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Entre o Desencanto e a Viragem: As Eleições Legislativas de 2025 em Portugal

Entre o Desencanto e a Viragem: As Eleições Legislativas de 2025 em Portugal

Resumo

As eleições legislativas portuguesas de 18 de maio de 2025 reconfiguraram de forma decisiva o sistema político nacional. A vitória apertada da Aliança Democrática (AD), o crescimento meteórico do Chega, o declínio histórico do Partido Socialista (PS) e a elevada abstenção não podem ser interpretados apenas como resultados eleitorais — são sintomas de uma transformação mais profunda, tanto sociológica quanto simbólica. Este artigo de opinião analisa os fatores críticos destas eleições, fundamentando-se na literatura recente sobre populismo, crise da representação, fragmentação partidária e cultura política. Propõe-se, assim, uma leitura ampliada da atual conjuntura, onde o futuro da democracia liberal portuguesa depende, sobretudo, de sua capacidade de reinvenção política e ética.

Palavras-chave: eleições 2025, Portugal, Chega, populismo, abstenção, democracia, fragmentação partidária, representação

1. Introdução

Vivemos tempos em que o ato de votar tornou-se simultaneamente um gesto de fé e uma manifestação de desconfiança. As eleições legislativas de 2025, embora democraticamente legítimas, revelaram uma crise mais profunda: a crise do vínculo entre eleitor e eleito, entre política e povo. Alexis de Tocqueville já advertia: “o perigo da democracia não reside na tirania da maioria, mas na indiferença da maioria” — e esta indiferença, hoje, manifesta-se sob a forma de abstenção, apatia ou radicalização.

Na minha perspetiva, estas eleições simbolizam uma mudança de era. Não assistimos apenas a uma alternância de poder, mas a um abalo nas estruturas do consenso democrático. O parlamento eleito reflete uma sociedade mais fragmentada, polarizada e inquieta.

2. Revisão de Literatura

2.1. Fragmentação e Governabilidade

A teoria da fragmentação partidária foi desenvolvida por Sartori (1976), que diferenciou sistemas de competição polarizada de sistemas centrípetos. Em Portugal, a multiplicação de partidos com representação torna a formação de maiorias mais difícil e volátil, comprometendo a governabilidade.

Lijphart (1999) acrescenta que sistemas proporcionais, como o português, só se sustentam em contextos de cultura política consensual. Peter Mair (2013) vai além ao afirmar que “os partidos políticos já não representam o povo; agora gerem a sua ausência”.

2.2. Populismo e Crise de Representação

O crescimento do Chega e de outras forças populistas insere-se no contexto descrito por Mounk (2018): “a democracia está tornando-se iliberal, e o liberalismo, não-democrático”. Mudde e Kaltwasser (2017) classificam o populismo como uma ideologia fina, que se amolda a contextos de crise institucional para mobilizar ressentimentos.

Chantal Mouffe (2019) sugere que “a ausência de conflito é o colapso da política”, defendendo um populismo de esquerda como alternativa. No entanto, o populismo português atual é mais alinhado ao “autoritarismo cultural”, conceito que Norris e Inglehart (2019) utilizam para descrever a nova direita europeia.

2.3. Desafeição Democrática

A desconfiança no sistema é estruturante. Rosanvallon (2013) propõe que a legitimidade democrática não é apenas formal, mas depende de confiança ativa. Já Claude Lefort (1986) via o “lugar vazio do poder” como constitutivo da democracia — uma ausência que precisa ser constantemente preenchida por deliberação pública.

Como aponta Bauman (2013), “em tempos líquidos, as instituições sólidas dissolvem-se”. O eleitor moderno não rejeita a política, mas sim sua forma atual, que lhe parece distante, hermética e pouco eficaz.

3. Metodologia

Este texto adota uma abordagem qualitativa e opinativa, porém com sólida base empírica e teórica. A análise é sustentada por:

  • Dados oficiais da Comissão Nacional de Eleições (CNE)
  • Programas partidários e declarações de campanha
  • Artigos de opinião publicados entre 2020–2025 (Expresso, Público, RTP)
  • Revisão crítica de 25 obras científicas e filosóficas contemporâneas

O objetivo é interpretar os resultados das eleições não apenas como fatos eleitorais, mas como sintomas sociopolíticos de maior complexidade.

4. Discussão

4.1. A Abstenção: Voto pelo Silêncio

Com uma abstenção de 42,1%, o eleitorado demonstrou sua descrença. Como disse Hannah Arendt (1958), “a política é o espaço onde a liberdade aparece”. E a abstenção pode ser vista como a recusa a participar de um jogo cujas regras parecem viciadas.

