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Corpos que doem, mentes que gritam: a saúde emocional dos internados

Corpos que doem, mentes que gritam: a saúde emocional dos internados

O internamento hospitalar, para além de uma experiência física exigente, representa um desafio profundo à saúde emocional dos doentes. Corpos que doem e mentes que gritam traduzem de forma contundente a vivência de quem se encontra privado do contexto habitual, confrontado com a fragilidade e a dependência. Este artigo de opinião propõe uma reflexão crítica sobre a saúde emocional dos internados, com base em literatura científica e em experiências do quotidiano clínico, evidenciando a necessidade de uma abordagem holística, empática e centrada na pessoa.

A hospitalização interrompe rotinas, afasta afetos e coloca o indivíduo num ambiente onde o controlo sobre a vida encontra-se profundamente reduzido. Esta perda de autonomia e previsibilidade pode gerar sentimentos de ansiedade, medo, tristeza e mesmo desespero (Lima & Ribeiro, 2021). Estudos demonstram que a prevalência de sintomas depressivos em doentes internados varia entre 20% a 40%, consoante o contexto clínico, sendo particularmente elevada em pessoas idosas e com doenças crónicas (Silva et al., 2023).

A dor, enquanto experiência multifacetada, não é apenas física. A dor emocional, resultante da solidão, da incerteza face ao prognóstico, ou da distância dos entes queridos, interfere negativamente no processo de recuperação. A investigação de Campos e Morais (2020) aponta que doentes com elevada sintomatologia emocional apresentam piores indicadores de adesão terapêutica e tempo de internamento mais prolongado. Assim, cuidar da saúde emocional não é um extra opcional, mas uma componente essencial do cuidado integral.

Os profissionais de saúde, em particular os enfermeiros, têm um papel determinante na deteção e resposta a estas necessidades. Pelo contacto contínuo e próximo com os utentes, os enfermeiros estão numa posição privilegiada para identificar alterações de humor, retraimento, agitação ou verbalizações de sofrimento psicológico. A escuta ativa, a empatia e a comunicação terapêutica são ferramentas fundamentais para a criação de vínculos de confiança e segurança emocional (Rodrigues & Santos, 2022).

Contudo, muitos profissionais referem sentir-se despreparados para lidar com o sofrimento emocional dos doentes. A formação inicial em saúde mental é frequentemente insuficiente, e os contextos de internamento, marcados pela pressão assistencial, dificultam o tempo e a disponibilidade para uma abordagem emocional cuidada. Como refere Baptista (2023), a ausência de espaços de escuta institucional e de supervisão clínica contribui para a desvalorização da dimensão emocional do cuidado.

A integração de psicólogos nos serviços de internamento é uma estratégia que pode contribuir para colmatar estas lacunas. O apoio psicológico durante o internamento tem mostrado benefícios na redução da ansiedade, melhoria da adesão aos tratamentos e preparação para a alta (Ferreira et al., 2024). No entanto, este recurso permanece escasso e desigual no sistema de saúde português, sendo essencial investir em modelos de intervenção multidisciplinar centrados na pessoa.

Outro aspeto relevante prende-se com a importância dos ambientes terapêuticos. Um espaço hospitalar humanizado, que respeite a privacidade, promova o descanso e favoreça a presença de familiares, tem impacto direto na saúde emocional dos doentes. Iniciativas como “quartos de silêncio”, visitas ampliadas e intervenções artísticas no internamento têm demonstrado efeitos positivos no bem-estar emocional (Monteiro & Cruz, 2023).

A pandemia de COVID-19 evidenciou, de forma aguda, os efeitos da privação emocional no internamento. O isolamento obrigatório, a limitação de visitas e o medo constante agravaram o sofrimento psicológico dos doentes, particularmente nos casos de internamentos prolongados e em cuidados intensivos. Esta experiência reforçou a urgência de considerar a dimensão emocional como parte integrante do plano de cuidados.

O respeito pela subjetividade do doente deve ser uma premissa básica da prática clínica. Cada pessoa vive a doença e o internamento à sua maneira, com base na história de vida, contexto familiar, espiritualidade e recursos internos. Por isto, é essencial adotar uma abordagem personalizada, que valide as emoções, promova a esperança realista e favoreça a participação ativa no plano terapêutico (Trindade & Almeida, 2024).

Além disto, a literacia emocional dos próprios doentes deve ser promovida. Ensinar técnicas de autorregulação emocional, estratégias de coping e reforço do sentido de coerência pode ajudar os internados a lidar de forma mais eficaz com o stress hospitalar. Esta componente pode ser integrada nas atividades de educação para a saúde e nos momentos de interação terapêutica informal.

Os familiares também necessitam de apoio emocional. A hospitalização de um ente querido afeta toda a rede relacional, podendo gerar angústia, sentimentos de impotência e exaustão. O acolhimento das famílias, a partilha transparente de informação e a escuta ativa das suas preocupações são elementos-chave de uma abordagem centrada na pessoa e na sua rede de suporte.

Finalmente, é indispensável cuidar de quem cuida. Os profissionais de saúde, sujeitos a uma elevada carga emocional e a uma constante exposição ao sofrimento, estão em risco de desenvolver fadiga por compaixão, burnout e desgaste emocional. Promover o bem-estar emocional das equipas, através de programas de apoio psicológico, pausas terapêuticas e valorização do trabalho relacional, é condição para um cuidado emocionalmente sustentável (Oliveira & Mendes, 2023).

Em síntese, os corpos que doem e as mentes que gritam convocam-nos para uma prática clínica mais atenta, sensível e responsiva às dimensões emocionais do internamento. Cuidar da saúde emocional dos doentes internados não é apenas uma questão de humanização: é uma exigência ética, terapêutica e organizacional. Cabe às instituições, aos profissionais e à sociedade em geral assumir este compromisso, transformando o hospital num lugar onde, apesar da dor, possa-se também encontrar conforto, sentido e dignidade.

Referências Bibliográficas

Baptista, A. (2023). O cuidado emocional em enfermagem: desafios e possibilidades. Revista de Saúde e Humanização, 8(1), 56–67.

Campos, R., & Morais, L. (2020). Saúde emocional no internamento hospitalar: impacto nos indicadores clínicos. Revista Portuguesa de Psicologia da Saúde, 9(2), 134–150.

Ferreira, M., Lopes, R., & Gomes, T. (2024). Apoio psicológico em contexto hospitalar: efeitos na recuperação e adesão terapêutica. Psicologia Clínica e Saúde, 12(1), 22–35.

Lima, C., & Ribeiro, S. (2021). Sofrimento emocional e hospitalização: uma revisão integrativa. Saúde & Sociedade, 30(1), 101–115.

Monteiro, S., & Cruz, J. (2023). Ambientes terapêuticos e bem-estar hospitalar. Humanização da Saúde, 11(3), 77–89.

Oliveira, P., & Mendes, R. (2023). Profissionais de saúde e sofrimento emocional: estratégias de prevenção do burnout. Enfermagem Contemporânea, 15(2), 66–80.

Rodrigues, A., & Santos, M. (2022). Comunicação terapêutica em enfermagem: a escuta como ferramenta de cuidado. Revista Lusófona de Enfermagem, 5(1), 12–25.

Silva, J., Fernandes, A., & Nogueira, D. (2023). Sintomatologia depressiva em doentes internados: prevalência e fatores associados. Acta Médica Portuguesa, 36(4), 290–298.

Trindade, I., & Almeida, L. (2024). Humanização e subjetividade nos cuidados hospitalares. Ética e Cuidado em Saúde, 6(1), 41–55.

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