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ONDAS DE CALOR, SECAS E NOVOS VETORES DE DOENÇAS EM PORTUGAL: Um Desafio Emergente para a Saúde Pública em 2025

ONDAS DE CALOR, SECAS E NOVOS VETORES DE DOENÇAS EM PORTUGAL: Um Desafio Emergente para a Saúde Pública em 2025

RESUMO

O agravamento das alterações climáticas em 2025 expôs Portugal a riscos sanitários sem precedentes associados a fenómenos meteorológicos extremos. Ondas de calor cada vez mais frequentes, secas persistentes e a expansão de novos vetores de doenças, como o Aedes aegypti e espécies de Culex, estão a transformar o panorama das ameaças à saúde pública. Este artigo de opinião analisa criticamente como estes fenómenos ambientais estão a redesenhar o perfil epidemiológico de Portugal, discute vulnerabilidades nos sistemas de saúde existentes e apela a uma resposta proativa e integrada baseada na abordagem “Uma Só Saúde” (One Health). Sem medidas urgentes de mitigação e adaptação, Portugal corre o risco de enfrentar epidemias emergentes nas próximas décadas.

Palavras-chave: alterações climáticas, saúde pública, ondas de calor, vetores de doenças, Aedes aegypti, Culex pipiens, seca, One Health, adaptação climática, vigilância epidemiológica.

1. INTRODUÇÃO

“A saúde do ser humano depende da saúde do planeta.”
— Edgar Morin (2011)

A humanidade enfrenta hoje uma encruzilhada civilizacional em que o clima e a saúde se entrelaçam numa crise multidimensional. Como afirmou a Organização Mundial da Saúde (2021), “as alterações climáticas são a maior ameaça à saúde humana no século XXI.” Esta declaração não é uma hipérbole — é um reflexo do que já está a ser vivido. Em 2025, Portugal está a sentir, com intensidade crescente, os impactos tangíveis de um planeta em desequilíbrio: ondas de calor escaldantes, secas prolongadas e o surgimento de novos vetores de doenças, antes exóticos, agora cada vez mais domésticos.

O clima mediterrânico português, outrora caracterizado por previsibilidade estacional e estabilidade, revela-se agora vulnerável e imprevisível. Os sistemas naturais que sustentam a vida — solos férteis, água potável, biodiversidade — estão a ser alterados numa velocidade sem precedentes, comprometendo a saúde e o bem-estar das populações. Esta nova realidade ecológica exige da saúde pública uma transformação conceptual e operacional.

Tradicionalmente, a saúde pública focou-se em doenças infeciosas, doenças crónicas e promoção de estilos de vida saudáveis. No entanto, a intensificação das alterações climáticas impõe novas exigências: entender como a ecologia molda o perfil epidemiológico, antecipar surtos de doenças associadas a vetores emergentes, e garantir resiliência social face a eventos extremos.

A emergência de espécies como o Aedes aegypti e o Culex pipiens no sul da Europa não é apenas um fenómeno biológico — é uma consequência direta das mudanças no clima e no uso do solo. Ao mesmo tempo, os eventos de calor extremo estão associados a aumentos dramáticos na mortalidade, sobretudo entre idosos, pessoas com doenças crónicas e populações vulneráveis.

A abordagem “Uma Só Saúde” surge, neste contexto, como um novo farol para a saúde pública: uma visão integrada que reconhece a profunda interdependência entre os sistemas naturais, humanos e animais. Tal como advertia Hipócrates há mais de dois mil anos, “é necessário estudar as estações e os ventos, pois eles nos revelam o curso das doenças.” Nunca estas palavras foram tão literais.

2. REVISÃO DE LITERATURA

O Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC, 2023) refere que a Europa aqueceu mais rapidamente do que a média global, sendo o Sul da Europa particularmente vulnerável. Em Portugal, a precipitação anual diminuiu cerca de 25% nas últimas duas décadas (Agência Portuguesa do Ambiente [APA], 2024), favorecendo condições propícias à proliferação de vetores como o Aedes aegypti — transmissor de dengue, Zika e chikungunya.

Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA, 2025), 2024 foi o ano mais quente jamais registado no país, com temperaturas médias de verão superiores a 35°C em diversas regiões. Paralelamente, a Direção-Geral da Saúde (DGS, 2025) alertou para a deteção recorrente do vírus do Nilo Ocidental, tradicionalmente ausente da Península Ibérica.

Alterações nos padrões migratórios das aves e na ecologia dos mosquitos estão também a favorecer a expansão de vetores como o Culex pipiens, como demonstram os relatórios do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, 2025).

