discurso inflamado, a cada notícia falsa compartilhada, a amígdala é ativada, e a linha entre a disputa de ideias e a violência concreta se torna cada vez mais tênue e perigosa.
As consequências da polarização no Brasil
A polarização política no Brasil, intensificada por narrativas de medo e tribalismo, traz consequências profundas e perigosas. A principal delas é a deterioração do diálogo e da civilidade. A pesquisa “Edelman Trust Barometer[2]” revelou que a maioria dos brasileiros acredita que o país está mais dividido e que a falta de respeito mútuo cresceu. Quando o debate político é substituído pelo confronto emocional, a capacidade de se ouvir e de construir consensos desaparece.
Esse ambiente de intolerância se manifesta de diversas formas, desde o rompimento de laços familiares e de amizade até o aumento da violência política. Discursos de ódio e a desumanização do opositor, facilmente propagados nas redes sociais, não ficam restritos ao mundo digital. Eles se convertem em ataques pessoais, perseguições e, em casos extremos, em agressões físicas e até mesmo assassinatos.
O resultado é um cenário onde a democracia é enfraquecida. Ao invés de buscar soluções para problemas como corrupção, criminalidade e desigualdade, a energia da sociedade é consumida por um conflito constante. O foco se desvia das políticas públicas e dos problemas reais, e a lealdade ideológica se torna mais importante que a capacidade de gestão. Dessa forma, a própria democracia se torna refém de um sistema que explora o medo em vez de promover o debate e a cooperação.
A Educação como antídoto para a polarização
Diante de um cenário tão complexo, a saída para essa espiral de medo e conflito não está em discursos polarizadores, mas sim em um processo fundamental: a educação. Reverter essa situação exige um esforço coletivo para fortalecer as bases do pensamento crítico. Isso passa pelo incentivo à leitura, que expõe o indivíduo a diferentes visões de mundo e o capacita a questionar narrativas simplistas. O diálogo entre diferentes opiniões, seja nas escolas, nas famílias ou nos espaços públicos, é o principal antídoto para a tribalização, pois reconstrói pontes e desativa a percepção de “inimigo” no outro.
É urgente revalorizar o exercício da cidadania plena, que não se resume ao voto, mas envolve a participação ativa e informada nos rumos do país. O papel da política, neste contexto, deve ser o de construir um projeto democrático de sociedade — um plano que promova a cooperação, o respeito às diferenças e a busca por soluções reais, em vez de um eterno conflito de ideologias. A verdadeira defesa da democracia, afinal, é um ato de coragem que se opõe ao medo, e se constrói na capacidade de conviver com o diferente, em prol de um futuro comum.
Diante desse panorama, a questão que se impõe é: estamos dispostos a desarmar nossos instintos de medo para construir pontes, ou continuaremos reféns de uma polarização que ameaça a própria base da nossa sociedade?
[1] Saiba mais em: https://www.tjsc.jus.br/web/servidor/dicas-de-saude/-/asset_publisher/0rjJEBzj2Oes/content/voce-tem-f-o-m-o-fear-of-missing-out-#:~:text=Fear%20of%20missing%20out%20ou,se%20conectada%20%C3%A0s%20redes%20sociais.
[2] Disponível em: https://www.edelman.com.br/edelman-trust-barometer-2025 – Acesso em 05/08/2025.



