A prática baseada na evidência (PBE) representa um alicerce essencial para a qualidade e segurança dos cuidados em enfermagem, sobretudo no internamento hospitalar, onde a complexidade clínica e o risco de eventos adversos exigem decisões fundamentadas. Este artigo analisa o conceito de PBE à luz do contexto hospitalar, identificando barreiras e facilitadores da implementação por enfermeiros em ambientes de internamento. Através de revisão da literatura científica recente, são propostas estratégias de capacitação, gestão e liderança clínica que transformem o conhecimento científico em cuidado prático e humanizado — uma verdadeira evidência à cabeceira.
A enfermagem hospitalar é o espaço onde o conhecimento científico encontra-se com a complexidade humana. No ambiente de internamento, os enfermeiros enfrentam diariamente desafios clínicos, éticos e emocionais que requerem decisões seguras e eficazes. A prática baseada na evidência (PBE) surge como uma abordagem que articula o melhor conhecimento disponível com a experiência profissional e as preferências do utente, promovendo uma assistência centrada, personalizada e sustentada.
Contudo, apesar do reconhecimento teórico, a PBE ainda enfrenta barreiras significativas à implementação na prática hospitalar quotidiana. Este artigo propõe uma reflexão crítica e propositiva sobre como transformar a evidência em ação, junto ao leito, ao lado do doente.
A PBE foi formalizada na década de 1990 e, desde então, tornou-se um dos pilares da qualidade assistencial. Segundo Guyatt et al. (2023), consiste na integração entre três dimensões: melhores evidências científicas disponíveis, experiência clínica do profissional e valores e preferências do utente. A enfermagem, como disciplina centrada na pessoa e na resposta humana, tem uma afinidade natural com esta abordagem.
Em ambiente de internamento, a PBE permite prevenir complicações como úlceras por pressão, infeções associadas a dispositivos invasivos, quedas, delirium e deterioração funcional (Ferreira & Mendes, 2024). Além disto, contribui para decisões mais precisas na gestão da dor, administração medicamentosa e planeamento da alta.
No entanto, estudos como o de Silva et al. (2023) apontam que apenas 30% dos enfermeiros em internamento aplicam sistematicamente a PBE na sua prática. As barreiras incluem falta de tempo, dificuldade de acesso à literatura científica, lacunas formativas e uma cultura institucional ainda centrada na rotina e na tradição.
Por outro lado, estratégias como formação contínua, existência de núcleos de PBE, apoio da liderança de enfermagem e acesso facilitado a recursos digitais são apontadas como facilitadores importantes (Rodrigues & Antunes, 2024).
Este estudo de natureza qualitativa e reflexiva baseou-se numa revisão integrativa da literatura científica entre 2020 e 2025. Foram selecionados 20 artigos científicos e 3 documentos institucionais a partir das bases PubMed, CINAHL e Scopus, com os descritores: “evidence-based nursing”, “hospital care”, “nursing decision-making”, “barriers and facilitators”, e “quality of care”. Os critérios de inclusão consideraram relevância para o contexto de internamento hospitalar, rigor metodológico e aplicabilidade clínica.
A análise seguiu uma abordagem temática centrada em quatro dimensões: conceito de PBE, barreiras, facilitadores e propostas para uma cultura institucional de evidência.
Implementar a PBE não significa apenas seguir guidelines — significa questionar rotinas, procurar o porquê, e adaptar a intervenção à pessoa que se tem à frente. A evidência deve ser contextualizada, e não aplicada de forma automática. Como defendem Melnyk & Fineout-Overholt (2022), a autonomia crítica do enfermeiro é parte essencial da prática baseada na evidência.
No internamento hospitalar, onde os cuidados são contínuos e multidimensionais, a PBE assume um valor ainda maior, permitindo intervenções mais seguras, individualizadas e eficazes.
A maior barreira relatada pelos enfermeiros é o tempo escasso para aceder a evidência durante o turno (Silva et al., 2023). Além disto, muitos relatam dificuldade em interpretar artigos científicos, falta de acesso a bases atualizadas e ausência de formação em metodologia da investigação.
Outro obstáculo relevante é a cultura organizacional centrada na rotina e na hierarquia. A evidência só ganha lugar quando há espaço institucional para a dúvida construtiva, para a aprendizagem e para a inovação clínica.
Lideranças que valorizam a PBE, que incorporam o exemplo e que disponibilizam recursos são catalisadoras de mudança. A existência de grupos de leitura crítica, tutoria clínica, plataformas digitais com resumos de evidência, e momentos dedicados à discussão de casos baseados na literatura são estratégias viáveis e eficazes (Rodrigues & Antunes, 2024).
O investimento na formação contínua e na capacitação em literacia científica é outro pilar indispensável. Segundo Batista & Lopes (2024), enfermeiros com domínio de pesquisa e avaliação crítica têm maior autonomia, segurança e satisfação profissional.
Integrar a evidência no plano de cuidados exige mais do que ciência: exige escuta, adaptação e presença. A prática baseada na evidência não substitui o vínculo terapêutico — antes o fortalece, oferecendo ao utente intervenções que respeitam a singularidade e estão alinhadas com os melhores resultados possíveis.
A Enfermagem de Reabilitação, por exemplo, baseia-se em protocolos validados para prevenção de declínio funcional, mas adequa os exercícios à história de vida e às motivações de cada utente. É neste equilíbrio entre ciência e cuidado que a evidência se torna verdadeiramente transformadora.
Trazer a evidência para junto da cama do doente é um gesto de excelência e de respeito. É assumir que cada decisão merece fundamento, que cada cuidado merece qualidade, que cada utente merece o melhor da ciência e da humanidade.
A implementação da PBE no internamento hospitalar é possível, necessária e urgente. Requer vontade política, liderança clínica, recursos institucionais e, sobretudo, profissionais comprometidos com a melhoria contínua.
A evidência à cabeceira não é um ideal distante. É uma escolha diária, uma prática cultivada e um direito do utente. Cabe aos enfermeiros e às instituições transformar o conhecimento em cuidado — e o cuidado em transformação.
Referências Bibliográficas
Batista, L., & Lopes, M. (2024). Literacia científica e autonomia clínica em enfermagem. Revista de Enfermagem e Gestão em Saúde, 18(2), 112–123.
Creswell, J. W., & Plano Clark, V. L. (2022). Designing and Conducting Mixed Methods Research. SAGE.
Ferreira, A., & Mendes, R. (2024). Aplicação da prática baseada na evidência em contextos de internamento. Acta Médica Portuguesa, 37(1), 55–66.
Guyatt, G., Oxman, A., & Kunz, R. (2023). Users’ Guides to the Medical Literature: Essentials of Evidence-Based Clinical Practice. McGraw-Hill.
Melnyk, B. M., & Fineout-Overholt, E. (2022). Evidence-Based Practice in Nursing & Healthcare: A Guide to Best Practice. Wolters Kluwer.
Rodrigues, T., & Antunes, S. (2024). Estratégias institucionais para a implementação da prática baseada na evidência. Revista de Saúde e Conhecimento, 13(1), 87–99.
Sackett, D. L., et al. (2021). Evidence-Based Medicine: How to Practice and Teach EBM. Elsevier.
Silva, J., Costa, F., & Nogueira, D. (2023). Barreiras à prática baseada na evidência na enfermagem hospitalar portuguesa. Cadernos de Enfermagem Contemporânea, 11(3), 133–145.