3. DISCUSSÃO

3.1 Ondas de Calor

As ondas de calor são fenómenos letais. Estudos apontam que a mortalidade aumenta substancialmente durante estes períodos, particularmente entre grupos vulneráveis (Robine et al., 2008). Portugal, nas ondas de 2018 e 2022, registou falhas nos sistemas de emergência e sobrecarga hospitalar.

3.2 Secas

As secas prolongadas agravam a segurança alimentar e a gestão dos recursos hídricos, afetando principalmente populações socioeconomicamente fragilizadas — como no Alentejo e no Algarve (OPS, 2025).

3.3 Novos Vetores

O Aedes aegypti, identificado no sul de Portugal (Programa Nacional de Vigilância de Vetores, 2024), representa uma ameaça crescente. Apesar de ainda raros, os casos autóctones de arboviroses podem tornar-se comuns, como evidenciado por surtos anteriores na Madeira e em Espanha.

3.4 Estratégias Recomendadas

Para mitigar os efeitos desta nova era epidemiológica, são necessárias ações urgentes:

  • Fortalecimento da vigilância epidemiológica sensível ao clima;
  • Integração de modelação climática na previsão de surtos;
  • Promoção de soluções baseadas na natureza no planeamento urbano;
  • Adoção sistemática da abordagem One Health;
  • Educação ambiental e capacitação comunitária.

4. Conclusão

“Não se pode separar a saúde humana da saúde dos ecossistemas nos quais vivemos.”
— David Suzuki

As alterações climáticas não são uma abstração científica nem uma ameaça distante. Elas constituem uma realidade presente e crescente que exige uma profunda revisão dos paradigmas tradicionais da saúde pública. Ondas de calor, secas e novos vetores de doenças são crises interligadas, não apenas por sua origem comum — o desequilíbrio ecológico —, mas também pelos impactos que exercem sobre as populações mais vulneráveis.

Portugal deve agir com visão estratégica e compromisso ético. A resposta não pode basear-se apenas na reação a emergências, mas na construção de um sistema de saúde resiliente, sustentável e equitativo. Tal como afirmou Albert Einstein, “a solução de um problema nunca será encontrada no mesmo nível de consciência que o criou.” Assim, é preciso subir um degrau na consciência coletiva, reconhecendo que o bem-estar humano depende da saúde dos ecossistemas.

A integração entre setores — saúde, ambiente, urbanismo, agricultura — torna-se fundamental. Investir em ciência climática, vigilância epidemiológica, cooperação interdisciplinar e justiça ambiental não é apenas desejável: é uma exigência histórica. Proteger a saúde pública no século XXI implica uma transformação cultural profunda e o compromisso com a preservação do planeta como condição de possibilidade para todas as formas de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

Agência Portuguesa do Ambiente. (2024). Relatório do Estado do Ambiente em Portugal. APA.

Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças. (2025). Relatório Anual de Doenças Emergentes. ECDC.

Direção-Geral da Saúde. (2025). Relatório de Vigilância de Vetores. DGS.

Instituto Português do Mar e da Atmosfera. (2025). Relatório Climatológico Anual 2024. IPMA.

Einstein, A. (n.d.). Problemas não podem ser resolvidos com o mesmo tipo de pensamento que usamos quando os criámos. (Citação atribuída).

Hipócrates. (c. 400 a.C.). Ares, águas e lugares (tradução moderna). In Lloyd, G. E. R. (Ed.), Hippocratic writings. Penguin Classics.

Intergovernmental Panel on Climate Change. (2023). Sixth Assessment Report: Climate Change 2023. IPCC.

Morin, E. (2011). A via para o futuro da humanidade. Bertrand Editora.

Observatório Português da Saúde. (2025). Relatório sobre Saúde e Alterações Climáticas em Portugal. OPS.

Organização Mundial da Saúde. (2021). Climate change and health. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/climate-change-and-health

Organização Mundial da Saúde. (2025). Ferramenta para o Planeamento da Saúde Pública em Alterações Climáticas. OMS.

Programa Nacional de Vigilância de Vetores. (2024). Relatório de Atividade Entomológica. Ministério da Saúde de Portugal.

Robine, J. M., Cheung, S. L., Le Roy, S., Van Oyen, H., Griffiths, C., Michel, J. P., & Herrmann, F. R. (2008). Death toll exceeded 70,000 in Europe during the summer of 2003. Comptes Rendus Biologies, 331(2), 171–178. https://doi.org/10.1016/j.crvi.2007.12.001

Suzuki, D. (2007). The sacred balance: Rediscovering our place in nature (2nd ed.). Greystone Books.

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