O Decreto-Lei n.º 555/99 de 16 de dezembro (Diário da República n.º 291/1999, Série I-A), na sua redação atual, que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), no nº 1, do art.º 60º, determina que as edificações construídas ao abrigo do direito anterior e as utilizações respetivas não são afetadas por normas legais e regulamentares supervenientes.
Que direito anterior é este da garantia do existente?
Só a partir de 7 de agosto de 1951, com o Decreto-Lei n.º 38 382/51 1, é aprovado o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), o que significa que as construções anteriores à data deste diploma, foram construídas ao abrigo do direito anterior (ao RGEU).
Tenho um edifício com data de construção anterior a 1951, que ao longo do tempo foram executadas apenas obras de conservação2, posso vendê-lo sem Alvará de Autorização de Utilização? Sim. As câmaras municipais atestam a dispensa da autorização de utilização de um imóvel por ter sido construído antes da entrada em vigor do RGEU, de 7 de agosto de 1951 não tendo sido executadas obras de reconstrução, ampliação ou alteração ou das quais resultem modificações importantes das características do edifício. Ressalva-se que esta certidão apenas certifica, se o edifício é de construção anterior a 1951 (não consta que, por este motivo, está isenta de licença de utilização).
Tenho um edifício, com data de construção anterior a 1951, mas que foi sujeito a algumas pequenas (ou grandes) obras de reconstrução, alteração ou ampliação3, está também dispensado de Alvará de Autorização de Utilização? Não. As câmaras municipais ao verificarem que foram alteradas as caraterísticas físicas do edifício (obras que incidem sobre um edifício preexistente, mantendo-o ainda que modificado), do direito anterior que o edifício possuía por ser anterior à data de entrada em vigor do RGEU, informa que deverá proceder-se em primeiro lugar, ao controlo prévio do edifício (licenciamento / legalização – com a apresentação dos projetos de arquitetura e especialidades), para que, possam, com a instrução do pedido (nos termos do art.º 63º do RJUE), emitir o Título de Autorização de Utilização. Depois de emitido, o referido título confere ao particular o direito de utilizar e transacionar o imóvel.
De acordo com Fernanda Paula Oliveira (2017), as várias intervenções que incidem sobre edifícios existentes têm um campo próprio de aplicação, e como consequência uma determinada intervenção apenas possa ser reconduzida a uma delas. Deste modo, diz a autora, uma dada intervenção ou é uma obra de conservação, ou uma obra de alteração, ou uma obra de reconstrução ou uma obra de ampliação ou demolição (Oliveira, 2017).
Um outro direito das edificações existentes, plasmado no n.º 2, do art.º 60º do RJUE, refere-se à possível reabilitação do edificado, interpretação possível, que na redação do legislador refere-se às obras de reconstrução ou de alteração das edificações. Transcreve-se a redação do nº2:
“A concessão de licença ou autorização para a realização de obras de reconstrução ou de alteração das edificações não pode ser recusada com fundamento em normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária, desde que tais obras não originem ou agravem desconformidade com as normas em vigor, ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação.”
Relativamente às utilizações dos edifícios, a lei pode impor condições específicas para o exercício de certas atividades, em edificações já afetas a tais atividades, ao abrigo do direito anterior4.
A garantia constitucional do direito de propriedade privada, plasmado no n.º 1, do art.º 62º, da Constituição da República Portuguesa, na versão mais recente dada pela Lei n.º 1/2005, de 12/08, fundamenta a garantia do existente no Direito do Urbanismo.
Também o artigo 51º, do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro (no uso da autorização concedida pela Lei n.º 95-A/2009, de 2 de Setembro), que aprova o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU), relativamente à proteção do existente, admite no âmbito de uma operação de reabilitação urbana, em edifícios preexistentes (edificações em situação urbanística consolidada), obras que não originem ou agravem a desconformidade com as normas em vigor ou tenham como resultado a melhoria das condições de segurança e de salubridade da edificação e observem as opções de construção adequadas à segurança estrutural e sísmica do edifício.
As operações urbanísticas de ampliação, no âmbito da reabilitação urbana, “podem ser dispensadas do cumprimento de normas legais e regulamentares supervenientes à construção originária desde que exista uma melhoria das condições de desempenho e segurança funcional, estrutural e construtiva da edificação e o sacrifício decorrente do cumprimento das normas legais e regulamentares vigentes seja desproporcionado em face da desconformidade criada ou agravada pela realização daquelas.”5
Notas:
(1) Sucessivamente alterado pelos seguintes Decretos-Leis: nºs 38 888 de 29 de Agosto de 1952; 44 258 de 31 de Março de 1962; 45 027 de 13 de Maio de 1963; 650/75 de 18 de Novembro; 43/82 de 8 de Fevereiro; 463/85 de 4 de Novembro; 172–H/86 de 30 de Junho; 64/90 de 21 de Fevereiro; 61/93 de 3 de Março; 409/98 de 23 de Dezembro; 410/98 de 23 de Dezembro; 414/98 de 31 de Dezembro; 177/2001 de 4 de Junho; 290/2007, de 17 de Agosto; 50/2008, de 19 de Março; 220/2008, de 12 de Novembro;
(2) Cf. al. f), art.º 2º, do RJUE :«Obras de conservação», as obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação ou limpeza;
(3) Cf. al. e), art.º 2º, do RJUE: «Obras de ampliação», as obras de que resulte o aumento da área de implantação, da área total de construção, da altura da fachada ou do volume de uma edificação existente;
(4) Cf. n.º4, art.º 60º do RJUE;
(5) Cf. n.º 2, art.º 51º, DL 307/2009, de 23/10.
Referências:
Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro. (2019). Diário da República n.º 291/1999, Série I-A, de 1999-12-16. pp. 8912 – 8942
Oliveira, Fernanda Paula. (2017). Escritos Práticos de Direito do Urbanismo. Lisboa: Edições Almedina ISBN: 9789724069883
Imagem de capa: Domínio público, de Markus Kammermann por Pixabay



