RESUMO
As eleições legislativas antecipadas de 2025 em Portugal surgem num contexto de profunda instabilidade política e crescente fragmentação partidária. A queda do governo minoritário da Aliança Democrática (AD), precipitada por alegações de conflitos de interesse, reflete desafios estruturais persistentes da democracia portuguesa. Este artigo analisa criticamente os fatores que contribuem para este cenário, como a permeabilidade entre interesses privados e funções públicas, a ausência de cultura de cooperação interpartidária e o crescimento de forças populistas. Com base numa revisão crítica da literatura e análise de dados recentes, defende-se que a democracia portuguesa carece de reformas institucionais profundas para assegurar a sua estabilidade futura. Conclui-se que as eleições de 2025 representam uma encruzilhada histórica: ou Portugal reforça os seus alicerces democráticos, ou arrisca-se a uma crise prolongada de legitimidade e eficácia política.
Palavras-chave
Democracia portuguesa; Instabilidade política; Fragmentação partidária; Populismo; Reformas institucionais; Eleições 2025.
INTRODUÇÃO
Portugal encontra-se, em 2025, perante uma crise política de rara intensidade, refletida na convocação de eleições legislativas antecipadas após a queda do governo da Aliança Democrática. Este evento, embora marcado por circunstâncias específicas — alegações de conflitos de interesse associados à empresa Spinumviva —, inscreve-se numa tendência mais ampla de instabilidade que tem caracterizado a democracia portuguesa nos últimos anos. Entre 2019 e 2025, o país realizou três eleições legislativas, um facto que ilustra bem a incapacidade dos partidos de formar maiorias parlamentares sólidas e sustentáveis.
A constante dissolução de parlamentos e a sucessiva queda de governos minoritários sugerem falhas estruturais profundas no sistema político nacional. Mais do que fenómenos episódicos, estes eventos indicam a presença de dinâmicas sistémicas de fragmentação, desconfiança mútua entre partidos e erosão da legitimidade das instituições públicas. Como tal, entender as eleições de 2025 exige não apenas uma análise das dinâmicas eleitorais imediatas, mas também uma reflexão crítica sobre as condições de funcionamento da democracia portuguesa.
Neste artigo, propõe-se uma análise aprofundada dos fatores que alimentam esta instabilidade, recorrendo à literatura académica e aos dados empíricos mais recentes, com o objetivo de delinear possíveis caminhos para a regeneração democrática em Portugal.
REVISÃO DA LITERATURA
A literatura académica sobre democracia e estabilidade política oferece instrumentos valiosos para interpretar o atual momento português. Segundo Diamond e Morlino (2005), a qualidade de uma democracia depende não apenas da realização de eleições regulares, mas também da efetividade do Estado de direito, da responsabilidade dos governantes e da capacidade de inclusão e participação cidadã.
Em Portugal, António Costa Pinto (2011) alerta para a persistência de uma cultura política permissiva face a conflitos de interesse, observando que a separação entre esferas pública e privada nunca foi plenamente consolidada após o período de transição democrática. Esta fragilidade institucional contribui, segundo o autor, para episódios recorrentes de escândalos políticos e crises de confiança.
Por sua vez, Marina Costa Lobo (2015) sublinha que a arquitetura semi-presidencialista portuguesa, apesar de conferir estabilidade em períodos de maiorias absolutas, tende a agravar a instabilidade quando as maiorias são fragmentadas. A ausência de uma cultura de compromisso interpartidário, típica de sistemas de governação consensual como os nórdicos (Lijphart, 1999), torna extremamente difícil a gestão de governos minoritários em Portugal.
Gómez Fortes (2021) reforça esta análise ao demonstrar que a fragmentação partidária, típica de sistemas eleitorais proporcionais, tornou-se ainda mais crítica em contextos de crise social e económica, como o vivido em Portugal na última década. O surgimento e consolidação de novas forças políticas, como o Chega e a Iniciativa Liberal, refletem o alargamento da competição política a campos até então marginais.
Mudde (2019) adverte que o crescimento de forças populistas na Europa não é um acidente histórico, mas o resultado de democracias liberais que falham em responder às expectativas sociais e económicas dos cidadãos. Em Portugal, o crescimento do Chega pode ser interpretado através desta lente: uma resposta ao sentimento de abandono e desconexão entre elites políticas e povo.
Estes contributos teóricos são essenciais para compreender a atual situação política portuguesa e para estruturar uma análise crítica sobre os caminhos possíveis para a sua superação.