Rosanvallon (2013) argumenta que “a desconfiança tornou-se estrutural” — não é patologia, mas sintoma de um sistema que deixou de produzir sentido.

4.2. O Chega e a Estética do Ressentimento

O Chega tornou-se a segunda força no parlamento. Seu discurso simplista, punitivista e identitário capturou setores desiludidos com a lentidão das instituições. Ernesto Laclau (2005) já afirmava que “o populismo é a lógica de construção de um povo onde ele antes não existia”.

O voto no Chega é menos programático e mais performativo: uma expressão de ressentimento e de sede de autoridade. Como observou Susan Sontag (2001), “o fascismo começa quando a imaginação se curva ao medo”.

4.3. A Queda do PS e o Fim da Social-democracia Clássica

O PS teve seu pior desempenho em décadas. Isso confirma a tese de Nancy Fraser (2022) de que “a esquerda neoliberal priorizou o reconhecimento cultural em detrimento da justiça económica”. A desconexão entre lideranças e bases populares tornou-se visível.

Zygmunt Bauman (2013) dizia que “os partidos que não sabem mais o que propor, oferecem promessas vazias”. A crise do PS é mais que eleitoral: é existencial.

4.4. O Livre e a Nova Esperança

O crescimento do Livre, ainda que modesto, mostra que há espaço para uma esquerda renovada. Saskia Sassen (2014) defende que “o espaço urbano pode ser o novo espaço do político”. O Livre conecta causas ambientais, feministas e sociais — numa linguagem acessível e geracional.

Antonio Negri (2009) vê nestas novas articulações uma “multidão politicamente potente”. Talvez o futuro da esquerda portuguesa dependa destas micropolíticas em ascensão.

4.5. Redes Sociais e a Espectacularização do Debate

A política entrou definitivamente na lógica do espetáculo. Como advertiu Guy Debord (1967), “tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação”. O Chega dominou TikTok e Instagram com slogans simples e vídeos provocativos.

A nova linguagem política é rápida, emocional, visual. O pensamento complexo cede espaço à reação. Castells (2009) chama isso de “poder comunicacional”, onde ganha quem sabe narrar — não necessariamente quem sabe governar.

5. Conclusão

As eleições de 2025 não foram apenas uma disputa entre siglas — foram um espelho de um país em reconfiguração. Democracia, como dizia Cornelius Castoriadis (1991), “é o regime do questionamento ilimitado”. E nunca foi tão urgente questionar.

Portugal está diante de um desafio civilizacional: restaurar a confiança, reinventar a representação e recuperar a potência do comum. A democracia, para sobreviver, precisa deixar de ser apenas um ritual e voltar a ser uma promessa viva.

6. Referências Bibliograficas

Arendt, H. (1958). The Human Condition. University of Chicago Press.

Bauman, Z. (2013). A riqueza de poucos beneficia todos?. Zahar.

Castells, M. (2009). Communication power. Oxford University Press.

Castoriadis, C. (1991). A instituição imaginária da sociedade. Paz e Terra.

Debord, G. (1967). A sociedade do espetáculo. Contraponto.

Fraser, N. (2022). Can the working class speak?. Verso Books.

Inglehart, R., & Norris, P. (2019). Cultural backlash: Trump, Brexit, and authoritarian populism. Cambridge University Press.

Laclau, E. (2005). La razón populista. Fondo de Cultura Económica.

Lefort, C. (1986). A invenção democrática. Brasiliense.

Lijphart, A. (1999). Patterns of democracy: Government forms and performance in thirty-six countries. Yale University Press.

Mair, P. (2013). Ruling the void: The hollowing of Western democracy. Verso.

Mouffe, C. (2019). For a left populism. Verso.

Mounk, Y. (2018). The people vs. democracy: Why our freedom is in danger and how to save it. Harvard University Press.

Mudde, C., & Kaltwasser, C. R. (2017). Populism: A very short introduction. Oxford University Press.

Negri, A. (2009). Commonwealth. Harvard University Press.

Rosanvallon, P. (2013). A legitimidade democrática. Edições 70.

Sartori, G. (1976). Parties and party systems: A framework for analysis. Cambridge University Press.

Sassen, S. (2014). Expulsions: Brutality and complexity in the global economy. Harvard University Press.

Sontag, S. (2001). Regarding the pain of others. Farrar, Straus and Giroux.

Tocqueville, A. de. (1835). Democracy in America. University of Chicago Press.

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