DISCUSSÃO
As eleições legislativas antecipadas de 2025 são o culminar de uma trajetória de degradação progressiva da confiança nas instituições políticas. As sondagens recentes do CESOP-UCP (2025) indicam que, embora a AD mantenha uma liderança nas intenções de voto (34,1%), seguida pelo PS (27,1%) e pelo Chega (15,2%), a composição futura do parlamento deverá ser ainda mais fragmentada, tornando a formação de uma maioria de governo particularmente difícil.
Na minha perspetiva, a principal falha do sistema político português reside na incapacidade de adaptar as suas instituições e práticas à nova realidade partidária fragmentada. Em vez de promover mecanismos de cooperação e compromisso, o sistema continua a privilegiar lógicas de confronto e exclusão mútua, impossibilitando a formação de maiorias de governação estáveis e representativas.
A questão dos conflitos de interesse, evidenciada pelo caso Spinumviva, reforça a perceção pública de que a elite política continua incapaz de respeitar princípios básicos de ética pública. Esta perceção é particularmente perigosa num contexto de crise social, onde as desigualdades económicas e o acesso desigual aos serviços públicos, como saúde e habitação, estão entre as principais preocupações dos eleitores (CESOP-UCP, 2025).
O crescimento do Chega, apesar da rejeição maioritária da sua inclusão em coligações governativas, é sintomático de uma democracia sob pressão. Como argumenta Mudde (2019), a presença de partidos populistas radicais pode, se não for contida por mecanismos de inclusão e reforma democrática, desestabilizar ainda mais o sistema político.
Assim, defendo que a regeneração democrática em Portugal deve assentar em três pilares fundamentais:
- Transparência: Criação de mecanismos rigorosos de controlo de conflitos de interesse, reforço das entidades fiscalizadoras e maior abertura da administração pública à sociedade civil.
- Compromisso político: Desenvolvimento de práticas de diálogo e cooperação interpartidária, incentivando acordos parlamentares estáveis mesmo na ausência de maiorias absolutas.
- Participação cidadã: Implementação de mecanismos de democracia deliberativa que permitam aos cidadãos participar ativamente nos processos de decisão, reforçando a legitimidade democrática das instituições.
Só através da combinação destes três eixos será possível restaurar a confiança cidadã e garantir a estabilidade do sistema democrático português.
CONCLUSÃO
As eleições de 2025 constituem um momento decisivo para a democracia portuguesa. Após anos de crises políticas, instabilidade parlamentar e crescente desconfiança nas instituições, o país encontra-se numa encruzilhada: ou empreende uma renovação democrática profunda, baseada em transparência, responsabilidade e participação cidadã, ou arrisca-se a mergulhar num ciclo vicioso de instabilidade e erosão institucional.
Este artigo defendeu que a crise atual é estrutural e não conjuntural. A regeneração democrática não será possível sem reformas institucionais que adaptem o sistema político à nova realidade de fragmentação partidária e crescente exigência cidadã.
Se a oportunidade de 2025 não for aproveitada, o risco de desintegração gradual da legitimidade democrática, e o fortalecimento de soluções populistas e autoritárias, tornar-se-á uma ameaça real. O futuro da democracia portuguesa dependerá, em última análise, da capacidade coletiva de reconhecer as falhas atuais e agir com coragem e visão para as superar.
Referências Bibliográficas
Barreto, A. (2020). Sistema Político Português em Perspectiva Comparada. Universidade de Aveiro. Link
CESOP-UCP. (2025). Sondagem: Saúde, Habitação e Educação devem ser os Temas da Campanha. ECO. Link
Costa Lobo, M. (2015). O Sistema Político Português: Uma Perspetiva Contemporânea. Imprensa de Ciências Sociais.
Costa Pinto, A. (2011). O Fim do “Bloco Central”? Governação e Corrupção em Portugal. Análise Social, 46(199), 465–486.
Diamond, L., & Morlino, L. (2005). Assessing the Quality of Democracy. Journal of Democracy, 15(4), 20–31.
Fortes, B. G. (2021). Fragmentação e Instabilidade em Sistemas Parlamentares. Universidade de Granada.
Lijphart, A. (1999). Patterns of Democracy: Government Forms and Performance in Thirty-Six Countries. Yale University Press.
Mudde, C. (2019). The Far Right Today. Polity Press.



